O globo, n. 30.159, 03/03/2016. País, p. 3
Rumo ao banco dos réus
Por: CAROLINA BRÍGIDO / ANDRÉ DE SOUZA / ISABEL BRAGA
BRASÍLIA - A formação de maioria no Supremo Tribunal Federal ( STF), com seis votos favoráveis à abertura de processo penal contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), provocou reação imediata na Casa ontem à noite, sinalizando que a situação política do deputado também pode se agravar. Um a um, líderes de partidos que agora se opõem a Cunha subiram na tribuna para pedir seu afastamento imediato do comando da Câmara. Adversários nas urnas, PSDB e PT se juntaram a PPS, PSOL, PPS e Rede.
Hoje, a sessão do STF continua, e Cunha poderá virar o primeiro dos acusados na Operação Lava- Jato com foro privilegiado a se tornar réu. Ele ainda é investigado em outros dois inquéritos, entre eles o que investiga a movimentação de milhões de dólares atribuídos ao deputado por contas na Suíça.
O líder do PSDB, Antonio Imbassahy ( BA), criticou a demora do Conselho de Ética em abrir o processo contra Cunha — o que só ocorreu anteontem à noite — destacando que houve uma série de manobras protelatórias. Cunha ouviu o discurso impassível, sentado na cadeira da presidência, olhando para o orador. Quando o discurso terminou, continuou presidindo a sessão, sem dar qualquer resposta. E repetiu o gesto nos demais discursos contra sua permanência no cargo.
— É um grande constrangimento que todos nós estamos vivendo. Para o PSDB e para a maioria da população, chegou- se ao limite, não resta outra alternativa senão o afastamento. Em benefício da democracia, da economia, solicito de maneira clara que o presidente Cunha renuncie. Será gesto de grande importância para a nação e poderá impulsionar o afastamento da presidente Dilma — afirmou Imbassahy.
“LEVANTE DESSA CADEIRA”
O petista Henrique Fontana endossou o pedido, falando em nome da bancada do partido:
— Levante dessa cadeira, se reúna com seus advogados e faça sua defesa, mas deixe o Parlamento trabalhar. Vivemos um momento que temos um presidente que aposta no quanto pior melhor. O papel de Cunha hoje na presidência da Casa é simplesmente usar a presidência em seu próprio benefício. Faço um apelo aos ministros ( do STF), que analisem o mais rapidamente possível o pedido de afastamento de Cunha.
O líder da Rede, Alessandro Molon ( RJ), disse que Cunha não tem mais condições morais e políticas de presidir a Câmara. Apenas Laerte Bessa ( PR- DF) defendeu Cunha: — Senhor presidente, estão prejulgando o senhor. Está cheio de juiz nesta Casa. Vossa excelência foi apenas denunciado, não está condenado. Peço respeito.
Também investigado na Operação Lava- Jato, o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), já foi logo avisando a jornalistas que não falaria do assunto.
— Me inclua fora dessa! Não me ponha nessa confusão — pediu Renan.
O julgamento de Cunha no STF termina hoje. Seis dos 11 ministros já votaram pela abertura de ação penal contra o peemedebista, suspeito de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no esquema de desvios de dinheiro da Petrobras. Segundo a denúncia do procurador- geral da República, Rodrigo Janot, Cunha exigiu propina de pelo menos US$ 5 milhões de um estaleiro em troca de contrato de navios- sonda pela Petrobras.
O STF também deve abrir ação penal contra a ex- deputada Solange Almeida ( PMDB- RJ), atual prefeita de Rio Bonito, por corrupção passiva. Ela é acusada de ter apresentado requerimentos de informação à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, em 2011, sobre os contratos de aquisição dos navios- sonda, conforme revelou O GLOBO. Os requerimentos teriam sido apresentados a pedido de Cunha, para pressionar o lobista Julio Camargo a retomar os pagamentos de propina. A operação funcionou e Cunha teria voltado a receber o dinheiro.
O primeiro a votar na sessão foi o relator do inquérito, ministro Teori Zavascki. Ele afirmou que há indícios suficientes contra Cunha e Solange para justificar a abertura de ação penal, iniciando uma nova fase das investigações.
— Há indícios robustos para receber parcialmente a denúncia — declarou Teori.
Para o ministro, Cunha “incorporou- se à engrenagem espúria protagonizada pelo então diretor da Petrobras Nestor Cerveró, por Julio Camargo e por Fernando Soares, bem como dela se fazendo beneficiário”. Na denúncia, Janot acusou o deputado de ter participado do esquema a partir de 2006, quando começaram a ser firmados os contratos para a aquisição dos navios- sonda. No entanto, Teori ressaltou que não há elementos concretos para sustentar esse trecho da acusação, e recebeu apenas parte da denúncia feita pelo MPF.
Para Teori, Cunha entrou no esquema a partir de 2010, quando foi procurado pelo lobista Fernando Baiano. O ministro disse que o único indício de que Cunha recebeu dinheiro desviado antes de 2010 vem de delações premiadas. E, para ele, delações não podem ser usadas isoladamente.
Teori comentou a operação de busca e apreensão feita no gabinete de Cunha ano passado. Os advogados reclamaram que não puderam se manifestar no processo depois da medida e, por isso, a denúncia não poderia ser julgada agora. Teori explicou que o resultado da operação não está nessas investigações. Disse que o correto teria sido pedir autorização ao presidente da Casa para a busca. Mas que teve que pedi- la ao diretor- geral da Câmara porque presidente era o investigado.
