Campo fértil para a ação do mosquito

Otávio Augusto 

Brazlândia, São Sebastião, Ceilândia e Planaltina somam 55% dos casos de dengue na capital federal — juntas acumulam 1.049 infecções. As cidades também lideram a lista dos locais onde ocorre o maior número de descartes irregulares de lixo. Apenas em janeiro, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) recolheu 12.870,25 toneladas de entulho nas ruas e áreas públicas. Para autoridades sanitárias, o aumento de 375% no índice de chuvas, em relação ao mesmo período de 2015, agravou a ascensão das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. A falta de atenção do brasiliense com o lixo tem pressionado a saúde pública. Em Ceilândia, a 30km do Plano Piloto, por exemplo, a quantidade de resíduos retirados da rua equivale a 85,8% da coleta regular dos domicílios. Os reflexos negativos são sentidos pela própria população. Lá, a dengue avançou 428% em uma semana — 169 moradores da cidade estão doentes.

Em São Sebastião, é visível o descaso do poder público e dos moradores: lixo, obras inacabadas e carros abandonados acumulam água da chuva. Os rejeitos modernos jogam contra o combate mais uma vez. A cidade esteve em estado de alerta durante a epidemia de 2013. Agora, o governo teme que o problema volte a afete a região, distante a 21km do centro de Brasília. Atualmente, a incidência de dengue atinge 250 pessoas a cada grupo de 100 mil habitantes, segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

A auxiliar de serviços gerais Soraia Lima, 27 anos, conhece os problemas que o desleixo provoca. Ela e o marido tiveram dengue. Soraia acredita que um amontoado de lixo perto de casa aumenta a incidência do mosquito. “Meu marido pegou primeiro e, quando ele melhorou, comecei a sentir os sintomas. Tem que ter muita atenção. Também tenho medo pelo meu filho, que só tem 4 anos. Se ele pegar, nem sei o que acontece”, conta, ao explicar que o caminhão não passa para recolher os dejetos.

O diretor da Vigilância Ambiental, Divino Valero Martins, teme que São Sebastião seja novamente o epicentro da crise. “Nas últimas duas semanas, percebemos esse cenário. Houve uma resposta maior no começo da mobilização, por causa do medo, mas, depois, a população relaxou. O mosquito é urbano, está dentro das nossas casas, e a expansão demográfica alta, como a de São Sebastião, pode colocar em risco a população”, alerta, ao esclarecer que há risco de surto na cidade. Brazlândia já vive situação epidêmica.

O especialista em doenças infectocontagiosas Eduardo Espíndola atribui o aumento das doenças transmitidas pelo Aedes ao crescimento desordenado e à falta de planejamento urbano. “Muitas vezes, as pessoas adoecem por questões basicamente de higiene. Várias patologias são evitadas quando se há um cenário limpo. Basta comparar cidades com bom saneamento básico com aquelas que não o possuem”, explica.

 

Abandono

Em um mês, o porteiro Cícero Silva, 35 anos, teve dengue duas vezes. Na primeira contaminação, ele não esperou o resultado do exame sair e foi trabalhar logo em seguida. Algumas horas depois, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Sebastião entrou em contato para relatar que o teste deu positivo. “Eu estava ruim, mas não achava que era isso. Como a UPA estava lotada, nem esperei. Só fiquei sabendo quando recebi a ligação”, admite. Na quarta-feira desta semana, Cícero voltou à unidade, com os mesmos sintomas. Chegou às 21h e só saiu às 3h. O resultado repetiu o anterior: Cícero está novamente com dengue.  “Eu só sei que é cruel essa sujeira por aqui. Eles falam que vão tirar, mas só recolhem metade”, reclama.

O problema não se restringe às cidades mais distantes. Ontem, militares do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) vistoriaram o Parque da Cidade, no centro do poder. Os soldados encontraram latas de tintas e baldes com água e larvas do mosquito. No Estacionamento 13, em frente à administração do parque, a 3,8km do Palácio do Buriti, sede do Executivo local, diversas larvas foram recolhidas. “Identificamos quais são os pontos mais críticos e vamos ter atenção especial com eles”, garantiu o administrador do parque, Alexandro Ribeiro.

A Defesa Civil está preparando um mapeamento das regiões mais críticas. O órgão quer acompanhar a situação dos locais. Agentes fotografam áreas com lixo, por exemplo, e montam um banco de dados. Amanhã, uma operação vai levar homens às ruas para identificar pontos de descarte irregular de rejeitos e com focos do Aedes aegypti. Informações do mais recente levantamento da Agência de Fiscalização (Agefis) mostram que na capital federal há 897 espaços onde entulho é jogado sem qualquer critério. Segundo o SLU, cerca de 80% dos endereços passam por limpeza e voltam a ficar sujos.

Radiografia

Veja o panorama das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti no DF e Entorno, de acordo com o último Boletim Epidemiológico divulgado pela Secretaria de Saúde esta semana

 

DENGUE

Sorotipo circulante no DF

Das 159 amostras analisadas esta semana, 31 ficaram isoladas para o mapeamento do vírus da dengue

Variação Representatividade

Tipo 1 58%

Tipo 2 32%

Tipo 3 3,2%

Tipo 4 6,4%

 

Notificações do Entorno

No total, 249 registros de dengue vieram são de Goiás. O aumento percentual é de 329,31% em relação ao mesmo período do ano passado.

 

Município Infecções Total dos casos

Águas Lindas 83 33%

Luziânia 48 19,2%

Padre Bernardo 46 18,4%

Santo Antônio do Descoberto 25 10%

 

CHICUNGUNHA

Segundo a Secretaria de Saúde as contaminações ocorreram em Pernambuco e Bahia

 

Contaminações  Suspeitas  Variação

6          73     200%

 

ZIKA

Só esta semana, duas grávidas contraíram a doença, no Guará e em Taguatinga

 

Contaminações Suspeitas        Variação

6* 77               -

 

*Dois caos são de Santo Antônio do Descoberto e Luziânia

 

Fonte: Secretaria de Saúde do DF

Inseticidas testados

O Ministério da Saúde informou que os inseticidas usados no Brasil são autorizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ontem, o Correio mostrou que quatro dos cinco insumos usados nos carros fumacês não matam o bicho, segundo estudo realizado pela Fiocruz. A autarquia federal explicou que há constantes trocas dos produtos, de acordo com avaliações técnicas, Elas levam em consideração fatores relacionados à resistência ao Aedes aegypti. “A eficácia da operação depende da observância de uma série de detalhes técnicos, como horário de aplicação, regulagem do equipamento, controle de qualidade do spray, velocidade do vento, capacitação técnica dos aplicadores, entre outros”, ressalta o governo federal, ao explicar que a melhor forma de controle é a extinção dos focos das larvas.

 

Correio braziliense, n. 19261, 19/02/2016. Cidades, p. 19