Valor econômico, v. 16, n. 3965, 17/03/2016. Política, p. A9

FHC diz que nomear investigado é "escandaloso"

Cristiane Agostine

Minutos depois do anúncio da indicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comandar a Casa Civil, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classificou ontem a nomeação do petista como um "erro" e defendeu que a população reaja "com força" nas ruas. FHC disse considerar "escandaloso" que alguém que é investigado e pode se tornar réu assuma um ministério eafirmou que isso aumenta a "crise moral" do Brasil. Em ataque indireto a Lula, o tucano disse ainda que o país não pode ser dirigido por um "analfabeto".

O ex-presidente tucano fez uma série de críticas ao petista e conclamou a população a protestar "energicamente contra" Lula. FHC defendeu também que a população pressione o petista contra a implementação de mudanças na política econômica como a redução da taxa de juros, o aumento do crédito e o incentivo ao crescimento pelo consumo. "Lula é maleável. Se a sociedadegritar, ele recua no que diz respeito à economia. Mas como ele está em uma situação de muito aperto, é capaz de ele ir por esse caminho. São erros do tipo feitos na Venezuela. Espero que ele tenha lucidez", disse, em evento ontem da seguradora Tokio Marine, na capital paulista.

Na análise do ex-presidente, a nomeação de Lula servirá para o Congresso cobrar "vantagens" do petista. "O chefe da Casa Civil tem que dizer não. O negociador político pode até concordar, mas a Casa Civil diz não. Se você nomeia um político para a Casa Civil, ele vai fazer os acordos e a administração vai sofrer. Do ponto de vista de organização de como funciona o governo é um erro. Não é o Lula. É qualquer um. [Se fosse] Eu lá não ia dar certo", afirmou.

Durante o evento, FHC declarou que para governar o país é preciso ter conhecimento, sem citar diretamente Lula. "Não é só ser político não. Tem que ter conhecimento. Conhecimento é fundamental. Você não pode dirigir esse país sendo analfabeto. Não dá", disse, sendo ovacionado em seguida.

Em meio à discussão sobre o processo de impeachment da presidente, Fernando Henrique disse que a linha sucessória de Dilma Rousseff está "toda abalada" e defendeu um "acordo social" para comandar o país. "Vai chegar um momento em que vai ter que fazer acordo. Acordo não quer dizer cambalacho. É um acordo social".

O tucano, no entanto, não sinalizou apoio irrestrito ao vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP), e disse que o pemedebista poderá "cair" se assumir a Presidência e não implementar as mudanças negociadas. "Se não der certo, vem outro", disse o ex-presidente tucano. "Não pode fazer sozinho, tem que apelar aos outros. Se houver mudança, se vai o vice-presidente, é a mesma coisa. Será ele capaz de fazer? Vai ter que tentar fazer. Se não fizer, cai. Até que se chegue no momento de dizer que o caminho é esse e nós sabemos qual é o caminho", disse.

Citado na delação do senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS), o ex-presidente tucano afirmou durante a palestra que sempre houve corrupção e desvios na história mundial, até mesmo nos tempos de Jesus Cristo. O ex-presidente, no entanto, não quis falar com a imprensa, para evitar perguntas sobre a denúncia feita por Delcídio, de que na gestão presidencial tucana houve fraudes em contratos da Petrobras.

"Outro dia ouvi que no meu governo... No meu governo, no tempo de Jesus Cristo, houve alguém que fez alguma coisa errada. Sempre ocorreu, o que não tem é a implicação da organização com a benção do governo", disse FHC.

Em sua delação, Delcídio afirmou que o esquema de corrupção conhecido como "petrolão" não é recente e os desvios que aconteciam na Petrobras durante o governo FHC eram semelhantes aos que foram registrados no governo do PT. Ex-tucano, o senador foi diretor da petrolífera na gestão do ex-presidente tucano.

Durante o evento, FHC disse que as "delações crescentes" no âmbito da Operação Lava-Jato mostram que "não se trata de um eventual desvio de conduta", mas sim de uma ação orquestrada pela gestão federal. "Isso tem sempre. 'Ah, sempre tem corrupção na história?' Não é isso que estamos discutindo aqui. É a organização como um sistema. A utilização de funções públicas com objetivos de obter vantagens para os partidos e para si, talvez mais para os partidos do que para si, mas não importa. Foi criado um sistema organizado e não é que fulano se corrompeu", disse.

 

O tucano afirmou que o país vive uma crise moral e afirmou que "ninguém sabe o que vai fazer", mas em breve vai acontecer uma mudança. Segundo FHC, o Brasil está maduro para seguir um novo caminho.