Valor econômico, v. 16, n. 3966, 18/03/2016. Política, p. A6

Dilma ataca Moro e a 'gritaria dos golpistas'

Leandra Peres

Thiago Resende

Lucas Marchesini

Letícia Casado

 

Em clima de comício e com direito a palavras de ordem cantadas pela militância contra o que chamou de "golpe", a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Casa Civil da Presidência da República foi marcada por um discurso de enfrentamento da presidente Dilma Rousseff e a ausência de todas as lideranças do PMDB, inclusive do vice-presidente Michel Temer e do presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), considerado um aliado do Planalto. Dilma também fez ataques ao juiz Sergio Moro e ao vazamento das conversas telefônicas com Lula interceptadas pela Operação Lava-Jato. Embora empossado pela presidência, Lula teve a posse sustada por uma decisão judicial de primeira instância, que será examinada também em recursos de vários partidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Ontem mesmo, em uma edição extra do "Diário Oficial", a presidente tomou providências para dar agenda à Casa Civil que, segundo informações de líderes governistas, terá sua estrutura ampliada e um staff novo a ser contratado para auxiliar o ex-presidente Lula. Dilma transferiu a gestão do PAC, que tinha sido levada ao Ministério do Planejamento, de volta à Casa Civil. O Conselhão, do qual participam empresários e sindicalistas, sai da Casa Civil e vão com Jaques Wagner para a chefia de gabinete da presidente.

A presidente Dilma levou vários minutos elogiando o ex-presidente Lula, a quem chamou de "maior líder político deste país". Disse que em um momento de crise não poderia prescindir da ajuda de ninguém e que está determinada a "promover o reequilíbrio fiscal, a reduzir a inflação com o mesmo empenho que atuamos em favor da recuperação do emprego e da retomada do crescimento".

A partir daí, o discurso da presidente mudou de tom e ela partiu para o ataque. A senha foi: "A gritaria dos golpistas não vai me tirar do rumo e não vai colocar o nosso povo de joelhos."

A militância petista que acompanhava a cerimônia interrompeu a presidente em vários momentos, mas no primeiro deles foi para saudar a chegada de Lula com um coro de "olê, olê, olá, Lulaaa". A presidente foi saudada depois, com "Dilma guerreira do povo brasileiro". Houve também coros contra a imprensa. As vaias só vieram quando o deputado Major Olímpio (Solidariedade-SP), da oposição, gritou "vergonha", segundos antes do início da fala da presidente. As críticas foram logo abafadas pela militância e odeputado retirado do local.

Ao Valor, o ministro Lula disse com exclusividade que terá "muito trabalho" na Casa Civil e perguntado sobre como se sentia ao voltar para Brasília respondeu, entre risos e fotos com admiradores: "Depende da quantidade de trabalho." E completou dizendo que começa a despachar quando a "chefe" mandar.

Apesar das palavras de ordem, o clima na posse de Lula como ministro não era de festa. Claramente havia ali um ar de resistência, enfrentamento e "disposição para a guerra", como descreveu uma autoridade.

Dilma, a única a discursar, falou de combate à corrupção e de uma Justiça que só é justa, forte e digna de respeito "quanto mais seus agentes agirem com retidão e qualificarem suas decisões com serenidade, discrição e impessoalidade".

Em seguida, tratou da divulgação de suas conversas com o ex-presidente Lula cujo sigilo foi quebrado pelo juiz Sergio Moro, ontem. Dilma começou dizendo que o Brasil não poderia se submeter a uma "conjuração que invade as prerrogativas constitucionais da Presidência da República".

Explicou que enviou o termo de posse ao aeroporto para que o ex-presidente Lula assinasse, como foi gravado pela Polícia Federal, porque a esposa de Lula não está bem e ele poderia não comparecer à cerimônia de posse, ontem. Porém, a posse de Lula estava marcada para terça-feira. "Nós queremos saber quem autorizou [o grampo], porque o autorizou e por que foi divulgado quando ele não continha nada, nada, eu repito, que possa levantar qualquer suspeita sobre seu caráter republicano", disse a presidente, que considerou o fato uma agressão.

