O globo, n. 30050, 13/11/2015. País, p. 3

O freio do Senado

BRASÍLIA A pauta conservadora que a chamada bancada BBB (boi, bala e Bíblia) conseguiu fazer avançar na Câmara, ao longo deste ano, dificilmente vai prosperar da mesma forma no Senado, segundo a análise de parlamentares de vários partidos, tanto da base quanto da oposição. A explicação é que, como o Senado é formado por ex-governadores, ex-presidentes e ex-ministros, oriundos de eleições majoritárias, há uma visão mais ampla da sociedade, sem se segmentar em bancadas temáticas, como ocorre na Câmara.

Até agora chegou ao Senado apenas a proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, mas projetos como o desmonte do Estatuto do Desarmamento, o Estatuto da Família, as mudanças nas demarcações de terras indígenas e o que cria dificuldades para o aborto em casos de estupro já passaram por comissões na Câmara e poderão chegar em breve, caso sejam aprovados em plenário pelos deputados.

Álvaro Dias (PSDB-PR), ex-governador do Paraná e senador com maior votação proporcional do país em 2014, disse achar que o Senado é a casa da maturidade política, responsável pelo equilíbrio, justamente em função de sua composição.

— Temos no Senado uma representação majoritária, que não promove uma pulverização de bancadas como na Câmara, onde há segmentos bem definidos, como a bancada da bola, a evangélica, a ruralista. No Senado, o que ocorre é uma representação popular majoritária, com uma visão macro dos problemas da sociedade. Na Câmara, a tentativa de agradar a determinados segmentos, que ajudaram na eleição dos parlamentares, leva a esse tipo de atuação — observa Álvaro Dias.

“Retrocesso brutal”

Representante assumido dos ruralistas, o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), prevê que a maioria das matérias que tanto tem provocado turbulência em setores da sociedade e revolta contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), “vai tomar o espaço que merece nos escaninhos do Senado”.

— Na nossa época de Câmara, não se fazia isso que está acontecendo lá agora. A questão é quem está na presidência da Câmara. A pauta, quem faz é o presidente. Num quadro de crise tão grave como o que vivemos, com temas tão graves para serem decididos, esse tipo de matéria nem vai entrar na pauta aqui no Senado — diz Caiado.

O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT), também diz que a bancada governista vai atuar para enterrar as alterações que desfiguram o Estatuto do Desarmamento, que tratam da demarcação de terras indígenas e da redução da maioridade penal.

— Aqui não passa. É uma pauta conservadora, que significa um retrocesso brutal do ponto de vista social, uma verdadeira marcha a ré em conquistas conseguidas a duras penas. Aqui não existem bancadas estratificadas como na Câmara — diz Delcídio.

O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), diz que essas matérias foram aprovadas a toque de caixa dentro do “projeto diversionista” de Cunha de tentar arregimentar apoios entre as bancadas temáticas para fugir da cassação de seu mandato.

— Aqui essas matérias não vão prosperar. São vistas como mais uma estratégia de Cunha para criar embaraços. Ele tentar criar uma cortina de fumaça para trazer para o seu lado esse segmento mais conservador e embaralhar o processo no Conselho. A pauta do país não é essa. Não é hora de ressuscitar temas que já estavam pacificados na sociedade — diz Cássio.

O vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), lamenta que o Senado tenha de perder tempo analisando e derrubando o “estrago” que vem sendo feito pela Câmara nesses temas que tinham sido resolvidos no passado.

— Já perdemos parte desse ano desarmando bombas que vieram de lá. Muitas matérias aprovadas na Câmara danificam de morte o país na área econômica. Agora todos nós nos surpreendemos de novo com a Câmara trazendo atraso para a sociedade, aprovando matérias que estimulam o preconceito e empurram o Brasil para o século XIX. Trocar o Estatuto do Desarmamento pelo Estatuto do Armamento? Vamos passar mais um ano para consertar a pauta explosiva da intolerância — diz Viana.

Única pauta que já chegou ao Senado, a redução da maioridade penal deve ser amenizada. A Câmara reduziu de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. O projeto chegou em agosto e só agora foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde será apensado a outros que já tramitam na Casa.

O relator, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), diz que o mais provável é a aprovação da proposta do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que prevê a redução da maioridade apenas em casos de crimes hediondos e com um parecer prévio de um promotor sobre cada caso.

— A PEC aprovada na Câmara é muito primitiva e trata a redução da maioridade como solução para a grave situação de violência no país. Já o projeto de Aloysio, que muda o Código Penal, trata da questão da impunidade e da reincidência nessa faixa etária. É o que tem mais chance de passar no Senado — diz Ferraço.

Há quem defenda os projetos

Mas também há no Senado políticos que defendem a pauta conservadora. O senador Magno Malta (PR-ES) diz que apresentará emendas para radicalizar a PEC da Câmara. Proporá o fim da faixa etária: quem praticar crime hediondo atingirá a maioridade automaticamente.

— Ninguém confunde chupeta com escopeta — diz Magno Malta.

Ele promete lutar também para manter no Senado o Estatuto da Família, que define como família apenas as uniões entre homem e mulher.

— Entendo que o plenário vai manter o Estatuto da Família nos moldes de Deus, macho e fêmea, homem e mulher. Pode até ter ajuntamento e cooperação de pessoas, mas não podemos sair da exceção para a regra — diz Malta.

Para os deputados, essa agenda avançou na Câmara devido à mudança de perfil da bancada eleita em 2014.

— É uma bancada mais conservadora nesses temas de valores e princípios. A sociedade elegeu uma bancada na Câmara mais identificada com esses temas — analisa João Campos (PSDB-GO), que é delegado de polícia e coordenador da bancada evangélica.

— Essa mudança veio das urnas. Na nossa bancada, temos sete deputados que foram os mais votados em seus estados com essas bandeiras — destaca Alberto Fraga (DEM-DF), coordenador da chamada bancada da bala.

Ivan Valente (PSOL-SP), que é contra a aprovação desses projetos, observa que o aumento do conservadorismo na Câmara é reflexo da sociedade. Analisa, porém, que os temas só seguiram adiante devido ao fato de Eduardo Cunha ser simpático às propostas e ter feito aliança com as bancadas BBB.

— A Câmara está refletindo isso que a sociedade apresenta, e o Eduardo Cunha é fruto da união desses interesses. Foi assim que ele conseguiu se eleger, mesmo sem ter apoio formal de PT e PSDB — avalia Valente.