Correio Braziliense, n. 19250, 08/02/2016. Economia, p. 7

Crise põe varejo no atoleiro

CONJUNTURA / Em 2015, 81,1 mil lojas fecharam as portas. Com alta no desemprego, este ano e o próximo tendem a ser piores

 

RODOLFO COSTA

 

Os varejistas sentirão saudades de 2015. Mesmo após o setor ter registrado o pior resultado em vendas em mais de uma década, lojistas esperam por um ano ainda mais desafiador. Sem perspectivas de uma retomada da economia, a recessão vai manter o varejo no atoleiro em 2016. Com menos dinheiro circulando no mercado, as famílias devem permanecer cautelosas e menos dispostas a gastar. A contaminação dos fundamentos econômicos leva a Tendências Consultoria Integrada a estender as previsões negativas até o fim de 2017.

Para o economista João Morais, da Tendências, não há estímulo para que as famílias consumam. Nem mesmo a injeção de R$ 17 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como lastro dos empréstimos consignados será suficiente para salvar o varejo.

Na opinião do professor Carlos Alberto Ramos, da Universidade de Brasília (UnB), a taxa de desocupação vai alcançar os 10% ainda no primeiro semestre, podendo fechar o ano em 12%. “A deterioração do mercado de trabalho fará as famílias reduzirem os gastos ao que é básico. Não há nada que mude isso a curto prazo”, avalia.

O impacto desse esfriamento na avaliação dos empresários será a queda de investimentos. De 22 médias e grandes empresas, 40% suspenderam completamente a inauguração de lojas em 2016, de acordo com a consultoria GS&BGH. Entre as restantes, cerca de 30% reduziram planos de expansão de pontos comerciais. “Se a intenção de uma rede era abrir 15 lojas, agora vai abrir 10”, exemplifica o sócio-diretor da companhia, Marcos Hirai. Tamanha é a preocupação dos lojistas que o consultor não descarta uma revisão dos números. “Existe uma tendência de a crise se agravar”, afirma.

 

Defasagem

Hirai explica que a previsão de que 40% dos varejistas devam suspender a inauguração de lojas em 2016 foi fechada ao longo dos últimos quatro meses. “Mas os fundamentos continuam ruins. Sem o estancamento da crise econômica, a perspectiva é de que mais empresas decidam suspender a abertura de lojas”, afirma.

Pressionados pela queda no volume de vendas e pelo aumento de custos com mão de obra, energia elétrica e outros insumos, os lojistas estão fazendo o possível para não fechar as portas. A tarefa, no entanto, é cada vez mais desafiadora. Em janeiro de 2015, 719,3 mil empresas do varejo declaravam algum vínculo empregatício ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS).

Em dezembro, eram 638,2 mil. Isso indica o fechamento de 81,1 mil lojas ao longo do último ano, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), pois todas as lojas têm ao menos um funcionário. Em comparação com o último ano, houve elevação de 52% no número de empresas que pararam de funcionar. Para o economista sênior da entidade, Fábio Bentes, a falta de apoio da presidente Dilma Rousseff junto ao Congresso Nacional mina as possibilidades de uma retomada do varejo. Com isso, as chances são de o setor recuperar o crescimento apenas em 2018.

 

Sem efeito

“O governo está tentando se mexer, mas as medidas que vêm sendo adotadas são inócuas”, analisa Bentes. Por isso, ele não descarta que o processo de fechamento de lojas em 2016 seja ainda mais intenso do que no ano passado. Cientes da conjuntura, os empreendedores estão fazendo o possível para permanecer ativos e recorrendo a pedidos de recuperação judicial — medida adotada por empresas que perdem a capacidade de pagar as dívidas e querem evitar falência.

Em 2015, esses pedidos cresceram 37,7%, enquanto as recuperações judiciais decretadas subiram 35,5%, de acordo com dados do Serviço Central de Proteção ao Crédito (Boa Vista SCPC). Por sua vez, os pedidos de falência e as falências realmente decretadas avançaram 22,1% e 27,1%, acima das variações registradas pelos setores de serviços e indústria. Para Flávio Calife, economista da entidade, a conjuntura é altamente desfavorável ao comércio. “Estamos com uma crise grave de confiança, em um contexto em que o governo federal e o Banco Central perderam a credibilidade. A política fiscal e a monetária não estão claras”, critica.

Na opinião de Calife, algumas medidas anunciadas recentemente pelo governo, como aumento de tributos e estímulo ao crédito, são meramente paliativas e não convencem os agentes financeiros. “Como a política econômica não está bem definida, vai ser difícil convencer investidores e empreendedores de que a situação está melhorando. Assim, eles não tocarão novos projetos. E isso certamente vai impactar em fechamento, falência e expansão de empresas”, diz.

 

Frases

"A deterioração do mercado de trabalho fará as famílias reduzirem os gastos ao que é básico. Não há nada que mude isso a curto prazo”

Carlos Alberto Ramos, da Universidade de Brasília (UnB)

 

"Os fundamentos continuam ruins. Sem o estancamento da crise econômica, a perspectiva é de que mais empresas decidam suspender a abertura de lojas”