O globo, n. 30153, 26/02/2016. Economia, p. 20
“Não sou eu quem pede urgência, quem dá urgência são os líderes” Eduardo Cunha Presidente da Câmara
- BRASÍLIA- Depois de ceder no Senado, sob protestos do PT, na votação do projeto que acaba com a obrigatoriedade de a Petrobras manter participação mínima de 30% nos consórcios de exploração do pré- sal, o governo se prepara para mais uma maratona em torno do assunto, desta vez, na Câmara dos Deputados. Com a aprovação do texto de autoria do senador José Serra ( PSDBSP), na noite de quarta- feira, o projeto será examinado pelos deputados em meio a outras matérias que tratam do mesmo tema, o que indica que sua tramitação será demorada. Na próxima semana, o colegiado de líderes deverá decidir se o texto terá ou não urgência na Casa.
AILTON DE FREITASNegociação. Para Eduardo Braga, resultado da votação foi fruto de diálogoOntem, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, lembrou que projetos idênticos já tramitam entre os deputados. Ele também falou sobre a questão da urgência, em que os prazos da tramitação são mais curtos:
— Não sou eu quem pede urgência, quem dá urgência são os líderes. Há projetos sobre o mesmo tema na Casa, que a urgência foi rejeitada. E a nova urgência está na fila para ser votada. A preferência é sempre para votar o projeto que já está na casa. Pelo que li nas matérias jornalísticas, achei o projeto lá ( no Senado) pior que o da Câmara.
PROJETO MAIS RADICAL Entre os projetos sobre o tema tramitando na Câmara está o de autoria do deputado Mendonça Filho ( DEM- PE), ex- líder do partido. No ano passado, Mendonça conseguiu apoio dos líderes e de Cunha para votar um requerimento de tramitação em regime de urgência no plenário. O líder do PMDB, Leonardo Picciani ( RJ), que inicialmente era simpático à ideia, recuou, e a urgência não obteve os 257 votos necessários.
— Meu projeto é um pouco mais radical que o do Serra. Ele restabelece o regime de concessão para todo o marco regulatório do petróleo. O regime especial que o governo criou para o pré- sal foi um erro. Apenas um leilão e com resultado pífio. Mas, apesar de ter projeto na Casa, não vejo problema em assumir o projeto do Serra e incorporar outros pontos. Tem que fazer uma avaliação na Casa, ver qual a disposição política para encarar esse problema. Em torno de qual proposta se faz maioria? A proposta mais limitada ou algo mais ousado, a volta do regime vitorioso do governo FHC? — indagou Mendonça.
Segundo um dos líderes, o texto aprovado no Senado, de autoria de José Serra, é menos radical do que o texto apresentado por Mendonça e teria mais chances de ser aprovado na Câmara.
O projeto aprovado no Senado prevê que ao realizar um leilão de área do pré- sal no regime de partilha, o Conselho Nacional de Política Energética ( CNPE) consultará a Petrobras sobre a intenção de exercer ou não a preferência para ser operadora do bloco, com fatia mínima de 30%. Com a resposta da estatal, o CNPE vai elaborar sua recomendação e encaminhará para decisão final da Presidência da República. Uma vez decidida a situação do operador do bloco, ela será incluída no edital do leilão, de forma que não haja mudança de regime ao longo do tempo.
O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, disse ontem que o Senado chegou a uma solução intermediária entre as diferentes forças que existiam entre os parlamentares, preservando a preferência da Petrobras e a decisão do governo sobre a estatal no pré- sal. Braga voltou a afirmar que não há novo leilão do pré- sal previsto, mas reconheceu que a votação final ficou diferente daquela que governo e PT defendiam:
— Isso foi fruto de uma negociação. O governo tem de ser um governo de diálogo.
URGÊNCIA NÃO É UNANIMIDADE O presidente do PT, Rui Falcão, divulgou nota dizendo que o texto aprovado no Senado significou um “retrocesso”. Segundo a nota, “mesmo atenuado em sua versão substitutiva, ele fragiliza o regime de partilha e a política de conteúdo nacional”.
— Não precisa urgência para votar. Passou tanto tempo tramitando no Senado. Tem o requerimento do Mendonça, vamos enfrentar essa pauta aqui na Câmara, não tem problema não — disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães ( PT- CE).
O líder do DEM, Pauderney Avelino, defende a urgência.
— Já temos assinaturas para pedir a urgência no projeto do Mendonça. Esse projeto pode salvar a Petrobras e a indústria petrolífera — afirmou.
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A indústria de máquinas e equipamentos vê a possível mudança na regra do pré- sal como chance de acabar com o principal problema do setor na área de óleo e gás: o cliente único. A mudança abre as portas a contratos com outras companhias.
— Se a Petrobras é o único cliente do setor de máquinas e equipamentos ( em óleo e gás), toda a demanda está atrelada à capacidade financeira da companhia. Se a Petrobras enfrenta problemas, toda a cadeia se contamina. A indústria será beneficiada, mas vai levar anos para isso acontecer — alerta José Velloso, presidente executivo da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos ( Abimaq).
Nos anos 1990, continua ele, 30% do faturamento do setor vinham da área de óleo e gás. Hoje, este percentual não passa dos 8%. Por trás dessa retração, diz ele, estão a crise da Petrobras, a crise econômica e também a política de conteúdo nacional.
O secretário estadual de Desenvolvimento Econômico do Rio, Carlos Capute, pondera que as exigências de conteúdo local nos projetos de óleo e gás precisam ser rediscutidas:
— A regra que pune o investidor não estimula a atração de capital. O ideal seria premiar, dar benefícios a quem privilegia o conteúdo nacional.
Velloso destaca que o setor vem voltando as atenções para a área de operação e manutenção, que é a que se mantém no segmento de óleo e gás:
— A compra de equipamentos só acontece de seis a oito anos depois de vencida a licitação.
A Firjan vem trabalhando junto ao setor naval fluminense para estimular projetos de reparo e manutenção, já que a construção de embarcações parou. ( Glauce Cavalcanti)