O globo, n. 30139, 12/02/2016. País, p. 3

RELAÇÕES NEBULOSAS

Ministro do TCU relata processo que envolve construtor suspeito de ter lhe pagado propina
Por: Vinicius Sassine

 

VINICIUS SASSINE

vinicius.jorge@bsb.oglobo.com.br

 

- BRASÍLIA- Investigado em inquérito no Supremo Tribunal Federal ( STF), por suspeita de ter recebido propina do dono da construtora UTC, o ministro do Tribunal de Contas da União ( TCU) Raimundo Carreiro é o relator na Corte de acordo de leniência proposto por essa própria empreiteira. Esse tipo de acordo, equivalente à delação premiada de pessoas físicas, é negociado entre as empreiteiras investigadas na Operação Lava- Jato e o governo federal.

O TCU acompanha cada etapa, com a designação por sorteio de um relator para cada processo. Carreiro cuida da proposta feita ao governo pela UTC.

Em delação premiada, o dono da empreiteira, Ricardo Pessoa, afirmou ter pago R$ 50 mil mensais ao advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do TCU, Aroldo Cedraz, para obter informações privilegiadas do órgão. O interesse principal do empresário era em processo no tribunal sobre obras da usina nuclear Angra 3, em Angra dos Reis ( RJ), relatado por Carreiro.

A UTC integra consórcio que foi contratado para obras de R$ 1,75 bilhão em Angra 3. Na delação, Pessoa contou que Tiago pediu um repasse único de R$ 1 milhão, em espécie. O empreiteiro disse que, em sua interpretação, esse dinheiro se destinaria a Carreiro, que era o relator do processo sobre as obras.

 

STF AUTORIZOU INVESTIGAÇÃO EM 2015

Em junho de 2015, o Supremo autorizou a abertura de um inquérito oculto para investigar o ministro e o advogado. O procedimento tramitou em total sigilo até dezembro. Em julho do ano passado, Carreiro começou a atuar como relator do acordo de leniência proposto pela UTC.

Após ser procurado pelo GLOBO, ontem à tarde, o ministro afirmou que vai se declarar impedido no processo:

— A relatoria foi sorteada para mim. Em 2 de julho, proferi um despacho, com anuência do Ministério Público junto ao TCU, com a definição de que as duas primeiras etapas seriam analisadas uma única vez. Vou me declarar impedido. Não tenho nenhum problema, mas, por estar no foco, vou me declarar impedido — disse Carreiro.

O TCU definiu, por meio de uma instrução normativa, que acompanhará as tratativas de acordos de leniência etapa por etapa, da manifestação de interesse da empresa até a avaliação dos resultados obtidos com um acordo. Pelo menos seis empresas investigadas na Lava-Jato fizeram propostas à Controladoria Geral da União ( CGU): UTC, ( cujo dono é acusado de chefiar um cartel que fatiou contratos da Petrobras), Engevix, OAS, Galvão Engenharia, Setal e a holandesa SBM. O TCU sorteou ministros relatores para cada processo.

Num acordo de leniência, a empresa se compromete a colaborar com as investigações e a ressarcir o Erário. Em troca, garante a possibilidade de fechar novos contratos com o poder público. Em dezembro, a presidente Dilma Rousseff editou medida provisória para facilitar a realização desses acordos, o que foi criticado por órgãos de controle, como o TCU e o Ministério Público Federal.

A medida provisória permite que mais de uma empresa assine a leniência, e não só a primeira de um mesmo grupo investigado. O Ministério Público abriria mão de ações contra a empresa, se concordar com o acordo. A medida provisória, que ainda precisa ser validada pelo Congresso, estabelece que o acordo será encaminhado ao TCU, “depois de assinado”. Se o tribunal discordar do valor acordado, poderá abrir processo contra a empresa para apurar o prejuízo ao Erário, prevê a medida.

 

TRAMITAÇÃO MANTIDA EM SIGILO

Ministros do TCU dizem que continuam fazendo análises etapa a etapa, mas relatam que o governo está evitando formalizar as propostas. Toda a tramitação desses acordos é mantida sob sigilo. Ainda não veio à tona nenhum documento a respeito da leniência discutida na CGU com as empreiteiras investigadas na Lava-Jato.

Em 26 de outubro de 2015, Carreiro prestou depoimento à Polícia Federal sobre a acusação feita pelo dono da UTC. Não foi questionado sobre a relatoria do processo de leniência da empreiteira, tampouco a citou.

Carreiro disse ter estado com Tiago Cedraz em apenas duas ocasiões: nos casamentos dele e no da irmã do advogado. O ministro negou “ter recebido qualquer pedido, quantia ou promessa de pagamento de Tiago Cedraz ou de terceiros no sentido de direcionar o julgamento ( do processo de Angra 3) no interesse de qualquer empresa”, como consta no depoimento.

O ministro do TCU entregou à Polícia Federal dados de suas contas bancárias no Brasil. Negou ter alguma no exterior. Também forneceu um documento com o detalhamento dos motivos para ter excluído de pauta ( por seis vezes em 2012) o processo relacionado a Angra 3. Na primeira vez, considerou que os colegas não tiveram tempo para analisar o relatório. Depois, acolheu pedido de advogados da Eletronuclear. O ministro retirou o processo de pauta outras vezes, uma vez para admitir a Advocacia Geral da União ( AGU) nos autos e outra para analisar uma declaração de voto.

 

CÚPULA DO PMDB TAMBÉM INVESTIGADA

Em julho de 2015, quando começavam as investigações do inquérito aberto pelo STF, O GLOBO revelou que o ministro Aroldo Cedraz, pai de Tiago Cedraz e hoje presidente do TCU, pediu vista desse processo, que era de interesse da UTC. A Polícia Federal questionou Carreiro a respeito do episódio. “O ministro Aroldo Cedraz fez parte do julgamento, pedindo vista do processo em 14/ 11/ 2012, porém quando da sua apreciação em 28/ 11/ 12, declarou- se impedido”, registra o depoimento do ministro. O documento acrescenta que, em 21 de novembro, o processo foi retirado de pauta “em virtude da ausência do ministro Cedraz, que pediu vista e está em missão”.

A Polícia Federal intimou Aroldo Cedraz para depor no inquérito. Cedraz negou qualquer atuação que favoreça o filho e sustentou ter pedido vista por ter essa prerrogativa, para “melhor avaliar os elementos que entender necessário”. Tiago também negou qualquer atuação irregular no TCU a favor da UTC. À Polícia Federal, ele preferiu não se manifestar até ter acesso à investigação.

O mesmo inquérito investiga a cúpula do PMDB no Senado por suspeita de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O dono da UTC disse ter acertado com o senador Edison Lobão ( MA), então ministro de Minas e Energia, um pacote de R$ 30 milhões como contrapartida ao contrato obtido pela empreiteira em Angra 3. A Polícia Federal apontou em relatório indícios de que doações de campanha feitas aos filhos dos senadores Renan Calheiros ( AL) e Romero Jucá ( RR) eram propina extraída desse acerto.

 

“Vou me declarar impedido. Não tenho nenhum problema, mas, por estar no foco, vou me declarar impedido”
Raimundo Carreiro

Ministro do TCU que, desde julho do ano passado, é relator do acordo de leniência proposto pela construtora UTC

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