Valor econômico, v. 16, n. 3973, 30/03/2016. Política, p. A7

Gilmar, Toffoli e Temer evitam falar de impeachment

Por Assis Moreira | De Lisboa

 

Os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), enfatizaram que as instituiçõesbrasileiras estão funcionando e tem os mecanismos para responder ao momento crítico político atual, em seminário jurídico realizado em Lisboa, e que teve um pequeno protesto de alguns estudantes.

Com o tema "Constituição e crises na política e na economia", o seminário organizado em parte pelo instituto que foi fundado pelo ministro Gilmar Mendes, em Brasília, tomou outra dimensão depois que alguns interpretaram o evento como pretexto para "conspiração" da oposição contra o governo Dilma, em plena capitalportuguesa.

Sem surpresa, houve protesto. Um grupo de 50 jovens apareceu com alguns cartazes na frente da Faculdade de Direito, local do evento, e gritou palavras de ordem "contra o golpe".

O senador José Serra, do PSDB, foi hostilizado quando chegou ao evento. "Foi uma coisa muito, muito pequena", reagiu ele. Participantes deram pouca importancia ao protesto, que se dispersou logo. Em Portugal, há 9 mil estudantes brasileiros.

Principal conferencista da abertura do seminário, o vice-presidente Michel Temer falou por vídeo gravado no dia anterior. Como o Valorantecipou, Temer observou que a Constituição Federal estabelece no país uma"estabilidade institucional extraordinária", e destacou que o Brasil passa atualmente pelo que classificou como uma "democracia de eficiência", na qual a população em geral cobra qualidade na prestação de serviços públicos e privados e mais representatividade política.

Este foi o quarto seminário luso-brasileiro e o mais concorrido, até em razão da expectativa criada na área política. Se ninguém mencionou diretamente a crise política brasileira, nas entrelinhas não faltaram palavras incisivas.

Em sua intervenção, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o encontro tem um "nobre propósito", acrescentando: "Buscamos preservar a ordem democrática em meio a uma grave conjuntura de desacertos tanto nos planos político, na esfera econômica, institucional e até judicial, lançando mão, para tanto, exatamente remédios institucionais disponíveis, de modo a encontrar mecanismos que possam viabilizar a devida estabilização jurídico-política."

Para o ministro, o que ocorre no Brasil "é o Estado democrático de direito que almejamos resguardar de qualquer desvario ideológico, autocrático, populista ou meramente nonsense".

Ele citou o poeta Álvaro de Campos (um dos heterônimos do escritor português Fernando Pessoa), num poema de 1917, de que "o mundo tem sede de que se crie. O que aí está a apodrecer a vida, quando muito, é estrumepara o futuro".

Sem qualquer menção ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, Gilmar destacou que nunca a ideia de força normativa da Constituição brasileira esteve tão colocada à prova como agora.

O ministro observou que "no continente americano percebemos, estarrecidos, que os valores democráticos até agora não chegaram a ser de todo e solidamente interiorizados, havendo ainda alguns países que teimam em submeter suas desvalidas populações aos efeitos perversos de experimentações ideológicas primárias e já superadas".

De seu lado, o ministro Dias Toffoli apresentou um painel histórico da vida política do país desde o império, para concluir que "governar o Brasil não é fácil, não é simples", concluindo que o país tem historicamente problema de estabilidade política, mas que as instituições estão funcionando.

"Temos dificuldade de estabilidade política no Brasil, que vem de longo tempo na história. Não é algo conjuntural. Por isso, precisamos refletir não só sobre reforma política, partidária e eleitoral, e tentar descobrir as raízes históricas desses acontecimentos", afirmou.

Para Dias Toffoli, uma questão é que o Brasil não tem uma elite nacional. "O Brasil é um ajuntamento de várias elites locais e regionais", explicou aos portugueses. "Talvez falte uma perspectiva, um projeto nacional, que ainda está se devendo ao Brasil."

O senador Jorge Viana, do PT do Acre, disse que vai denunciar o que considera uma parte ruim da Justiça brasileira amanhã, quando estará no mesmo debate com o senador Aécio Neves, do PSDB.

Na pausa do seminário, Viana foi se encontrar com líderes do Partido Comunista Português para contar a versão do PT ao que está ocorrendo no país.

Ele está distribuindo um novo cartão de visitas, em sua passagem por Lisboa. A explicação que dá é de que teve de mudar de número de telefone celular "porque estão grampeando" no Brasil.

Uma interceptação telefônica, feita com autorização da Justiça e divulgada pelo juiz Sergio Moro, mostrou recentemente o senador acreano em conversa com o advogado do ex-presidente Lula, Roberto Teixeira, na qual sugeria estratégias para que Lula enfrentar o juiz responsável pela Operação Lava-Jato na primeira instância.

Gilmar Mendes, que no passado foi grampeado, mas ilegalmente, foi indagado se também trocou de telefone. "Não, não mudei. até porque se houver qualquer intercepção indevida temos que conviver com isso",respondeu.