O Estado de São Paulo, n. 44.667, 02/02/2016. Metrópole, p. A12

Governo admite que surto pode afetar o turismo

Ministro reconheceu retração de público a curto prazo; Dilma voltará ao rádio e à TV para pedir mobilização da sociedade

Por: Tânia Monteiro /Isadora Peron /Carla Araújo

 

Pouco tempo depois do anúncio oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS), a presidente Dilma Rousseff reuniu ministros em Brasília para discutir a situação. O governo admite que o anúncio de emergência internacional pode afetar o turismo, ainda que a curto prazo. Dilma deve vir a público, em cadeia de rádio e TV, para defender o governo e pedir mobilização nacional.

Após a reunião, o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, negou que haja risco de a Olimpíada do Rio,marcada para agosto, ser cancelada. Mas reconheceu que poderá haver uma retração de público a curto prazo, além de recomendações para que as grávidas não se arrisquem. “Em um primeiro momento, todo mundo se assombra, se recolhe. Mas, até lá, esclarecimentos de órgãos como a OMS e as mobilizações terão surtido efeito”, acrescentou. Ele ressaltou que as ações estão sendo feitas não por causa dos Jogos Olímpicos.

“Mas por uma questão grave de saúde.”

 

Pronunciamento. “Quero todos envolvidos, todos os dias”, avisou Dilma na reunião. Para reforçar essa ideia, ela decidiu gravar um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV para pedir a mobilização de toda a sociedade contra o mosquito – o que tem evitado desde os “panelaços” de 2015. Em sua fala, deve também apresentar diversas ações, para mostrar que o governo “não está parado”.

Dilma não decidiu se o seu pronunciamento vai ao ar hoje ou amanhã. No Planalto, as avaliações são de que a fala, gravada no Palácio do Alvorada, teria de ir ao ar de imediato. A presidente tem dito aos seus auxiliares diretos que está “agoniada” porque várias das ações que têm determinado demoram a sair do papel. Na sexta, a presidente esteve na sala de acompanhamento de ações da microcefalia, onde conversou com governadores, pedindo ajuda para o combate ao mosquito Aedes aegypti. A maior dificuldade do governo, segundo queixas no Planalto, é de que muitas das ações dependem dos Estados e municípios que, em muitos casos, têm demorado a responder ao surto.

Na mesma linha,Jaques Wagner,negou que tenha havido negligência do governo nos últimos anos no combate ao inseto. “Não acho que dê para falar em negligência, mas em dificuldades. É uma guerra difícil, uma briga contra um inimigo quase invisível”, afirmou.

O ministro negou também que o pronunciamento de Dilma Rousseff tenha sido idealizado pela proximidade com o carnaval, mas disse que ela pode até citar o feriado ao pedir mais atenção de brasileiros e turistas.Wagner aproveitou para fazer um apelo aos artistas. “Espero que deem uma mensagem de alerta contra o mosquito no carnaval”, disse, ressaltando que estava pensando na “voz” que os músicos têm nos trios elétricos.

Para ele, “a única forma de lutar contra o mosquito é contaminar a consciência de todos”.

Ao defender as ações desenvolvidas pelo governo, para combate ao mosquito, o ministro lembrou que a primeira notificação da doença foi em 22 de outubro e, em 11 de novembro, já havia sido decretado estado de emergência no País por causa da doença. Na opinião dele, houve movimentação de todas as partes.

“Desconheço algum governador ou prefeito que não tenha feito campanha, que tenha negligenciado”, declarou.

 

Ministro da Saúde. Jaques Wagner ainda negou que a ausência do ministro da Saúde, Marcelo Castro, naquela entrevista, seja porque ele está desprestigiado pelo governo por causa das suas polêmicas falas.

“Não há nenhum balanço nem corda bamba para o ministro da Saúde”, disse Wagner, ao afirmar que ele saiu porque tinha a gravação de um programa em São Paulo (mais informações na página A13). A mesa onde Wagner deu entrevista, porém, tinha o nome de Castro.

 

CRONOLOGIA

 

11 de novembro

O Ministério da Saúde declara emergência sanitária nacional, por causa de um surto de nascimento de bebês com microcefalia em Pernambuco. Haviam sido notificados 141 casos.

