Correio braziliense, n. 19.222, 11/01/2016. Política, p. 2

Muito dinheiro por (quase) nada

CRISE NA REPÚBLICA » Dados obtidos pelo Correio a partir da Lei de Acesso à Informação mostram que deputados e senadores torraram, em 2015, mais de R$ 2 milhões em 13 CPIs. Trabalho ineficiente pouco acrescentou às investigações da Polícia Federal e do Ministério Público
Por: Marcella Fernandes e Naira Trindade

Nas 13 comissões parlamentares de inquérito (CPIs) instauradas em 2015, os deputados e senadores gastaram R$ 2.368.996,79. Dessas, oito continuarão os trabalhos em 2016. As outras cinco, concluídas em 2015, resultaram em relatórios — muitas vezes superficiais e que pouco avançaram em relação às investigações que já estavam em curso no Ministério Público e Polícia Federal. A maior parte dos gastos se refere a viagens de parlamentares ou ao deslocamento de depoentes, além da contratação de consultorias. Foram R$ 2.037.201,20 na Câmara, segundo dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI) e com secretarias das comissões. Já o Senado desembolsou R$ R$ 331.795,59.

Na Câmara, a campeã dos gastos foi a CPI da Petrobras. Foram R$ 1,18 milhão apenas para prestações de serviços da empresa de consultoria Kroll, segundo estimativas de consultores. Contratada com dispensa de licitação, a empresa não teve acordo renovado após serem revelados os nomes dos 12 investigados pela companhia. Caso a consultoria comprovasse a existência de contas de delatores da operação Lava-Jato fora do país, as delações poderiam ser invalidadas, de acordo com o presidente da CPI, deputado Hugo Motta (PMDB-PB). A Câmara não informa o valor oficial da contratação, com a desculpa de sigilo.

No relatório final, apresentado em 21 de outubro, apenas duas das 757 páginas se faziam referência aos trabalhos da Kroll. Após oito meses de apuração, o parecer isentou o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli de irregularidades na estatal, negou a existência de corrupção nela e pediu indiciamentos apenas de condenados na Lava-Jato. Na contramão do resultado, os gastos com viagens e deslocamentos dentro do país saltaram e somaram R$ 221.910,92, segundo dados da LAI. A Câmara deixou de informar custos de viagem feita a Londres. A previsão da secretaria da CPI da Petrobras é de R$ 122.628,39. Dentro do país, a viagem mais cara (R$ 96.947,63) serviu apenas para escutar o silêncio de 13 presos da Lava-Jato em Curitiba, incluindo o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o presidente da empreiteira Andrade Gutierrez, Otavio Marques de Azevedo.

De modo geral, os depoimentos pouco contribuíram com as investigações, uma vez que muitos convocados permaneceram calados ou não apresentaram fatos novos. Além de outras duas idas a Curitiba, a CPI visitou o Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo. Também foram gastos R$ 1.395,66 com diligências em Brasília. A Câmara não informou os gastos da CPI que investiga irregularidades na Funai e no Incra, iniciada em novembro.

No dia em que anunciou o rompimento com o Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, autorizou a instalação das CPIs dos Fundos de Pensão e do BNDES que investigariam empréstimos secretos concedidos pelo banco a outros países e a aplicação de recursos destinados a quatro fundos de pensão federais. Ambas ainda estão em andamento. A do BNDES gastou R$ 9,5 mil com passagens aéreas, como a vinda do amigo do ex-presidente Lula, o pecuarista José Carlos Bumlai, que permaneceu calado e em nada ajudou nas investigações. Já a CPI de Fundos de Pensão, prevista para encerrar em março, usufruiu de R$ 1,5 mil com deslocamentos.

 

Palco de disputas

Serviu ainda como palco de disputa política a CPI de Crimes Cibernéticos. Ela gastou R$ 38.031,91, sendo R$ 19.708,56 para uma audiência pública e diligência em Natal (RN). Chamado para esclarecer anúncios do governo federal em sites ilegais, o ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Edinho Silva, afirmou que desconhecia a denúncia apresentada sobre publicidade em portais que permitem downloads piratas. Tesoureiro da campanha de Dilma, ele negou irregularidades nas doações, denúncia feita por delatores da Lava-Jato. Criador do perfil “Dilma Bolada” na internet, o publicitário Jefferson Monteiro, afirmou, em depoimento, que atua de forma independe ao PT. Já o coordenador nacional do Movimento Brasil Livre (MBL), Rubens Alberto Gatti Nunes, negou que a entidade pró-impeachment seja financiada por partidos políticos. Prevista para acabar em 14 de março, a CPI pretende aperfeiçoar a legislação do Marco Civil da Internet e a Lei Carolina Dieckmann.

Primeira CPI instalada no Senado nesta legislatura, a CPI do HSBC deve ser encerrada mais cedo sem ter conseguido acesso à documentação que já fundamenta investigações em curso sobre o caso no Brasil e na França. A comissão gastou R$ 226,62 em multas aplicadas pelo cancelamento de quatro passagens aéreas. Também no Senado, a CPI do Carf, única concluída em 2015, pediu o indiciamento de 28 pessoas e empresas, sugeriu a atualização da Legislação Tributária e a criação de subcomissão para acompanhar o Carf. Investigados por compras de medidas provisórias, o ex-presidente Lula, seu filho, o empresário Luís Cláudio, e os ex-ministros Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e Erenice Guerra (Casa Civil). A suspeita é que uma rede de lobistas e de fabricantes de automóveis pagavam propinas para funcionários públicos e julgadores do CARF para terem suas penalidades reduzidas. A comissão gastou R$ 49.497,88 com deslocamentos de depoentes a Brasília.

