O Estado de São Paulo, n. 44667, 02/02/2016. Política, p. A6

'Eu emprestava prestígio', diz Dirceu

Em depoimento a Moro, ex-ministro assume relação com empreiteiras, cita Lula e afirma que R$ 120 mil por mês por consultoria é ‘irrisório’

Por: Fausto Macedo / Ricardo Brandt

 

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu afirmou ao juiz federal Sérgio Moro que atuava para abrir mercados para empreiteiras em países como Cuba, México e Peru e que seu trabalho como consultor foi legal e não visava enriquecimento. “Eu emprestava meu nome, meu prestígio, e orientava essas empresas. Eu não fazia um trabalho que consultor faz de cavar uma licitação, cavar um contrato”, disse Dirceu ao juiz da Operação Lava Jato, em seu interrogatório na sexta-feira passada, na Justiça Federal em Curitiba.

Moro questionou Dirceu sobre como foi definido o preço de consultoria de R$ 120 mil mensais para a empreiteira Engevix. “Esse preço é irrisório, doutor Moro, sem falsa modéstia. Nunca busquei a consultoria, eu quero aproveitar para deixar claro, porque eu estou sendo alvo de notícias que eu enriqueci e que eu tenho um patrimônio de R$ 40 milhões. A minha empresa faturou R$ 40 milhões, 85% são despesas, são custeio. Eu ganhei o que ganha qualquer consultor, 60, 80 mil reais por mês”, afirmou.

O juiz quis saber se o que ele fazia após deixar o governo “era uma espécie de lobby”. “Todas as minhas atividades são públicas, eu dei consultoria publicamente no Brasil e nesses países. A realidade é que eu tenho uma história, doutor Moro”, disse Dirceu, sobre sua atuação em nome de empresas.

Moro pediu detalhes sobre relatórios dos serviços e prestações de contas para as empreiteiras contratadas, entre elas a Engevix, que tem dois executivos como réus na ação penal por suposto pagamento de propina ao ex-ministro por meio do lobista Milton Pascowitch.

“Não vou dizer para o senhor que eu fazia relatórios, que eu dava um tipo de consultoria que eu não dava, porque eu vou faltar com a verdade, fazer um falso testemunho para o senhor”, afirmou Dirceu.

“Atividade-fim era eu que exercia. Minha consultoria é personalíssima, de avaliação de conjuntura, de avaliação do momento político internacional econômico, de abertura de mercados no exterior, avaliação da situação do Brasil, de perspectivas”, afirmou Dirceu, ao ser questionado pelo procurador da República Roberson Pozzobom sobre quem exercia atividade-fim na JD Consultoria.

 

Jatinhos. O ex-ministro admitiu ao juiz que viajava “uma ou duas vezes” por mês em jatinhos cedidos pelo empresário Júlio Camargo, delator da Lava Jato que confessou ter pago propina para o petista. “Eu fiz uma viagem por mês ou duas, eu assumo. E ele (Camargo) nunca me cobrou por essas viagens”, disse Dirceu no interrogatório.

Em uma planilha que entregou à Justiça Federal, Camargo relacionou 113 trechos de viagens de dois jatos realizadas entre 2010 e 2011, tendo como passageiro “Jdirceu”. Segundo o delator, as horas de voo foram abatidas de um débito de R$ 1 milhão de propina que ele tinha com o esquema ligado a Dirceu.

“Não foram 113. (Camargo) me emprestava o avião e fazia questão de emprestar o avião. Eu já pago, perdão da expressão, esse mico, mas se o senhor olhar, cada viagem é uma viagem por mês só.”

 

Casa. Dirceu disse a Moro que construiu sua casa no município de Vinhedo (SP) com “poupança” que alega ter feito do dinheiro que recebeu “da anistia, do salário de funcionário da Assembleia Legislativa de São Paulo, de deputado ou de presidente do PT”. “Não vamos esquecer que o sr. Gustavo Franco (presidente do Banco Central no governo FHC) pagou 27,5% de juro real durante três anos aos poupadores, portanto meu patrimônio dobrou nesses três anos”, declarou Dirceu, preso desde 3 de agosto na Operação Pixuleco, a 18.ª fase da Lava Jato.

