Correio braziliense, n. 19.222, 11/01/2016. Política, p. 3

CPIs inflam e viram palanque

CRISE NA REPÚBLICA » Parlamentares aproveitam comissões para ganhar visibilidade. Enquanto a Câmara bateu recordes e instaurou nove comissões no ano passado, o Senado criou cinco
 
Por: Naira Trindade e Marcella Fernandes

 

Diante da oportunidade de usar as CPIs como palanque eleitoral em meio à crise política, o número das comissões saltou em 2015. Na Câmara, foram instauradas nove, mais que o dobro das quatro iniciadas na legislatura anterior, de 2011 a 2014. No Senado, foram cinco novas CPIs no ano passado, comparadas a sete nos quatro anos da legislatura anterior. Além de expandir para as mais diversas áreas sociais, as Casas ainda repetiram temas investigados duas vezes em 2015, tanto no debate da violência contra jovens quanto na investigação de irregularidades de próteses médicas.

Concluída em julho na Câmara, a CPI de Violência Contra Jovens Negros propôs a tramitação de 14 propostas e fez 83 recomendações aos poderes Executivo, Judiciário e Ministério Público. Principal medida, a PEC 126/2015 prevê a destinação de 2% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para um fundo que financiaria políticas na área. A proposta aguarda parecer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Segunda em volume de gastos na Câmara, a comissão gastou R$ 336.501,89 com viagens a 12 estados e deslocamento de especialistas e depoentes a Brasília. CPI mais cara do Senado, a comissão que tratou do mesmo tema desembolsou R$ 211.501,71 com o deslocamento de depoentes e com sete viagens.

Também na área de segurança, a CPI do Sistema Carcerário gastou R$ 130.550,55. Foram feitas diligências no Conjunto Penal de Feira de Santana (BA), palco de rebelião em 24 de maio que deixou nove mortos. Também foram visitados o Complexo Penitenciário de Pedrinhas (MA), três centros de detenção paulistas, cinco em Santa Catarina e três no Pará. O relatório final propôs 20 projetos de lei e concluiu pela necessidade de adotar scanner corporal nos presídios para acabar com a revista íntima, medida já adotada em alguns estados.

Responsável pelo indiciamento de 10 pessoas e pela investigação de 16 empresas, além de propor a tramitação de quatro projetos de lei, a CPI da Máfia de Órteses e Próteses na Câmara gastou R$ 64.118,35. A única viagem foi uma diligência em Montes Claros (MG), em 18 de junho, que custou R$ 5.772,16. O objetivo era esclarecer as denúncias de que materiais pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) eram usados na rede privada por meio de laudos falsos. O relatório final identificou os crimes de estelionato, falsificação de documentos, lesão corporal, falsidade ideológica, associação criminosa, uso de documento falso, peculato, concussão (quando funcionário público exige vantagem indevida) e corrupção passiva.

No Senado, a CPI das Próteses terá até agosto para concluir os trabalhos. O colegiado aguarda a definição de ações do Executivo anunciadas durante audiência pública no colegiado em julho. O governo federal se comprometeu em elaborar um projeto de lei que tipifique como estelionato a comercialização fraudulenta de próteses. Também está prevista a criação, até junho, de um registro nacional de implantes, e uma divisão no Ministério da Justiça para combater crimes contra a saúde. A comissão gastou R$ 19.082,82 com o deslocamento de depoentes e com uma audiência pública em Porto Alegre com suspeitos de fraudes.

Além de temas como saúde e segurança pública, o esporte também virou pauta de investigação. No Senado, a CPI do Futebol, que apura atividades e contratos da atual gestão da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), gastou R$ 51.496,56 com passagens e diárias para colaboradores participarem de cinco reuniões. As 11 viagens foram pagas para pessoas vindas das cidades do Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Cuiabá a Brasília, e até Barcelona. Apesar do gasto, pouco se avançou nas investigações.

Na defesa dos animais, a CPI de Maus-tratos pedirá o indiciamento de 13 pessoas e cobrará a votação de propostas de proteção a animais em tramitação no Congresso há anos, além de fazer recomendações a zoológicos. O colegiado gastou R$ 112.410,64 com viagens. Foram feitas diligências nas cidades do Rio de Janeiro, Barcarena (PA), Belo Horizonte (MG) e Recife (PE), além de seminários na capital mineira, em Montes Claros (MG) e na cidade de São Paulo. A pedido da CPI, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) se comprometeu a acelerar também a tramitação de quatro propostas da área. A previsão é concluir em fevereiro.

