O globo, n. 30109, 13/01/2016. País, p. 4

Cerveró: Collor disse ter aval de Dilma para nomear diretoria da BR

Eduardo Bresciani

André de Souza

O ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró afirmou em depoimento ter ouvido de Fernando Collor de Mello (PTB-AL) em uma reunião na Casa da Dinda, em 2013, que a presidente Dilma Rousseff colocou à disposição do senador a presidência e todas as diretorias da BR Distribuidora. Cerveró foi diretor financeiro da BR entre 2008 e 2014.

Cerveró disse que foi chamado por Pedro Paulo Leoni Ramos para a reunião em Brasília, que teria ocorrido “entre agosto e setembro de 2013”. Leoni Ramos foi ex-ministro de Collor e é apontado pela investigação como operador no recebimento de propina. De acordo com Cerveró, Collor lhe disse que “foi obrigado a pedir a demissão” de José Zonis e Luis Cláudio Caseira Sanches. Os dois ex-diretores sofreram pressões dentro da BR Distribuidora por terem parado de repassar propina, segundo Cerveró. Foi nesse contexto que o senador teria lhe falado sobre a conversa com Dilma.

“Fernando Collor de Mello disse que havia falado com a presidente da República, Dilma Rousseff, a qual teria dito que estavam à disposição de Fernando Collor de Mello a presidência e todas as diretorias da BR Distribuidora”, registra trecho do depoimento.

 

AGRADECIMENTO IRÔNICO

Cerveró contou que agradeceu de forma irônica por ter sido mantido no cargo. Disse que, depois, Leoni Ramos relatou que Collor havia ficado chateado com sua ironia. Para Collor, ficou parecendo que Cerveró estava duvidando de que ele tivesse mesmo falado com Dilma sobre as indicações para a BR.

Cerveró afirmou que, a partir dessa reunião, percebeu que Collor “realmente tinha o controle” da BR Distribuidora. O ex-diretor afirmou na delação premiada que entendeu ter sido mantido no cargo para não atrapalhar os negócios de Collor e Leoni Ramos, “principalmente a base de distribuição de combustíveis de Rondonópolis (MT) e o armazém de produtos químicos de Macaé (RJ)”.

O ex-diretor relatou ainda uma outra reunião com Collor, em 2010, que teve a presença de toda a diretoria da BR e do usineiro alagoano João Lyra, ex-deputado federal. Segundo Cerveró, a realização do encontro foi uma sugestão do então presidente Lula. Collor queria que a BR comprasse antecipadamente a safra, no valor de R$ 1 bilhão, adquirindo álcool de usinas de Alagoas, pois o estado tinha sofrido muitos prejuízos com enchentes.

Cerveró disse “que na prática tratava-se de uma concessão de crédito às usinas”. Segundo ele, Collor relatou ter levado Lula a Alagoas e disse que o petista tinha ficado “chocado” com a crise do setor. Collor justificou a presença de Lyra, como “exemplo de usineiro alagoano altruísta que estava ajudando na recuperação dos prejuízos”.

Mas o pedido não foi atendido, porque, segundo Cerveró, havia uma norma da BR Distribuidora proibindo a compra antecipada de safra. Além disso, não havia disponibilidade financeira para o negócio. Segundo Cerveró, uma usina de Lyra conseguiu um empréstimo de R$ 50 milhões com o Banco do Brasil. Mas o BB nega ter realizado tal operação.

 

ESVAZIAMENTO DE CPI

O advogado Rogério Marcolini, que defendeu Collor, afirma que são falsas as alegações de que o senador tenha usado influência política para “obter favores” ou exercer pressão sobre a BR Distribuidora.

Cerveró disse também que José Eduardo Dutra, já falecido, deixou a presidência da BR Distribuidora em 2009 para articular o esvaziamento de uma CPI da Petrobras no Congresso. Dutra foi substituído por José de Lima Andrade Neto com apoio de PT, PMDB e PTB.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tratou como propina ao senador Fernando Collor um repasse de R$ 300 mil feito pela empresa Laginha Agro Industrial, de João Lyra, ao jornal “Gazeta de Alagoas", de propriedade do ex-presidente. A afirmação foi feita por Janot em trecho da denúncia contra o deputado Vander Loubet (PT-MS). A transferência aparece em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ).

“No caso, existem inclusive fortes indícios do pagamento de propina; de forma disfarçada, em favor do Senador Fernando Affonso Collor de Mello”, diz a denúncia. O diretorexecutivo da “Gazeta de Alagoas”, Luís Amorim, afirmou que “todos os créditos recebidos pela empresa Gazeta de Alagoas referem-se a atividades comerciais”.

O advogado de Collor, Rogério Marcolini, afirma que tem havido divulgação “parcial e seletiva” de trechos de “supostas declarações prestadas por Cerveró”. Ressalta que a defesa não teve acesso aos termos da delação, mas afirma que o senador refuta as acusações.

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Dilma diz que houve ‘interpretação’ da conversa

A aliados, a presidente Dilma Rousseff disse que o expresidente Fernando Collor estaria fazendo uma “interpretação” da conversa que teve com ela sobre a BR Distribuidora. E que trata-se de um “exagero” entender que ela estaria colocando a presidência e as diretorias da BR Distribuidora à disposição dele. No Palácio do Planalto há um desconforto generalizado com o que Dilma e auxiliares vêm tratando como “vazamentos seletivos”.

— Ninguém está falando sobre as propinas do FH. Isso também tem que ser investigado — reclama um assessor da presidente.

O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), defendeu que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja convocado pela CPI do BNDES na Câmara para falar sobre a acusação de Cerveró de que ele teria viabilizado sua nomeação como diretor financeiro da BR Distribuidora por “gratidão” pela ajuda para quitar uma dívida de R$12 milhões com o banco Schachin:

— O porquê do Planalto se preocupar tanto com a delação de Cerveró, a ponto do então líder do governo Delcídio Amaral oferecer um plano de fuga, fica evidente agora. É um depoimento que pode finalizar esse quebracabeça ao identificar e punir os verdadeiros chefes desse esquema. E não dá mais para o Senado adiar a CPI do BNDES.

Petistas saíram ontem em defesa de Lula. O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) considerou as acusações contra Lula “inconsistentes” e “genéricas”:

— Nem se o papa Francisco atacar o Lula a gente vai falar mal dele — afirmou Pimenta.

Para ele, o vazamento faz parte de uma estratégia política para enfraquecer Lula e o PT:

— Nós temos consciência de que há um processo em curso no país, que envolve a burocracia do Estado, setores da imprensa e da oposição, para inviabilizar a liderança política do presidente Lula e impedir que outras lideranças se consolidem, como o Jaques Wagner (ministro da Casa Civil).

Dirigentes do PT reagiram, reservadamente, atacando a oposição. Para eles, quem tem que estar preocupado é o ex-presidente Fernando Henrique, já que, ao negociar delação, Cerveró disse que a compra de um grupo de energia argentino envolveu propina de US$ 100 milhões ao governo FH.