 

Duque. O ex-ministro disse ao juiz que “não se pode dizer que escolheu e indicou Renato Duque” para a Diretoria de Serviços da Petrobrás, em 2003. “Mas também não se pode dizer que eu não tive participação (na escolha de Duque), não é da minha índole nem da minha história. Eu assumo minhas responsabilidades, mas eu só assumo as minhas responsabilidades.”

Duque teria sido o braço do PT no esquema de propinas instalado na Petrobrás, conduzido por Dirceu para o cargo estratégico. Diante do juiz, o ex-ministro invocou o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - recentemente, à PF, Lula disse que as indicações aos cargos da Petrobrás passavam pela Casa Civil, então sob comando de Dirceu. “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi muito claro. Ao final desse processo (de indicações) eu concordava ou não com os nomes apresentados, como é normal em qualquer governo presidencialista”, declarou.

 

VERSÕES

Indicação de Renato Duque na Diretoria de Serviços da Petrobrás

A denúncia

A suposta indicação pesa contra Dirceu na ação em que ele é réu, já que Duque teria sido o braço do PT no esquema na Petrobrás

O que ele diz

Dirceu nega ter indicado Duque e diz que só o conheceu depois que ele já estava na diretoria da Petrobrás

 

Serviços de consultoria

A denúncia

A JD Assessoria e Consultoria, do ex-ministro, foi usada por Dirceu para o recebimento de propinas do esquema na estatal

O que ele diz

Atuava para abrir mercados para empreiteiras no exterior – um trabalho legal, que não visava enriquecimento 

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‘Não consigo aceitar minha prisão’, afirma ex-ministro a Sérgio Moro

Dirceu faz desabafo e apelo no depoimento; ele refuta as delações que o incriminam e pede para responder em liberdade

Por: Ricardo Brandt / Fausto Macedo

 

Ao fim do longo interrogatório a que foi submetido na sexta-feira pelo juiz federal Sérgio Moro, o ex-ministro-chefe da Casa Civil “pediu vênia” para fazer um desabafo e um apelo.

Ele criticou duramente seus delatores - o lobista Milton Pascowitch, o empresário ligado ao PT Fernando Moura e o operador de propinas Júlio Camargo.

“Aprovamos esse instituto (da delação premiada) no Congresso, o Poder Judiciário tem que executar, buscar seus objetivos. Agora, os meus delatores vão levar à degradação da delação premiada. Eles enriqueceram, o senhor Fernando Moura se contradiz, não só em relação a meu respeito, mas sobre outros também. Júlio Camargo e Milton Pascowitch a mesma coisa”, disse o ex-ministro.

“Eu estou sendo exposto para a sociedade com base em delação premiada. As provas que existam de algo que comprei não vou negar, transferências, posso ter errado. Mas não escondi isso, não coloquei na minha declaração (ao Imposto de Renda). Mas não é dinheiro da Petrobrás. Ninguém da Petrobrás, nem o senhor Júlio Camargo, nem Fernando Moura afirmam isso. Quem afirma é Milton Pascowitch, ele é que tem os R$ 80 milhões, não sou eu. De boa-fé eu errei, estou pagando por isso agora, mas não quer dizer que sou chefe de organização criminosa, que eu enriqueci”, afirmou Dirceu.

 

‘Inconformado’. O ex-ministro destacou que passou pelo julgamento do mensalão, foi absolvido do crime de quadrilha e condenado por corrupção ativa. “Inconformado eu cumpri a pena e saí no regime aberto. Seria indultado dia 25 de dezembro e sairia em liberdade condicional dia 6 de fevereiro (de 2016). Quero refutar as delações premiadas. Para mim, elas são imprestáveis, eles (delatores) se contradizem, eles não têm provas”, afirmou.

O ex-chefe da Casa Civil no governo Luiz Inácio Lula da Silva está preso preventivamente na Operação Lava Jato desde 3 de agosto do ano passado.

“Peço vênia ao sr., passei meses, quero reafirmar alguns pontos. Primeiro, não consigo aceitar a minha prisão, dr. Moro. Eu sei que tenho que obedecer a lei, obedeci, estou preso, tenho bom comportamento (...) Vou assumir o que tiver que assumir. O que eu não posso é pela segunda vez virar chefe de quadrilha, como eu já estou virando de novo no País, que eu enriqueci. Quero reiterar (pedido), responder em liberdade.”