Sem citar diretamente o juiz Sergio Moro, que autorizou a interceptação, ou os protestos que pipocaram em várias cidades, a presidente afirmou que "convulsionar a sociedade em cima de inverdades, de métodos escusos e de práticas criticáveis" viola a Constituição e que "os golpes começam assim". Na cerimônia lotada, faltaram os pemedebistas. A presidente dava posse também ao deputado Mauro Lopes (PMDB-MG) na Secretaria de Aviação Civil. Dividido e cada vez mais incerto em seu apoio ao governo federal, os caciques do partido não compareceram à posse.

 

Fora do Palácio, enquanto Lula tomava posse, um cordão de isolamento duplo, policiais fortemente armados, carros de polícia, bombeiros e uma Esplanada dos Ministérios parcialmente fechada para o trânsito, era palco de mais protestos. Já era noite e o grupo, mais numeroso que os 300 da manhã, ainda continuava os protestos quase permanentes, 15 horas de mobilização.Segundo estimativas da Polícia Militar, 300 pessoas defendiam a posse de Lula, agitavam bandeiras vermelhas e gritavam apoio ao governo. Do outro lado, 2,6 mil pediam a saída de Dilma.

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Governo estuda medidas contra juiz

Bruno Peres

Fernando Torres

 

O governo reagiu ontem à divulgação de interceptações telefônicas entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocorrida após o fim do sigilo das investigações relacionadas ao petista, e estuda quais medidas adotará em resposta aos procedimentos do juiz responsável em primeira instância pela Operação Lava-Jato, Sergio Moro, que autorizou as gravações e levantou o sigilo do caso.

Os ministros da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, e da Justiça, Eugênio Aragão, disseram que existe "evidente ilegalidade" na divulgação dos áudios que envolvem a presidente.

"Me parece que ele [Moro] não tinha competência para divulgar essa comunicação telefônica", disse Cardozo, acrescentando que sigilo de telefonemas envolvendo a presidente Dilma Rousseff configura inclusive "questão de segurança nacional". "Parece absolutamente claro que esse sigilo só poderia ser quebrado pelo STF".

Em contraponto Aragão, que chegou a afirmar que "não existe ninguém neste país com o monopólio da moralidade, da salvação da pátria", Cardozo afirmou que Moro está sujeito a cometer erros, "como qualquer ser humano", mas que a forma "precipitada" e sem amparo legal com que foram divulgados áudios de telefonemas entre Dilma e o ex-presidente não "invalida" o que Moro tem feito "de bom" para o país.

Avaliação semelhante Cardozo fez em relação à Polícia Federal, ao afirmar que o corpo técnico da PF é muito competente, o que não significa que os policiais sempre acertem na elaboração de relatórios de investigação.

Eugênio Aragão, afirmou que a PF, subordinada ao ministério, faz "a interpretação que quiser" em seu relatório sobre gravação de telefonema entre a presidente Dilma e o ex-presidente Lula, no qual há a indicação de tentativa de obstrução da Justiça a partir da nomeação de Lula para o comando da Casa Civil.

Aragão disse considerar "muito claro" que "não houve ali intenção de absolutamente nada". Cardozo, por sua vez, disse que a preocupação do governo nunca foi conceder prerrogativa de foro a Lula.

Cardozo também afirmou ontem, em mais de uma ocasião, que a precipitação da divulgação da ligação entre Dilma e Lula gerou uma controvérsia absolutamente "desnecessária". "Tivesse respeitado a legislação, não teríamos tido tudo que aconteceu ontem [quarta]", disse o ministro, em referência à reação popular.

Em entrevista à imprensa, o ministro da Justiça evitou comentar a menção ao seu próprio nome feita por Lula em uma das gravações divulgadas. Aragão afirmou que não caberia qualquer tipo de julgamento ou avaliação, sobretudo em função do caráter reservado em que a conversa de Lula se deu com um de seus interlocutores.

"É uma prova cabal de que minha atuação foi sempre pautada pelo absoluto republicanismo", completou ao ser questionado sobre cobrança feita por Lula para que ele cumprisse "papel de homem" como ministro da Justiça. Em seu discurso de posse, Aragão adotou um discurso enfático em defesa da democracia.

Ontem à noite, sem citar diretamente sua decisão de compartilhar as gravações de ligações do ex-presidente Lula e de seus familiares no sistema eletrônico da Justiça Federal no Paraná, Moro defendeu a prática de compartilhamento de provas com outros órgãos públicos quando há "interesse público".