 

Baixa produção

Deputados e senadores descobriram nas comissões de inquérito um palco para apresentaram seus trabalhos aos eleitores e se lambuzaram nos gastos. Veja quanto custou esse palanque eleitoral:

 

» Na Câmara

Total: R$ 2.037.201,20 em oito CPIs

Gastos com diárias e passagens até 07/12/2015

 

» Petrobras: R$ 1.344.539,31

Relatório final: Após oito meses, o relatório isentou Lula, Dilma e Gabrielli de irregularidades na Petrobras, negou a existência de corrupção na estatal e pediu indiciamentos apenas de condenados na Lava-Jato.

Presidente: deputado Hugo Motta (PMDB-PB)

Relator: deputado Luiz Sérgio (PT-RJ)

 

» Violência contra jovens negros e pobres: R$ 336.501,89

Relatório final: O parecer final apresentou a realidade já conhecida da população e propôs a criação de propostas que precisam tramitar nas comissões e ser aprovadas nos plenários das duas casas.

Presidente: deputado Reginaldo Lopes (PT-MG)

Relatora: deputada Rosangela Gomes (PRB-RJ)

 

» Sistema carcerário: R$ 130.550,55

Relatório final: Em 400 páginas, o relator concluiu a necessidade de adotar scanner corporal nos presídios para acabar com a revista íntima, medida já adotada em alguns estados. Ele propôs 20 projetos de lei que precisam tramitar e ser aprovados na Câmara e no Senado.

Presidente: deputado Alberto Fraga (DEM-DF)

Relator: deputado Sérgio Brito (PSD-BA)

 

» Maus-tratos de animais: R$ 112.410,64

Andamento: Adiada para 2 de fevereiro, a CPI votação pretende aprovar projetos de proteção a animais em tramitação no Congresso há muitos anos; além de fazer recomendações a zoológicos e solicitar indiciamento de 13 pessoas por maus-tratos.

Presidente: deputado Ricardo Izar (PSD-SP)

Relator: deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP)

 

» Máfia de órteses e próteses: R$ 64.118,35

Relatório final: Com quatro propostas que criminalizam a corrupção privada e a conduta entre médicos, a CPI pediu o indiciamento de 10 profissionais envolvidos nas fraudes e pediu a investigação de 16 empresas.

Presidente: deputado Geraldo Resende (PMDB-MS)

Relator: deputado André Fufuca (PEN-MA)

 

» Crimes cibernéticos: R$ 38.031,91

Andamento: Prorrogada até março, a CPI pretende discutir o bloqueio do Whatsapp devido a uma ação judicial em 2015. O colegiado ouviu explicações do ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência, Edinho Silva,  sobre investimentos publicitários do governo em sites.

Presidente: deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO)

Relator: deputado Esperidião Amin (PP-SC)

 

» BNDES: R$ 9.522,03

Andamento: Um dos primeiros delatores da Operação Lava Jato, o ex-gerente de serviços da Petrobras Pedro Barusco foi ouvido e negou participação em negociações financeiras. Já o pecuarista José Carlos Bumlai permaneceu calado em sua ida à CPI.

Presidente: Marcos Rotta (PMDB-AM)

Relator: José Rocha (PR-BA)

 

» Fundos de pensão: R$ 1.526,52

Andamento: Adiada para março, a CPI ainda pretende ouvir o presidente da Empresa Engevix; José Antunes Sobrinho, e o empresário Adir Assad. Eles eram esperados para o final do ano passado

Presidente: deputado Efraim Filho (DEM-PB).

Relator: deputado Sergio Souza (PMDB-PR)

 

» No Senado

Total: R$ 331.795,59 em cinco CPIs

Gastos com diárias e passagens até 30/11/2015

 

» Assassinato de jovens: R$ 211.501,71

Andamento: Instalada em maio passado, a CPI discute a criminalização juvenil e racial e o enfrentamento às drogas, mesmo tema já discutido em comissão por deputados da Câmara.

Presidente: senadora Lídice da Mata (PSB-BA)

Relator: senador Lindbergh Farias (PT-RJ)

 

» Futebol: R$ 51.496,56

Andamento: O compromisso da CPI é investigar a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o Comitê Organizador Local da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 (COL).

Presidente: senador Romário (PSB-RJ)

Relator. senador Romero Jucá (PMDB-RR)

 

» Carf: R$ 49.497,88

Relatório final: O relatório final da CPI pediu o indiciamento de 28 pessoas e empresas, além de sugerir a atualização da Legislação Tributária e a criação de subcomissão para acompanhar o Carf.  O filho do ex-presidente Lula, Luís Cláudio, foi poupado no texto.

Presidente: senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO)

Relatora: senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM)

 

» Próteses: R$ 19.082,82

Andamento: Ainda inconclusa, a CPI se propõe ao mesmo trabalho já realizado por deputados na Câmara, de criminalizar a corrupção privada e a conduta entre médicos, e pedir o indiciamento de profissionais envolvidos em fraudes.

Presidente: senador Magno Malta (PR-ES)

Relator: senador Humberto Costa (PT-PE)

 

» HSBC: R$ 226,62*

Andamento: Primeira CPI instalada no Senado nesta legislatura, a CPI do HSBC deve ser encerrada mais cedo sem ter conseguido acesso à documentação que já fundamenta investigações em curso sobre o caso no Brasil e na França.

Presidente: senador Paulo Rocha (PT-PA)

Relator: senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES)

 

*Multas aplicadas pelo cancelamento de quadro passagens aéreas

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