O Estado de São Paulo, n. 44663, 29/01/2016. Política, p. A4

Amigo de Dirceu confessa ter mentido a Moro e MPF pede novo interrogatório

RICARDO BRANDT, JULIA AFFONSO E FAUSTO MACEDO - O ESTADO DE S.PAULO

 

Para não perder benefícios da delação premiada, Fernando Moura afirma ter apresentado ao juiz federal versão que beneficia ex-ministro, segundo a qual o petista não teria pedido a ele que deixasse o País no mensalão; empresário alega ter sofrido ‘ameaça velada’

 

O Ministério Público Federal requereu nesta quinta-feira, 28, ao juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, que ordene novo interrogatório do delator Fernando Moura, empresário ligado ao PT e amigo do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. A Procuradoria alega “flagrante contradição” no depoimento que ele prestou na sexta-feira, 22, em relação a um trecho de sua colaboração premiada, firmada em agosto do ano passado.

Moura aproveitou o depoimento da sexta-feira para fazer novas afirmações que favorecem o ex-ministro. Ele mudou sua versão sobre suposta orientação de Dirceu para que ele deixasse o País no auge do mensalão e disse que o responsável pelas indicações do PT para a Petrobrás era Silvio Pereira, ex-secretário-geral do partido. Afirmou, ainda, que nunca participou do repasse de valores para Dirceu. “Nada. Eu nunca negociei com o Zé, direto, de dinheiro, de nada”, disse Moura.

O pedido do Ministério Público Federal é subscrito por 11 procuradores da força-tarefa da Lava Jato. Eles destacam “a prova falsa produzida por Fernando Moura em juízo”. Nesta quinta-feira, Moura foi ouvido pelos procuradores e confessou “ter mentido” para Moro. Com isso, ele tenta salvar os benefícios que poderia ter como colaborador da Lava Jato. Os procuradores entregaram ao juiz o depoimento gravado do empresário.

Moura alegou que mentiu por ter se sentido vítima de uma “ameaça velada”. “Saí do despachante, uma pessoa me abordou: ‘Oi, tudo bem? Como estão seus netos no Sul’. Fiquei completamente transtornado”, afirmou Moura, que chegou a cogitar mudar todo o seu depoimento, mas não citou nomes.

Divergências. O trecho dos relatos de Moura que irritou os procuradores é relativo ao motivo de sua saída do País, em 2005, supostamente por sugestão de Dirceu – réu e preso da Lava Jato por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Na delação que firmou para se ver livre da prisão, o empresário afirmou em agosto de 2015 que “resolveu se mudar para Paris após receber a ‘dica’ de José Dirceu para ‘cair fora’”.

Na sexta-feira, em audiência no processo em que é réu, Moura deu versão diferente. Moro perguntou: “O sr. mencionou que na época do mensalão deixou o País por qual motivo?”. O delator respondeu: “Eu deixei o pa… aí nessa declaração, até aí que depois que eu assinei que eu fui ler, eu disse que foi o Zé Dirceu que me orientou a isso. Não foi esse o caso. Eu, eu saí, porque saiu uma reportagem minha na Veja, em março de 2005.”

Moro lembrou ao empresário que, na delação, ele deu aquela versão, atribuindo a Dirceu a ideia de deixar o País. “Falei isso?”, questionou Moura. “Falou”, disse Moro. “Assinei isso?”, perguntou o empresário, rindo. “Devem ter preenchido um pouquinho mais do que eu tinha falado. Mas, se eu falei, eu concordo.” “Não, não é assim que a coisa funciona”, repreendeu Moro. “Se eu falo e depois é colocado no papel, eu nem leio. Eu até pergunto para o advogado, ‘é isso aqui?’”, afirmou.

Para investigar a contradição, os procuradores abriram “procedimento de apuração de violação de acordo de colaboração premiada”. “Todos os fatos revelados por ocasião da colheita desses termos de colaboração no dia 28 de agosto de 2015 são verdadeiros, ao contrário do que foi dito por ele em seu interrogatório judicial.”

Para os procuradores, “a contradição entre as informações prestadas pelo colaborador no anexo de seu acordo com as declarações que foram prestadas em juízo é evidente”. Eles sugerem que Moura seja ouvido novamente hoje, mesmo dia do depoimento de Dirceu.

Polícia Federal relaciona Mossack a outros escândalos

RICARDO BRANDT - O ESTADO DE S. PAULO

 

Offshores criadas por empresa com sede no Panamá já foram alvo de operações e casos como o CC5, Alstom e Ararath

Um diagrama montado pela Polícia Federal, no pedido de prisões da Operação Triplo X, com base na troca de e-mail e conversas de alvos ligados à empresa Mossack Fonseca & Co – especializada na abertura de empresas offshores pelo mundo – indica que as apurações do Ministério Público Federal na Lava Jato podem resgatar escândalos passados, como os casos CC5, Alstom e Ararath.

As investigações da Triplo X tem como eixo principal a Mossack Fonseca & Corporate Services, que tem sede no Panamá e um escritório no Brasil, na Avenida Paulista. 

Seis investigados na operação são funcionários da empresa. Há ainda controladores de offshores abertas por ela, como Ademir Auada – flagrado em uma escuta telefônica em conversa com a filha sobre “destruição de papéis”. 

"É uma empresa com sede no Panamá, escritórios pelo mundo inteiro, inclusive em São Paulo, apesar de constar inativa perante os órgãos federais, essa empresa estava providenciando a abertura e manutenção de offshores no exterior. Temos isso já verificado por quebras de sigilo telefônico e temos imensa gama de pessoas, não necessariamente ligadas à Operação Lava Jato, mas pessoas outras, por motivos diversos, que ocultaram valores no exterior através de offshores mantidas por essa empresa”, afirmou o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima.

Com base nas escutas autorizadas pelo juiz federal Sérgio Moro – que conduz os processos em primeira instância da Lava Jato –, a PF montou o quadro com offshores, seus beneficiários aparentes e países onde ela atua. 

Há nomes numa lista de mais de 30 beneficiários, que podem ser intermediários dos verdadeiros donos, como Eric Freitas, que aparece como responsáveis por 5 offshores, uma coincidentemente com o nome de Triple X Advisors Corp, aberta em 2009.

A Polícia Federal montou relatórios com mais de um diagrama com as relações de negócios da Mossack. Em um deles, incluído no pedido de prisão, apresenta dados de offshores que caíram nos radares da PF em outros três casos de grande repercussão: CC5 (Caso Banestado), Alstom e Operação Ararath.

Nenhum representante da Mossack Fonseca foi localizado nesta quinta-feira, 28, para comentar as investigações da Lava Jato. Os advogados dos funcionários da empresa no Brasil, presos anteontem, informaram que eles vão colaborar com as apurações.