O Estado de São Paulo, n. 44.694, 29/02/2016. Política, p. A5

Após pressão do PT, Cardozo decide deixar ministério

Titular da Justiça se diz injustiçado e vai entregar o cargo à presidente Dilma; deputados petistas o procuraram para reclamar de cerco a Lula

Por: Vera Rosa / Luciana Nunes Leal

 

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, decidiu deixar o governo. Pressionado pelo PT após rumores de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria alvo de quebras de sigilos bancário, telefônico e fiscal no âmbito da Operação Lava Jato, Cardozo se sente injustiçado e resolveu entregar o cargo à presidente Dilma Rousseff.

Anteontem, Lula se queixou de estar sendo perseguido pela Polícia Federal e pelo Ministério Público ao participar da festa de 36 anos do PT.

"Eu já fui prestar vários depoimentos. Recebi uma intimação de que, a partir de segunda-feira (hoje), vão quebrar meu sigilo bancário, telefônico, fiscal. O meu, da Marisa, do meu neto, se precisar até da minha netinha de um mês", disse o ex-presidente, sob aplausos. "Se esse for o preço que a gente tem que pagar para provar nossa inocência, que façam. A única coisa que quero é que, depois (…), me deem um atestado de idoneidade porque duvido que tenha alguém mais honesto que eu neste País."

A amigos com quem conversou ontem , Cardozo não escondeu o seu aborrecimento com os ataques e afirmou que o PT não entende o seu papel quando critica a falta de controle sobre a Polícia Federal. O ministro argumenta que a corporação tem autonomia para fazer investigações e ele  só pode atuar em caso de violação de direitos.

No último dia 22, uma comissão de dez deputados federais do PT esteve no gabinete de Cardozo para fazer nova reclamação. Os parlamentares cobraram dele providências sobre as investigações relativas a Lula e pediram que a Polícia Federal centrasse fogo na apuração de denúncias contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Os petistas também disseram ao ministro ter certeza de que o objetivo da força-tarefa da Lava Jato era prender Lula e o criticaram até mesmo por tirar fotos com o “japonês da Federal”, numa referência ao agente da PF Newton Ishii, que chegou a ser expulso da corporação em 2003 e foi reintegrado depois. Ishii se tornou conhecido por escoltar presos da Lava Jato.

A prisão do marqueteiro João Santana, que fez campanhas de Dilma e Lula, também reforçou a pressão feita por setores do PT, com apoio do ex-presidente, para que Cardozo seja substituído.

No ano passado, Cardozo chegou a comunicar a Dilma a intenção de deixar o cargo, mas atendeu a um apelo da presidente e permaneceu no ministério. Já na época ele era alvo de críticas do PT por causa da Operação Lava Jato. Cardozo é um dos mais próximos colaboradores da presidente desde a campanha de 2010. Ocupa o Ministério da Justiça desde o primeiro mandato de Dilma.

A relação com Lula, porém, não é das melhores. Em reunião com deputados do PT e advogados no sábado, antes da festa de aniversário do PT, o ex-presidente voltou a se queixar do ministro.

Mesmo sob ataque, Lula ainda é o nome que o PT conta para a eleição de 2018. O ex-presidente admitiu, no sábado, que, se necessário, será candidato para defender o seu legado e o PT.

 

Sigilos. O deputado Wadih Damous (PT-RJ), que se reuniu com Lula no sábado, confirmou que um dos temas da conversa foi a informação de que a Justiça determinaria a quebra dos sigilos bancários, fiscal e telefônico dele e de sua família. Questionado sobre a reação do ex-presidente à uma possível decisão judicial, Damous afirmou que “não há nenhum temor” em relação a isso.

Ele afirmou que o partido não tem “conhecimento do teor” dessa eventual medida. “Vocês (imprensa) sabem mais do que muitos advogados de defesa (de réus da Operação Lava Jato)”, disse. O deputado, que é ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio, sustentou que, se confirmada, a quebra de sigilo, “é um ato arbitrário, pois não é decorrente de indícios”.

Na noite de sábado, ao chegar para a festa, na zona portuária do Rio, Damous afirmou que Lula“ está indignado com essa campanha sórdida, essa publicidade opressiva”. De acordo com ele, Lula chegou a brincar com a situação“ absurda”.“Poxa, eu sou dono sem ser”, afirmou o ex-presidente, ao reiterar que não é proprietário do apartamento tríplex no Guarujá e nem do sítio em Atibaia (SP), alvos de investigação da Polícia Federal e do Ministério Público.

 

Campanha

“(Lula) Está indignado com essa campanha sórdida, essa publicidade opressiva”

Wadih Damous (PT-RJ)

DEPUTADO FEDERAL

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MPF pede nova condenação de Duque e Vaccari

Segundo a acusação, ex-tesoureiro do PT praticou 28 atos de lavagem de dinheiro por meio de contratos falsos

Por: Ricardo Brandt / Fausto Macedo

 

O Ministério Público Federal requereu, em alegações finais, a condenação do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto por 24 atos de lavagem de dinheiro na operação de repasse de R$ 2,8 milhões para ele próprio e para o partido através de contratos fictícios firmados com a Editora Gráfica Atitude.

A Procuradoria da República também pede a condenação do ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque, apontado como indicação do PT no esquema de corrupção e cartel na estatal petrolífera.

A Procuradoria pediu a suspensão do processo em relação ao empresário Augusto Mendonça, que fez delação premiada. “Com objetivo de quitar pendências espúrias decorrentes de contratos firmados pelo Grupo SOG/Setal com a Petrobrás, Mendonça procurou Duque que, por sua vez, o orientou a procurar o então tesoureiro do PT a fim de que estipulassem a melhor forma para o repasse das vantagens indevidas”, argumentam nove procuradores da República que integram a força-tarefa da Lava Jato.

Segundo a acusação, Vaccari, por sua vez, indicou a Augusto Mendonça a contratação da gráfica “imbuído única e exclusivamente do intuito de maquiar o repasse dos valores ilícitos ao Partido dos Trabalhadores mediante maior sofisticação do sistema”.

Em sua delação, Mendonça afirmou que, além de não haver efetiva prestação do serviço, a SOG/Setal não possuía interesse no objeto do contrato celebrado com a gráfica.

Vaccari e Duque já foram condenados pelo juiz federal Sérgio Moro em outras ações penais da Lava Jato. Esta ação, na etapa de alegações finais, é relativa ao suposto repasse de R$ 2,4 milhões em propinas para o ex-tesoureiro e o PT. Ao requerer a condenação de Vaccari e de Renato Duque, os procuradores sustentam que “a personalidade dos réus merece reprimenda”.

“As provas dos autos apontam que, em sua atuação, no âmbito da empresa e da agremiação política que representavam, notadamente, Petrobrás e Partido dos Trabalhadores, os denunciados se utilizaram do crime de lavagem de dinheiro de maneira sistemática e não acidental”, afirma o Ministério Público Federal nas alegações finais.

Os procuradores destacam no documento também o que chamam de “vínculo de relacionamento de João Vaccari Neto com a Editora Gráfica Atitude e o Sindicato dos Empregados de Estabelecimentos Bancários de São Paulo/SP, haja vista que foi presidente da Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo), instituição que foi criada por esse sindicato”.

O criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, que representa Vaccari, afirma que seu cliente jamais arrecadou recursos ilegais para o PT e que as acusações contra ele se baseiam “apenas nas palavras de delatores”.

O PT tem reiterado que só entra no caixa do partido dinheiro lícito e declarado à Justiça Eleitoral. O ex-diretor da Petrobrás Renato Duque também nega envolvimento em corrupção.