 

9 de dezembro

Ministério anuncia que, diante do aumento de casos de microcefalia, vai distribuir repelente a todas as gestantes do País. A medida enfrenta resistência por tirar o foco do combate ao Aedes.

 

16 de janeiro

O ministro da Saúde, Marcelo Castro, anuncia que o governo federal vai encomendar 500 mil kits desenvolvidos pela Fiocruz para diagnóstico de zika, dengue e chikungunya.

 

22 de janeiro

Dilma opta por desencadear uma operação de grande porte, com uso maciço das Forças Armadas, além da participação de alunos e funcionários de 190 mil escolas públicas no combate ao Aedes.

 

25 de janeiro

A pasta volta atrás da decisão de distribuição de repelente para todas as grávidas. Foi definido que o produto será encaminhado prioritariamente a 400 mil grávidas inscritas no Bolsa Família.

 

26 de janeiro

Governo federal decide conceder a famílias de bebês diagnosticados com microcefalia um salário mínimo por mês, desde que tenham renda mensal de até R$ 220 por pessoa.

 

PERGUNTAS & RESPOSTAS

 

Sem restrições,só proteção

 

1.Por que a OMS decidiu declarar microcefalia, e não o zika, como emergência mundial?

Para a OMS, o zika não é doença grave e seus efeitos em 75% dos casos nem sequer exigem hospitalização.

Portanto, não haveria motivo para declarar o vírus uma emergência. Como também não existe uma prova científica da relação entre o vírus e a microcefalia, a entidade optou por declarar apenas a má- formação como emergência.

 

2.O que acontece agora?

Quais medidas serão tomadas em relação à microcefalia? Será decretada notificação obrigatória de casos? A notificação é obrigatória e países são forçados a informar à OMS qualquer caso que seja registrado. Também fica estabelecida a necessidade de fortalecer a pesquisa.

 

3.Haverá um fundo de combate à microcefalia? Como vai funcionar? Quem vai gerir?

Sim, nos próximos dias um mecanismo de financiamento será anunciado e governos e instituições serão convidados a contribuir.

A OMS vai administrar o fundo e, com o dinheiro, ajudará países a combater a doença e fazer pesquisas.

 

4.O Brasil terá alguma posição de destaque nisso?

O Brasil é o centro de todas as atenções e receberá parte dos recursos para a pesquisa.

 

5. Existe alguma recomendação para não viajar ao Brasil? E para grávidas?

Não. Diante da ausência de provas da ligação entre o vírus e a microcefalia. Mas recomenda-se que gestantes se protejam de mosquitos, até mesmo para evitar a dengue.

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MP permite a entrada à força em casas

Vale desde ontem a Medida Provisória 712, que autoriza o ingresso à força de agente de saúde em imóveis públicos ou particulares para combater focos do Aedes aegypti, no caso de situação de abandono ou de ausência de pessoa que possa permitir o acesso desse profissional. Se necessário, o agente público competente poderá requerer o auxílio à autoridade policial. Entre medidas que podem ser executadas, a MP ainda cita as visitas tradicionais a imóveis pú- blicos e particulares para elimina- ção do mosquito e de seus criadouros e a realização de campanhas educativas e de orientação

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Especialistas apoiam alerta da OMS, mas cobram pesquisa

‘Não adianta fingir que está fazendo alguma coisa se realmente não está’, destaca professor de Saúde Pública da USP

Por: Fabiana Cambricoli

Para especialistas em infectologia, neurologia e saúde pública ouvidos peloEstado, a rapidez com que o zika vírus se disseminou pelas Américas e a explosão do número de casos de microcefalia no Brasil justificam a decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) em decretar emergência internacional. Para ter algum impacto real sobre o problema, no entanto, a medida deverá vir acompanhada de ações práticas, como investimento em pesquisas.

