O Estado de São Paulo, n. 44.688, 23/02/2016. Política, p. A6

Oposição tentará incluir indícios em ações eleitorais

PSDB quer reforçar processo no TSE com dados sobre suspeita de irregularidades na campanha de Dilma para cassar mandato da petista
Por: Ricardo Brito / Adriano Ceolin

 

Ricardo Brito

Adriano Ceolin / BRASÍLIA

 

A decisão do juiz Sérgio Moro de prender, temporariamente, o publicitário João Santana levou a cúpula do PSDB a reforçar a carga das ações movidas pelo partido no Tribunal Superior Eleitoral para cassar os mandatos da presidente Dilma Rousseff e do vice dela, Michel Temer.

Os tucanos vão pedir ao TSE que inclua nos processos os fatos relativos à prisão de Santana. Para o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), esta fase da operação foi “a mais grave” até agora. “Sem dúvida nenhuma, é o que de mais grave ocorreu na Operação Lava Jato até aqui. A campanha de Dilma foi abastecida com recursos de propina da Petrobras”, disse.

Desde ontem de manhã, Aécio, parlamentares do partido e advogados que atuam nas ações definiram a estratégia: com a suspeita de que recursos ilícitos podem ter abastecido a campanha de Dilma para pagar o marqueteiro, o partido pedirá a cassação da dupla.

O presidente do PSDB tem dito desde o ano passado que prefere essa solução à do impeachment, na qual o vice assumiria. A avaliação no partido é de que a Operação Lava Jato subiu a rampa do Palácio do Planalto.

“Esse fato evidencia, de forma mais categórica, o uso de recursos ilícitos da campanha da presidente Dilma”, afirmou o coordenador jurídico do PSDB e um dos vice-presidentes do partido, deputado Carlos Sampaio (SP). “Tudo ajuda a fechar a ideia de que houve financiamento irregular na disputa”, comentou o advogado José Eduardo Alckmin, principal defensor do partido nas ações que impugnam a chapa Dilma e Temer.

 

Procurador. Em parecer ao TSE, no dia 5, Eugênio Aragão, vice-procurador-geral eleitoral, rebateu alegação de Dilma que requereu a não admissão de documentos enviados à corte pelo juiz federal Sérgio Moro. O procurador deu parecer favorável ao compartilhamento de provas da Lava Jato na Ação de Investigação Eleitoral em curso no TSE contra Dilma e Temer.

Para o procurador, o argumento do Planalto de que a documentação sob a guarda de Moro não pode ser admitida como prova emprestada “não se aplica à hipótese”. Aragão terá de se manifestar também no caso de a oposição enviar ao TSE documentos envolvendo Santana.

O pedido de prisão temporária do marqueteiro trará mais polêmica sobre o processo de cassação do mandato da presidente. Ministros da corte eleitoral ouvidos pelo Estado se dividem sobre um novo compartilhamento dos dados da Lava Jato pelo tribunal.

“O compartilhamento de dados é fácil. É claro que eles virão”, previu um ministro do TSE. “A cada nova revelação se configura o abuso de poder econômico”, alegou. Para esse ministro, os próprios advogados envolvidos no caso é que deverão pedir para o Ministério Público Federal repassar os dados à corte.

Um outro ministro do TSE avalia que o repasse de dados para o tribunal “não é automático”. “Não pode haver nada na Lava Jato que diga respeito às eleições de 2014. Se caso existisse, não seria o foro competente. Moro não pode investigar a presidente da República.”

A relatora da mais robusta das ações que pedem a cassação de Dilma no TSE é a ministra Maria Thereza de Assis Moura./ COLABORARAM DANIEL CARVALHO, DAIENE CARDOSO, IGOR GADELHA e ISADORA PERON

 

FRENTES

TSE

Abuso de poder

A campanha eleitoral da chapa Dilma/Temer, reeleita em 2014, é alvo de pelo menos quatro ações no Tribunal Superior Eleitoral – todas apresentadas pelo PSDB. As ações apontam abuso de poder político e econômico.

 

Doações eleitorais

Uma das ações menciona o financiamento de campanha da dupla mediante doações oficiais de grandes empreiteiras contratadas pela Petrobrás como parte da distribuição de propinas investigada na Lava Jato.

 

Desconhecimento

A defesa de Dilma alega que, mesmo que recursos da campanha sejam oriundos de corrupção, a campanha não teria como saber. Segundo a defesa, se as empresas que doaram obtiveram dinheiro de forma ilegal, a chapa não pode ser punida por isso.

 

Demonização

A defesa de Michel Temer, na mesma linha, acusa a oposição de querer “demonizar” doações legais de campanha.

 

Lava Jato

Delatores

Investigados que fecharam acordo de delação premiada no âmbito da operação relataram repasses de propina do esquema de corrupção na Petrobrás ocultados por meio de doações oficiais e não oficiais a campanhas.

