O globo, n. 30130, 03/02/2016. País, p. 3

POR UMA SEGUNDA CHANCE

Na abertura do ano legislativo, Dilma faz apelo ao Congresso por ajuda para enfrentar recessão
Por: Isabel Braga/ Cristiane Jungblut/ júnia Gama/ Maria Lima
 
ISABEL BRAGA, CRISTIANE JUNGBLUT,
JÚNIA GAMA E MARIA LIMA
opais@oglobo.com.br
 

- BRASÍLIA- Em gesto simbólico para tentar se reaproximar do Congresso, a presidente Dilma Rousseff compareceu ontem à abertura do ano legislativo e fez um pedido enfático de ajuda aos parlamentares para superar a recessão econômica no país. No evento que simboliza o início do segundo ano de governo, após um 2015 marcado por uma crise política e econômica agudas, Dilma defendeu a aprovação de uma reforma da Previdência, ressaltando que poucos efeitos serão sentidos em sua gestão. A presidente destacou a necessidade de medidas para garantir o reequilíbrio fiscal das contas do governo no curto prazo e apelou pela aprovação da CPMF, o que dividiu o plenário entre vaias e aplausos. O pronunciamento de Dilma foi focado, sobretudo, em medidas econômicas para enfrentar a crise, em tom bem diferente do discurso de posse, há um ano.

— Peço que considerem a excepcionalidade do momento, que torna a CPMF a melhor solução disponível para ampliar, no curto prazo, a receita fiscal. Levem em conta dados e não opiniões. A CPMF é a ponte entre a necessária urgência do curto prazo e a necessária estabilidade fiscal do médio prazo — afirmou a presidente.

A ida não prevista de Dilma ao Congresso foi sugerida pelo ex- ministro Delfim Netto, para quem o país viverá um “caos” caso a presidente não se empenhe pessoalmente na aprovação de medidas para o reequilíbrio econômico.

Dilma se mostrou aberta a debater propostas de progressividade dos impostos que incidem sobre a renda e o patrimônio, desde que compatíveis com o reequilíbrio fiscal e a retomada do crescimento. Para mostrar o empenho em cortar despesas, afirmou que em 2015 o governo reduziu 10,2% de seus gastos de custeio, se for desconsiderada a despesa com energia elétrica.

A presidente prometeu encaminhar propostas que limitem os gastos públicos e defendeu uma meta fiscal flexível. Destacou várias vezes o apoio que recebeu do Congresso em 2015 e disse que o aumento do salário- mínimo para R$ 880 preservou a renda do trabalhador. Ela defendeu ainda a aprovação das alterações nas regras dos acordos de leniência, afirmando que é preciso punir os envolvidos em atos de corrupção, mas ter instrumentos que preservem as empresas e os empregos por elas gerados.

 

DEFESA DA CPMF PROVOCA VAIAS

Ao defender a reforma das regras de aposentadoria, Dilma afirmou que enviará ao Congresso uma proposta para preservar a sustentabilidade da Previdência “exequível e justa”, depois de dialogar com a sociedade e em total respeito aos direitos adquiridos. Segundo ela, a reforma envolverá um “adequado” período de transição.

— Não vamos tirar direitos das brasileiras e dos brasileiros — disse Dilma, sendo aplaudida.

A presidente foi vaiada em pelo menos seis ocasiões durante sua fala, levando em uma delas o presidente do Senado, Renan Calheiros, a acionar a campainha para retomar a ordem na Casa. Parlamentares levaram ao plenário placas onde se lia “Xô CPMF”. As vaias mais fortes ocorreram justamente quando ela defendeu a CPMF. Também foi vaiada ao citar a utilização dos recursos do FGTS para turbinar os empréstimos consignados. Na saída, a presidente minimizou os protestos:

— Eu achei ótima a receptividade. ( Tinha a) absoluta obrigação de estar aqui.

 

PARA CUNHA, APERTO DE MÃO

Quinze ministros prestigiaram a cerimônia. Ela chegou acompanhada do ministro Ricardo Berzoini ( Secretaria de Governo) e foi recebida pelos presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ) e Renan Calheiros ( PMDB- AL), e do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. Dilma foi cercada de políticos de partidos da base e até mesmo alguns da oposição no caminho entre a rampa do Congresso e o plenário da Câmara. Cumprimentou muitos com beijinhos, mas foi apenas protocolar com Eduardo Cunha, que ganhou um aperto de mão. Ao lado dele, Renan e Lewandowski foram cumprimentados com beijos no rosto.

Dentro do plenário, dois deputados de partidos da base, Sóstenes Cavalcante ( PSD- RJ) e Índio da Costa ( PSD- RJ), e um da oposição, Caio Narcio ( PSDB- MG), seguravam placas com o dizer: “Xô CPMF”.

