O globo, n. 30153, 26/02/2016. Economia, p. 20

Rendição à realidade

A aprovação pelo Senado do projeto que muda a regulamentação do pré- sal foi o reconhecimento da realidade. A Petrobras está endividada, descapitalizada e tendo que pagar caro por qualquer financiamento. Não pode ser a operadora única porque não tem condições de explorar sozinha todos os campos. Os petistas que acusam o projeto de ser “entreguista” não sabem o que o PT fez com a companhia?

Édifícil dizer se é alguma patologia clínica ou cinismo o que leva alguns petistas a dizerem coisas como a que afirmou o ministro Miguel Rossetto. Ele disse que “as mesmas forças contrárias à criação da Petrobras hoje buscam quebrar as regras do marco regulatório do país”. O ministro acha mesmo que o partido ao qual pertence é herdeiro da luta que uniu o povo brasileiro, nos anos 1950, na campanha do “petróleo é nosso”? Só se o pronome possessivo tiver sido entendido de forma excludente pelo Partido dos Trabalhadores. Não de todo o país, mas do partido que saqueou a empresa e a transformou numa máquina de transferir dinheiro para a sigla e os seus aliados.

O fim da obrigatoriedade de a Petrobras ter 30% de todos os campos de petróleo, como propôs o senador José Serra ( PSDB- SP), tem a chance de elevar a produção de petróleo e, por consequência, a arrecadação do governo. Ter mais empresas explorando os campos, ao mesmo tempo e mais rapidamente, significa gerar mais empregos, elevar o consumo, atrair investimentos. Isso ajudará, portanto, o país a sair da difícil situação econômica em que se encontra. No mais, não haverá maiores mudanças no modelo, que continuará sendo o de partilha.

Quem é contra a mudança tem repetido que os custos de extração são baixos, e estão girando em torno de US$ 9 no campo de Lula. O problema é que esse valor corresponde apenas ao custo de extração, ou lifting cost. Além disso, o campo de Lula foi licitado ainda sob o regime de concessão. Ele já está em desenvolvimento há bastante tempo, com regras diferentes do modelo de partilha, e teve sua exploração financiada em um momento favorável para a Petrobras. Hoje, sem o grau de investimento, a empresa está pagando juros cada vez mais altos pelo crédito que toma.

A cada plano de negócios que divulga, a Petrobras corta suas metas de investimento e de produção. A estimativa para 2020 já foi reduzida de 4,2 milhões de barris por dia para 2,8 milhões, e o investimento já caiu de US$ 237 bilhões para US$ 98 bi, em um período de quatro anos. E ela corta investimentos porque foi atingida por três bombas: a má gestão, a corrupção que está sendo desvendada pela Lava- Jato, e a queda dos preços internacionais de petróleo. Neste contexto, ela investe menos por falta de fôlego, o governo arrecada menos, e o país fica parado esperando a estatal se recuperar do estrago da atual administração. Mesmo se a retirada da obrigatoriedade de 30% em todos os campos da Petrobras for confirmada na votação da Câmara, não há garantia de que haverá novos investidores no pré- sal neste momento, por causa da conjuntura internacional. Mas é a única chance de aumentar investimentos no petróleo brasileiro.

A situação da Petrobras é dramática, como todos sabem. A gestão petista, a apropriação do coletivo pelo partido que nos governa, as decisões políticoeleitorais quebraram a empresa. Hoje, ela tem uma dívida bruta de US$ 127 bilhões, que, em reais, chegou a R$ 505 bilhões no último balanço divulgado, do terceiro trimestre do ano passado. É a petrolífera mais endividada do mundo. Seu valor de mercado caiu 90%, e sua classificação de risco está a seis degraus abaixo do nível de investimento. Enquanto a Moody's cortou em dois níveis a nota do governo brasileiro, a Petrobras caiu três na última quarta- feira, e, se sofrer mais um corte, entrará para o grupo de empresas “com alto risco de inadimplência”. A perspectiva é negativa.