 

Ministério Público Federal

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao denunciar o deputado Nelson Meurer (PP-PR) ao Supremo Tribunal Federal, afirmou que doações oficiais à legenda ocultaram propina.

 

Sérgio Moro

O juiz que conduz a Lava Jato na 1ª instância informou ao TSE que, em sentença da operação, ficou “comprovado o direcionamento de propinas acertadas no esquema criminoso da Petrobrás para doações eleitorais registradas”.

 

Sentença

A sentença a que Moro se refere condenou o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto a 15 anos de prisão. Segundo o juiz, Vaccari arrecadou, para o PT, ao menos R$ 4 milhões de propinas.

Senadores relacionados:

_______________________________________________________________________________________________________

Fernando Henrique defende apuração, ‘doa a quem doer’

Por: Ana Fernandes / Pedro Venceslau  

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem em São Paulo que é preciso ser “prudente” com as suspeitas sobre o marqueteiro João Santana, mas se ficar comprovado o elo entre desvios na Petrobrás e a campanha de Dilma Rousseff, haverá consequências, “doa a quem doer”. “Não sei o grau de extensão do que está aparecendo, se alcança ou não a campanha da presidente. Se alcançar, (vai ter consequência), doa a quem doer.” FHC disse ainda que a prisão de Santana reforça a tese do PSDB, que tenta cassar o mandato de Dilma no TSE. / ANA FERNANDES e PEDRO VENCESLAU

_______________________________________________________________________________________________________

Sombra do pedido de cassação está se tornando realidade

Por: Marcelo de Moraes

 

O papel central do marqueteiro João Santana nas últimas campanhas presidenciais petistas é inegável.

Se com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ele foi importante, nas duas eleições da presidente Dilma Rousseff assumiu o papel de principal estrategista.

Responsável pela construção da candidatura à reeleição e, especialmente, pela desconstrução dos adversários petistas, Santana foi o cérebro de toda a campanha.

Sem ele, Dilma dificilmente teria vencido uma disputa na qual o desgaste do governo petista e da economia já se tornavam fatores relevantes.

Assim, quando Santana recebe ordem de prisão por receber pagamentos no exterior que teriam origem ilegal, e tendo conhecimento dessa irregularidade, conforme afirmaram ontem representantes da Polícia Federal, a situação se torna muito complicada. Porque reacende as suspeitas, especialmente entre os partidos de oposição, de que a campanha da presidente Dilma possa ter sido irrigada com dinheiro irregular – incluindo o próprio pagamento pelo trabalho de marqueteiro.

Essa suspeita trará o mandato de Dilma de volta para o centro das discussões. Se, politicamente, o pedido de impeachment contra ela nasceu contaminado por ter sido deflagrado por um inimigo declarado – o presidente da Câmara, Eduardo Cunha –, a tentativa de cassação da chapa pela suspeita de irregularidades no pagamento ao marqueteiro e em outras despesas surge com outro conteúdo. Na verdade, se basearia na investigação de crime eleitoral por uso de verbas não declaradas à Justiça Eleitoral.

Num exercício de futurologia, pode-se imaginar as consequências da prisão de Santana, que não foi detido pela operação por estar na República Dominicana. Preso, o marqueteiro prestará depoimento. Pode confirmar ou não suas acusações. Pode contar ou não qual foi a origem de seus pagamentos.

Pode empurrar ou não o abacaxi para o colo de Dilma, atribuindo-lhe um suposto conhecimento dos pagamentos suspeitos.

É cedo para adivinhar todos os efeitos do novo escândalo.Mas a temperatura política subiu muito pela Operação Lava Jato ter fechado o cerco em cima de uma figura tão próxima de Dilma e Lula.

Planalto. Para o governo, o timing não poderia ser pior. A presidente ensaiava movimentos de recuperação, depois de atravessar um2015 desastroso na política. A vitória do deputado Leonardo Picciani (RJ) na eleição para líder do PMDB na Câmara representou um enfraquecimento de Eduardo Cunha, desafeto declarado do governo.

Além disso, na economia, a troca do ministro Joaquim Levy por Nelson Barbosa, na Fazenda, trouxe fôlego para que o governo voltasse a discutir mudanças conjunturais e reformas constitucionais. Tal coisa parecia impossível tamanho era o desgaste de Levy no fim do ano passado.

Em busca de uma agenda positiva, Dilma e o PT só têm encontrado problemas. Seja a proliferação do mosquito ‘Aedes aegypt’ e das consequentes zika e dengue, seja a crise econômica. Para sair dessa sinuca de bico, o governo contava com o sucesso da tática de reconquistar a base de apoio dentro do Congresso Nacional. Agora, com o marqueteiro João Santana tendo a prisão ordenada, Dilma precisará atravessar o deserto desgastada pela prisão do aliado e com a sombra do pedido de cassação de sua chapa se tornando uma realidade.

Órgãos relacionados:

  • Câmara dos Deputados
  • Congresso Nacional