Dirceu afirmou ao juiz Moro que “não obstrui a Justiça”. “Eu ofereci meu sigilo telemático e telefônico porque eu não tenho o que esconder.” E garantiu que não vai “fugir do País”. “Voltei seis vezes para o País durante a ditadura, entrava armado, com passaporte falso. Eu vou responder se a Justiça do meu país me condenar pela segunda vez.”

Dirceu saiu em defesa do PT, do ex-presidente Lula e do ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto. “Todas as doações (ao PT) foram legais”, afirmou o ex-ministro. “Mas isso não é objeto desta ação penal”, cortou o juiz Sérgio Moro, encerrando a audiência. / R.B. e F.M.

 

Audiência

“De boa-fé eu errei, estou pagando por isso, mas não quer dizer que sou chefe de organização criminosa”

José Dirceu

EX-MINISTRO DA CASA CIVIL

Órgãos relacionados:

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Juiz condena Zelada a 12 anos de reclusão

Ex-diretor da Petrobrás foi sentenciado por corrupção e lavagem de dinheiro e sofreu confisco de R$ 123 milhões

Por: Ricardo Brandt / Fausto Macedo

 

O juiz federal Sérgio Moro condenou ontem o ex-diretor de Internacional da Petrobras Jorge Zelada a 12 anos e dois meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Também foi condenado o lobista João Augusto Rezende Henriques, apontado como operador do PMDB na estatal e aliado do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a seis anos e oito meses de reclusão.

Moro sentenciou ainda Eduardo Musa, ex-gerente da estatal, a dez anos de reclusão e Hamylton Pinheiro Padilha Júnior, apontado como operador do esquema, a oito anos de prisão.

Segundo a denúncia da Procuradoria da República, “Zelada, na condição de diretor Internacional da Petrobras, e Eduardo Musa, gerente da área internacional, aceitaram propina de cerca de US$ 31 milhões de Hamylton Padilha e de Hsin Chi Su Nobu Su, para favorecer a contratação, em 22 de janeiro de 2009, da empresa Vantage Drilling Corporation para afretamento do navio-sonda Titanium Explorer pela Petrobras ao custo de US$ 1,81 bilhão”.

Moro decretou o confisco de R$ 123,6 milhões dos saldos sequestrados em duas contas em nome de Zelada e da offshore Rockfield International, constituída no Panamá, no Banco Julius Baer, no Principado de Mônaco, com saldo total de cerca de 11,6 milhões de euros. “As contas receberam os ativos criminosos decorrentes da propina paga no contrato que é objeto da presente ação penal e há indícios de que receberam propinas também decorrentes de outros contratos”, disse Moro.

 

Contas. Na sentença, Moro afirmou. “As provas são de que ele (Zelada ) movimentou seus ativos criminosos em 2014, já durante a investigação da Lava Jato, tentando colocar seus ativos criminosos a salvo no Principado de Mônaco, o que por si só representa a prática de novos atos de lavagem e tentativa de frustrar a aplicação da leil.”

Em relação a Henriques, o juiz observou “a persistência do risco à aplicação da lei penal, já que mantém diversas contas offshores no exterior cujos saldos ainda não foram sequestrados por este Juízo, tendo condições de frustrar a recuperação do produto do crime”.

Moro destacou “a gravidade não só do crime que é objeto da presente ação penal, mas dos crimes por ele admitidos como o pagamento de propina ao presidente da Câmara”. Denunciado pela Procuradoria, Cunha nega irregularidades.

Nas alegações finais no processo, Zelada, por meio do criminalista Nélio Machado, argumentou que “não se configurou o crime de corrupção” e “que não houve irregularidades” na contratação do navio-sonda. A defesa de João Henriques negou a prática de “ilícitos criminais”. As defesas dos outros condenados não foram localizadas. / R.B. e F.M.

 

Sentença

“As provas são de que ele (Zelada) movimentou seus ativos criminosos em 2014, já durante a Lava Jato”

Sérgio Moro

JUIZ FEDERAL

Órgãos relacionados:

  • Câmara dos Deputados