Para Marcelo Masruha, presidente da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a decisão da OMS é “extremamente acertada”, levando em consideração o impacto social e econômico de milhares de crianças com graves deficiências. “Claro que uma doença com alta letalidade como o ebola assusta muito, mas agora temos uma situação igualmente grave que é um grupo muito grande de crianças com sequelas sérias, que terão de ser acompanhadas pelo restante da vida. Isso afeta a vida da criança e da família e tem um grande impacto sobre o sistema de saúde”, diz ele.

De acordo com o especialista, o fato de o vírus estar disseminado em outros países e bater à porta das nações ricas foi o grande responsável por fazer a comunidade internacional agir mais rápido. “O fato de a doença ter se internacionalizado fez os países ricos ficarem com medo também e cobrarem dos cientistas rapidez nas pesquisas para o desenvolvimento de vacinas, por exemplo. Isso pode ser uma coisa boa, porque se o mundo não estivesse em alerta, se a comunidade internacional julgasse isso um problema apenas do Brasil, essas pesquisas infelizmente iam demorar muito mais”, diz ele.

Para o infectologista e imunologista Esper Kallas, professor da Universidade de São Paulo (USP), a decisão de decretar emergência mundial é complexa porque, dependendo do caso, pode ser considerada exagerada ou mesmo negligente. No caso do zika, diz ele, a decisão parece equilibrada. “O exemplo do exagero foi o caso da gripe H1N1, em 2009, no qual a OMS fez um alarde e depois descobriu-se que não era algo tão grave assim”, observou. “Por outro lado, no caso do ebola, a organização pecou por não perceber logo a magnitude do problema. Criar um comitê de emergência para o zika é plenamente útil para a gente entender cada vez mais o processo, o que significa o vírus e sua relação com más-formações, e não transformar isso em um novo ebola”, diz.

Kallas defende que o alerta dado pela organização impulsione pesquisas no desenvolvimento de exames eficazes e mais baratos para detectar o vírus e leve ao aprimoramento do sistema de notificação dos países. “Essa explosão de casos mostrou que temos grandes falhas nos critérios diagnósticos e no sistema de notificação”, comentou o infectologista.

 

Hora da vacina. De acordo com Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, se a decisão da OMS não significar avanços nas pesquisas, ela não terá servido para nada. “Apenas decretar emergência não significa muita coisa, se não tiver ações concretas. Seria apenas uma resposta da OMS frente ao receio de ser acusada de negligente no futuro”, afirma. “Não adianta fingir que está fazendo alguma coisa se realmente não está. Agora é a hora de procurar uma vacina contra o zika e testar estratégias novas de combate ao Aedes, como o mosquito transgênico”, completa o especialista.

 

REPERCUSSÃO INTERNACIONAL

 

THE NEW YORK TIMES

‘Movimento raro’

O jornal americano classificou o alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) como um “movimento raro que sinaliza a gravidade do surto e dá aos países novas e poderosas ferramentas para combatê-lo”.

 

EL UNIVERSAL

Após 1ª morte por zika

A primeira morte em consequência do zika vírus no país, no domingo, foi registrada pelo site do jornal venezuelano. “O alerta (da OMS) veio após críticas por uma resposta vacilante ao momento”, frisou o periódico.

 

LE MONDE.FR

Até 4 mi de vítimas

Ao noticiar o alerta da OMS, o jornal francês destacou que a doença “já atingiu 1,5 milhão de pessoas no Brasil” e que “de 3 milhões a 4 milhões de casos são esperados nas Américas” ao longo de 2016.

 

DW

Negligência brasileira

No site alemão, uma das reportagens destacava a falta de acompanhamento aos bebês com microcefalia no Brasil. “Governo foca apenas no combate ao mosquito e negligencia tratamento dos doentes”, diz o texto.

 

CNN

Um elo ainda imperfeito

Ao divulgar o alerta da OMS, o site noticioso explicou as possíveis relações entre o zika vírus e os casos de microcefalia, ressaltando, entretanto, que, apesar dos indícios, os estudos ainda não são conclusivos.

 

BBC

Cabe a resposta ao mundo

Manchete do site da BBC na noite de ontem, a reportagem destacou a frase da diretora-geral da OMS, Margaret Chan, chamando o vírus zika de um “evento extraordinário”, “que precisa de uma resposta coordenada”.