 

Frase

“Aperecem propostas das mais variáveis É muito difícil buscar o equilíbrio”

Luiz Sérgio (PT-RJ), relator da CPI da Petrobras

Órgãos relacionados:

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"Gastos são compatíveis"

Na avaliação geral dos presidentes e relatores das CPIs, os gastos foram compatíveis com os resultados alcançados. Para o presidente da CPI de Violência Contra Jovens Negros, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), as viagens foram fundamentais para “desburocratizar” os trabalhos. “Foi importante porque fomos ouvir nas comunidades nos estados com mais violência”, afirmou. Presidente da CPI de Assassinato de Jovens no Senado, senadora Lídice da Mata (PSB-BA), também defendeu as atividades in loco. Ela lamentou a falta de um trabalho conjunto das duas Casa. “A Câmara não se articulou para que fosse uma CPI mista.”

Presidente da CPI de Próteses na Câmara, o deputado Geraldo Resende (PMDB-MS) acredita que o custo foi baixo, comparado a outras comissões com resultado menos satisfatório. “A redução de mais de 50% no número de implantes de órteses e próteses figuram como resultado mais claro”, afirmou. O Ministério Público informou que aguarda dados para iniciar as investigações dos pedidos de indiciamento. Presidente da CPI do mesmo tema no Senado, Magno Malta (PR-ES) afirmou o colegiado decidiu focar os trabalhos em Brasília para conter gastos e comemorou os avanços. “Todos os sigilos da máfia em Porto Alegre foram quebrados por nós. Parte já foi entregue e estamos com peritos em fase de cruzamentos.”

Em relação à CPI dos Maus-tratos, o relator Ricardo Tripoli destacou a importância de o parecer ter apontado a necessidade de aprovação de propostas em tramitação. “A CPI não tem o poder de punir, mas de investigar”, disse.

Presidente da CPI do Sistema Carcerário, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF) destacou que as comissões investigativas permitem uma pressão maior para obtenção de informações. “Solicitamos dados e os estados se recusaram a mandar. Ratifiquei em ofício aos governadores e mandaram”, disse. Já o relator da CPI dos Crimes Cibernéticos, deputado Esperidião Amin (PP-SC), defendeu que a comissão conseguiu pautar operações da polícia federal. “Não tenho dúvida de que, com a prorrogação, terei mais informações técnicas para chegarmos a escrever tópicos de aperfeiçoamento das leis Marco Civil e Carolina Dieckmann”. A presidente do colegiado, deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO) não respondeu à reportagem.

À frente da mais cara comissão da Câmara, o relator Luiz Sérgio (PT-RJ), da CPI da Petrobras, afirmou que as CPIs se transformaram em um palco de disputa política. “Aparecem propostas das mais variadas. Se você não as aceita, é acusado de atrapalhar os que buscam investigar, mas se as aceita, é um desperdício porque pedem tudo. É muito difícil buscar o equilíbrio”, criticou. Já o presidente Hugo Motta (PMDB-PB) afirmou que todas as decisões sobre viagens são de responsabilidade do colegiado. “Trouxemos presidentes de empresas de doadoras de campanhas, não houve blindagem”, afirmou. Ele reconheceu que o silêncio de depoentes “gera frustração”.

Presidente da CPI do BNDES, Marcos Rotta (PMDB-AM), argumentou que Bumlai não ficou em silêncio por causa da comissão. “O STF lhe garantiu este direito e a convocação dele foi extremamente acertada”. Para o presidente CPI dos Fundos de Pensão, deputado Efraim Filho (DEM-PB), a CPI reduziu os custos ao decidir não contratar auditoria externa. O senador Paulo Rocha (PT-PA), presidente da CPI do HSBC, atribui à limitação na obtenção de informações a pouca efetividade dos trabalhos. “No caso da listagem (dos 8.500 brasileiros com conta no exterior) o Estado francês pode ceder, como fez, para o Ministério Público e para Receita, mas esses órgãos não são autorizados a compartilhar os dados”.

Descontente com o resultado final da CPI do Carf, o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), lamentou a blindagem de alguns políticos no relatório aprovado. “Foi uma decepção porque os indícios de vendas de MPs estavam muito evidentes”, disse. Por outro lado, o parlamentar acredita que os gastos foram compatíveis quando comparados com os de outras CPIs. Ao apresentar seu parecer, a relatora, senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) afirmou que não havia uma ligação direta de políticos com o tema tratado no colegiado. O Correio não conseguiu contato com os responsáveis pela CPI do Futebol. (NT e MF)

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