O Estado de São Paulo, n. 44656, 22/01/2016. Política, p. A4

VACCARI ASSUMIU CONTROLE DE PROPINAS QUANDO VIROU TESOUREIRO, DIZ DELATOR

Lava Jato. Milton Pascowitch afirma que petista preso substituiu Dirceu na arrecadação de repasses do esquema na Petrobrás no mesmo ano em que foi escolhido pela direção do partido para assumir as finanças do Diretório Nacional e ajudar na campanha de Dilma

Por: Julia Affonso / Ricardo Brandt / Alberto Bombig /Fausto Macedo

 

Em interrogatório na Justiça Federal, o lobista Milton Pascowitch afirmou anteontem, em Curitiba, que o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto assumiu o controle do pagamento de propinas ao partido dentro do esquema de desvios e de corrupção na Petrobras no mesmo ano em que foi escolhido para comandar as finanças petistas.

Segundo Pascowitch, no fim de 2009, ele foi apresentado a Vaccari pelo então diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque. Na época, se deu a assinatura de um contrato de US$ 3 bilhões da empresa Engevix com a estatal.

Em novembro de 2009, a ala majoritária do PT, à qual pertencia Vaccari, ganhou a eleição para a presidência do partido e o indicou para o cargo de tesoureiro da nova Executiva.

O lobista afirmou que naquele ano o grupo político influente no setor não era mais representado pelo ex-ministro José Dirceu, “apesar de poder indiretamente ter (tido) participação”. Segundo ele, Dirceu comandou o esquema do início da gestão Lula até aquele momento.

Pascowitch disse que o grupo passou a ser representado por Vaccari. “A liquidação das comissões do contrato dos cascos se deu exclusivamente com o João Vaccari”, relatou. “Isso coincide com as eleições de 2010 e com a necessidade de recursos na data zero. O contrato dos cascos se desenvolveria em sete anos. Foi feito um acordo e se diminuiu esse porcentual para que ele pudesse ser liquidado durante o ano de 2010. Não foi bem assim, porque ultrapassou, passou 2011 também. Mas foi fechado um valor de R$ 14 milhões como comissões a serem pagas em referência ao contrato dos cascos”, afirmou ele.

Vaccari assumiu oficialmente o cargo de tesoureiro em janeiro de 2010. De acordo com petistas consultados pelo Estado e que fizeram parte das negociações para a montagem da Executiva Nacional naquele ano, ele foi indicado por Dirceu com aval da cúpula petista e tinha como missão ajudar na arrecadação da campanha eleitoral que elegeu Dilma Rousseff presidente da República.

 

‘Malinha de rodinha’. Segundo Pascowitch, ele entregou propinas em “uma malinha de rodinha” a Vaccari no Diretório Nacional do PT, em São Paulo. O dinheiro, relatou, saiu do total de R$ 14 milhões de “comissão ao grupo político” sobre um contrato de US$ 3 bilhões de “cascos replicantes” (unidades de produção, armazenamento e transferência de petróleo e gás) da Engevix na Petrobras.

Pascowitch é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. “Eu fazia (as entregas) através de uma malinha que eu tenho, com rodinhas. R$ 500 mil cabiam. (Entregava) dentro do diretório nacional do PT, na sala dele (Vaccari)”, declarou.

No depoimento, Pascowitch disse que os valores da propina seriam repassados “conforme a disponibilidade ou o faturamento do contrato dos cascos”.

 

Defesa. Para o criminalista Roberto Podval, que defende Dirceu, o depoimento do delator “foi confuso”. Podval nega que o ex-ministro tenha recebido recursos ilícitos. O criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, que defende Vaccari, tem reiterado que o ex-tesoureiro jamais arrecadou valores ilícitos para o partido. “Todas as captações foram absolutamente legais e repassados ao PT, com declaração à Justiça Eleitoral”, afirma D’Urso.

O ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, outro delator, já afirmou ao juiz Sérgio Moro que o pagamento de propinas na estatal “era uma sistemática que existia e se aprofundou”.

Interrogado como réu em ação penal que tem Dirceu como principal acusado, ele apontou o ex-tesoureiro do PT como operador do esquema. “A combinação que eu lembro era em torno de 2% em cada contrato dessas grandes empreiteiras envolvidas nesse cartel. Quando eram contratos executados pela Engenharia para atender o Abastecimento, 1% ficava na Diretoria de Serviços e 1% ia para a Diretoria de Abastecimento”, detalhou Barusco.

Barusco afirmou ao juiz que a empreiteira Engevix sempre tratou de propinas na Petrobras via Milton Pascowitch. “Uma vez eu vi o senhor José Dirceu (em um jantar). Participou eu, o doutor Milton Pascowitch, o senhor João Vaccari Neto, José Dirceu, uma outra pessoa que trabalha com José Dirceu, que se chamava Bob, Bob Marques”, disse.

O PT afirmou que “todas as doações recebidas pelo PT foram realizadas estritamente dentro da legalidade e posteriormente declaradas à Justiça”. / JULIA AFFONSO, RICARDO BRANDT, ALBERTO BOMBIG e FAUSTO MACEDO

 

VERSÕES

“Todas as captações (feitas pelo ex-tesoureiro) foram absolutamente legais e repassadas ao PT, com declaração à Justiça Eleitoral”

Luiz Flávio Borges D’Urso

ADVOGADO DE JOÃO VACCARI NETO

 

“A liquidação das comissões do contrato dos cascos se deu exclusivamente com o João Vaccari (...) Isso coincide com as eleições de 2010”

Milton Pascowitch

LOBISTA

 

PARA LEMBRAR

Ajuda eleitoral já em 2010

A campanha eleitoral de Dilma Rousseff em 2010 teve o núcleo responsável pela arrecadação e gestão dos recursos formado por petistas egressos do sindicalismo, entre eles João Vaccari Neto. O então presidente do PT, José Eduardo Dutra, em janeiro daquele ano, afirmou sobre Vaccari: “Ele vai administrar o dinheiro do partido e aplicá-lo de acordo com as orientações. E estará em contato com o comitê financeiro de campanha”. Vaccari arrecadou para a campanha que levou Dilma ao Planalto em parceria com José de Filippi Júnior.