O juiz deu a declaração a uma plateia de auditores fiscais, em evento que ocorreu em Curitiba, sob organização da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil Unafisco). Ele dava como exemplo o compartilhamento de provas obtidas em investigação criminal para gerar um procedimento de ordem tributária.

No despacho em que quebrou o sigilo das interceptações telefônicas do ex-presidente, inclusive uma conversa com a atual presidente, Moro também citou o "interesse público" como argumento para sua decisão de divulgar os áudios.

 

Sobre as manifestações a favor do governo marcadas hoje, ao mesmo tempo em que ainda ocorrem nas ruas diversos protestos a favor do impeachment, Moro voltou a defender que a população mantenha a calma e que os atos sejam pacíficos. "Numa democracia, divergências politicas constituem algo normal. E o fato de alguém ser divergente não o transforma em inimigo",afirmou o juiz.

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Advogado de Lula pedirá a nulidade das gravações

Zínia Baeta

Beatriz Olivon

 

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aguarda uma definição sobre sua nomeação como ministro para pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a nulidade das gravações telefônicas divulgadas nesta semana.

Além disso, os próprios advogados de Lula, do escritório Teixeira Martins Advogados, pretendem apresentar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma reclamação contra o juiz Sérgio Moro, por desvio funcional, em razão da interceptação de ligações dos profissionais da banca - o que seria vedado pelo Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906 de 1994). A representação poderá ser direta ou por meio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Segundo o advogado, Cristiano Zanin Martins, um dos profissionais que representa o ex-presidente, é preciso aguardar a definição da competência da esfera judicial que avaliará os processos do ex-presidente. Mas logo que definida, além da nulidade das gravações, a defesa pretende alegar o cerceamento de defesa e do contraditório nos inquéritos que envolvem seu cliente.

Conforme Martins, quando o ex-presidente prestou depoimento à Polícia Federal, em 4 de março, foi solicitado a Moro uma certidão de todos os inquéritos existentes contra Lula. Conforme o advogado, na certidão expedida pelo magistrado constariam apenas dois. Por isso, ele diz ter sido surpreendido com a divulgação de gravações de uma investigação que a defesa do ex-presidente não sabia existir, mas da qual deveria ter sido legalmente informada.

"O juiz omitiu na certidão procedimentos que estão ocorrendo, mas que deveriam estar lá", diz Martins. De acordo com o advogado, o magistrado poderia decretar o sigilo e negar o acesso justificado às informações, mas não expedir uma certidão incompleta. "Isso prejudicou sobremaneira o direito à ampla defesa", diz, acrescentando que já seria esta uma causa de nulidade.

Outro ponto contestado pelo advogado é o fato de as gravações do ex-presidente e de outros colaboradores dele não terem uma indicação concreta de sua necessidade para as investigações, assim como a publicidade dada aos diálogos. Fatos que deveria ser observados, segundo ele, conforme o artigo 4º e 8º da Lei de Interceptação Telefônica. "A lei assegura o sigilo dessa conversa que só deve auxiliar o processo e não levar a intimidade das pessoas a público."

O advogado também pretende questionar a continuidade das gravações, mesmo após a suspensão da interceptação por Moro. Para Martins, a captação que já não tinha mais autorização judicial é uma interceptação ilegal a qual foi dada publicidade.

Martins também afirma que o número do escritório Teixeira Martins Advogados, do qual é sócio, teve o sigilo telefônico quebrado como se fosse da empresa LILS - que atua no setor de eventos e pertence ao ex-presidente. Dessa forma, afirma que as conversas dos 25 advogados da banca com outros clientes teriam sido gravadas.

Segundo ele, a questão foi levada à OAB e às seccionais de São Paulo e do Rio de Janeiro para que tomem providências. Caso a entidade não o faça, o escritório deve reclamar perante o CNJ.

 

O presidente da comissão de direitos e prerrogativas da OAB-SP, Cid Vieira de Souza Filho, afirma que a entidade ainda analisa as medidas a tomar. Uma das possibilidades é entrar com medida administrativa no CNJ, que poderia levar o juiz a sofrer sanções administrativas. "Não se pode admitir combate à corrupção com violação de preceitos constitucionais", disse.  A OAB-RJ por nota destacou a necessidade de respeito à legalidade nas investigações da Lava-Jato. Na nota diz que o procedimento é "típico dosestados policiais", além disso, coloca em risco a soberania nacional e deve ser repudiado, "como seria em qualquer República democrática do mundo".