— A que ponto nós chegamos! — comentou, indignado, o ministro Marco Aurélio Mello.
Depois do relator, votaram da mesma forma os ministros Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. Para hoje, são aguardados os votos de Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski.
Perguntado se o julgamento era um recado contra a corrupção, Marco Aurélio respondeu:
— Sim, sem dúvida alguma. O que está havendo no Paraná ( onde tramita parte dos processos da Lava- Jato) e também na órbita do Supremo revela que a impunidade não pode mais prevalecer.
Cunha foi representado por Antonio Fernando, que foi procurador- geral da República e, no cargo, denunciou o esquema do mensalão ao STF.
Perguntas e respostas
– O que o STF decidiu ontem?
A maioria do tribunal ( seis de 11 ministros) decidiu aceitar a denúncia de corrupção passiva contra Eduardo Cunha. Com isso, caso nenhum ministro mude seu voto, ele passará da condição de investigado para a de réu.
– O que disseram os ministros?
Eles defendem que há indícios suficientes para a abertura de processo, fase em que serão analisadas as provas e que culminará com o julgamento. Cunha é acusado de cobrar propina de um estaleiro que fechou contratos com a Petrobras. Ele teria coagido a empresa por meio de requerimentos apresentados por uma aliada, a então deputada Solange Almeida ( PMDB- RJ). Ela também deve virar ré.
– Qual parte da denúncia foi rejeitada?
Os ministros entenderam que não há indícios suficientes para receber a denúncia pelos supostos crimes ocorridos durante a celebração de contratos firmados entre 2006 e 2007. Para os ministros, não há evidências de que os parlamentares participavam do esquema nessa época.
– Por que ainda não é possível afirmar que o presidente da Câmara é réu?
Até o fim do julgamento, que termina hoje, qualquer ministro pode alterar o teor de seu voto.
– Quem ainda falta votar?
Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Os demais ministros votaram a favor do recebimento da denúncia, o que é suficiente para transformar Cunha em réu.
– Após a decisão, Cunha terá de se afastar da presidência da Câmara?
Não. Isso não é automático. O afastamento também foi pedido pelo Ministério Público, mas o STF decidiu analisar separadamente. Não há data para que esse segundo julgamento ocorra.
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Por: ANDRÉ DE SOUZA /CAROLINA BRÍGIDO / RENAN XAVIER
BRASÍLIA - Referências ao mensalão, uso de expressões como “propinolândia” e “propinoduto”, e até a citação de um mito grego para sugerir que falta vergonha a Eduardo Cunha. Essas foram as estratégias do procurador- geral da República, Rodrigo Janot, para convencer os ministros do Supremo a receber a denúncia.
O procurador- geral da República terminou o voto recorrendo à mitologia:
— Diria que esse caso lembra e deve nos remeter a uma leitura atenta do julgamento de Sócrates, em especial do mito de Hermes. Zeus ( deus dos deuses), preocupado com o ocaso da raça humana, encaminha seu representante Hermes ( deus mensageiro), com dois atributos especiais, para que houvesse êxito na prática lícita da política para organizar a sociedade. Esses predicados eram respeito ao direito alheio e à Justiça, e “aidós”, a capacidade de se envergonhar. O caso realmente remete a uma leitura atenta do mito de Hermes.
Antes, Janot reforçou que Cunha e a então deputada Solange Almeida ( PMDB- RJ) usaram o cargo para forçar o pagamento de propina no esquema de corrupção na Petrobras.
— Cunha recebeu, no mínimo, US$ 5 milhões, e os dois indicaram a forma de lavagem do dinheiro — resumiu Janot.
Segundo ele, o lobista Fernando Baiano era quem distribuía a propina a Cunha e a outros políticos do PMDB. De acordo com a investigação, o presidente da Câmara recebeu dinheiro referente ao contrato firmado entre a Petrobras e o estaleiro sul- coreano Samsung. O lobista Julio Camargo seria o intermediário.
— Tudo ia bem na “propinolândia” quando surge uma dúvida jurídica no contrato firmado de comissionamento entre Julio Camargo e o Samsung. Com a suspensão do pagamento, Fernando Baiano começa a se movimentar e a exigir o restabelecimento, chegando ao ponto de dizer: “tenho compromisso com o deputado Eduardo Cunha. Você ( Camargo) deve pagar porque tenho um compromisso com ele” — disse Janot.
De acordo com o procuradorgeral, houve um “acerto”, a pedido de Baiano, para que Cunha agisse com o objetivo de restabelecer os pagamentos:
— Eduardo Cunha engendrou a forma através da qual ele restabeleceria o propinoduto. Ele expediria requerimento, pela Comissão de Controle da Câmara, para questionar a validade desses dois contratos de Júlio Camargo com a Samsung.
Sobrou até para o ex- procuradorgeral Antonio Fernando de Souza, responsável pela denúncia do mensalão, em 2006, e hoje advogado de Cunha. Souza contestou a realização de diligências após o oferecimento de denúncia, alegando prejuízo ao trabalho da defesa. Mas, segundo Janot, o mesmo procedimento foi usado pela PGR no mensalão.
Rodrigo Janot
Procurador- geral da República
“Cunha engendrou a forma através da qual restabeleceria o propinoduto”
“Tudo ia bem na propinolândia quando surge uma dúvida jurídica”