O ministro Jaques Wagner ( Casa Civil), afirmou que o saldo da visita da presidente ao Congresso foi positivo.

— Na minha opinião, o saldo é extremamente positivo, um gesto de humildade, de convite ao diálogo, de vir dizer ao Congresso que ela depende do Congresso, que quer fazer uma parceria com o Congresso — disse, minimizando as vaias: — O que você pode esperar? É normal, é do jogo governo e oposição. Fui parlamentar 12 anos e isso aí é do dia a dia do Congresso.

Os pedidos pela aprovação da CPMF geraram reações negativas entre deputados e senadores da base e da oposição. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves ( MG), disse que ela foi ao Congresso “em busca de uma fotografia”:

— A presidente foi incapaz de fazer a mínima mea culpa que fosse, mostrando ao país que reconhece os erros que cometeu ao longo do seu primeiro mandato. Na verdade, pareceu que a presidente estava assumindo hoje, e não que seu partido está há 13 anos no poder.

Para o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira ( CE), o gesto da presidente ajuda a distensionar a relação, mas a insistência em pedir a criação de mais um imposto não é bem vista:

— Há um mal- estar quando se fala em criar qualquer novo imposto.

( Colaboraram Simone Iglesias, Eduardo Bresciani e Manoel Ventura* — * estagiário sob supervisão de Isabel Braga).

 

PRINCIPAIS TRECHOS DO DISCURSO
 

Contrastes entre o discurso de ontem na abertura do ano legislativo e o discurso de posse, há um ano

 

CPMF

Não podemos prescindir de medidas temporárias para manter o equilíbrio fiscal. As principais medidas temporáriasporárias são a aprovação da CPMF e a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União pelo Congresso Nacional. Vamos propor a participação dos estados e municípios na arrecadação da CPMF, destinando esses recursos para a seguridade social. Além disso, proporemos a adoção da DRE e da DRM também para estados e municípios.

No discurso de posse, não houve qualquer menção sobre aumento ou recriação de impostos, muito menos à CPMF, que Dilma negou durante a campanha

 

REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Há várias formas de preservar a sustentabilidade da Previdência Social e vamos apresentar nossas propostas e considerar as demais em todos os foros de debate. Vamos dialogar com a sociedade para encaminhar ao Congresso Nacional uma proposta exequível e justa para os brasileiros; uma proposta que aprimore as regras de aposentadoria por idade e por tempo de contribuição, para que se ajustem, gradualmente, à expectativa de vida da população.

Na posse, a presidente não fez qualquer referência à reforma da Previdência. Naquela época, chamou a atenção apenas para a necessidade da reforma política. Disse que seria possível crescer e distribuir renda, e que provaria que se pode fazer ajustes na economia sem revogar direitos conquistados ou trair compromissos sociais assumidos

 

REDUÇÃO DE GASTOS

Vamos propor reformas que alterem permanentemente a taxa de crescimento de nossas despesas. Queremos discutir com o Congresso Nacional a fixação de um limite global para o crescimento do gasto primário do governo. Ao mesmo tempo, como temos limitado controle da evolução da receita, necessária se torna a adoção de uma margem de flutuação do resultado fiscal para acomodar sua volatilidade.

Há um ano, sem falar em controle de gastos, Dilma disse que dedicaria todos os seus esforços para levar o Brasil a iniciar um novo ciclo histórico de mudanças, de oportunidades, alicerçado no fortalecimento de uma política econômica estável, intolerante com a inflação, e que levaria o Brasil a retomar uma fase de crescimento robusto e sustentável

 

REFORMA TRIBUTÁRIA

Queremos avançar, junto com o Congresso Nacional, na construção de medidas de reforma tributária, dando ênfase à revisão dos tributos indiretos. Nosso foco será simplificar e desburocratizar impostos e contribuições, preservando a arrecadação. Faremos a reforma do PIS- Cofins, principal imposto indireto do governo federal. No caso do ICMS, nosso objetivo é completar a reforma iniciada em 2015, com a regulamentação da lei de repatriação de capitais e o direcionamento de parte dos recursos para os fundos de transferência criados para auxiliar os estados.

No ano passado não houve menção à reforma tributária

 

ZIKA

No final de 2015, foi identificado um aumento sem precedentes no número de crianças nascidas com microcefalia no Brasil. Em tempo relativamente curto, este grave problema foi associado ao vírus zika, cuja presença no país havia sido identificada em 2015. Decretamos emergência em saúde pública e passamos a mobilizar governos estaduais e municipais para identificar as ações necessárias para enfrentar a questão.

A prioridade no combate ao mosquito que transmite o vírus zika dominou boa parte do discurso de Dilma. Como o problema não existia, não foi mencionado ano passado. A CPMF e o vírus zika ganharam a relevância dada na posse ao lema Brasil: Pátria Educadora, que desapareceu do discurso de ontem