O globo, n. 30.175, 19/03/2016. País, p. 3

Lulinha paz e amor. De novo

Com posse suspensa, ex-presidente diz que não será ministro para brigar e discursa pela paz

Por: Silvia Amorim/ Mariana Sanches/ Sérgio Roxo/ Tiago Dantas/ Lauro Neto/ Fernanda Krakovics/ Juliana Castro/ Marco Grillo/ Jailton de Carvalho/ André de Souza

 

-BRASÍLIA- Com a posse na Casa Civil do governo Dilma Rousseff ameaçada por liminares judiciais, surpreendido pela dimensão do protesto pró- impeachment no domingo passado e diante da divulgação de conversas privadas que levantam suspeita sobre tentativa de obstrução à Justiça, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou-se ontem em uma versão repaginada do “Lulinha paz e amor” a uma multidão de militantes de esquerda na Avenida Paulista. Enquanto nas ruas os manifestantes atacavam as decisões judiciais contra Lula, o petista se esquivou de tocar no assunto e defendeu que não há espaço para ódio no país, aconselhando todos a não aceitarem provocações.

— Na hora em que a companheira Dilma me chamou eu hesitei muito. Ao aceitar ir para o governo veja o que aconteceu comigo: eu virei outra vez Lulinha paz e amor. Eu vou lá não para brigar mas para ajudar a presidenta fazer as coisas que têm que ser feitas nesse país. E não vou lá achando que aqueles que não gostam de nós são menos brasileiros do que a gente ou que a gente é mais brasileiro que eles — disse.

Em 27 de fevereiro, na festa do aniversário dos 36 anos do PT, Lula, em um dos discursos mais inflamados das últimas semanas, havia decretado a morte do “Lulinha paz e amor”. Ontem, a estratégia mudou. O estilo raivoso e de confronto que vinha adotando desde que foi alvo da condução coercitiva foi deixado de lado.

Apesar de cartazes e faixas contra o juiz Sérgio Moro e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o ex-presidente centrou seus ataques na oposição. Ele acusou os derrotados na última eleição de não saberem perder. Lula falou muito sobre a defesa da democracia.

— Tem gente neste país que falava em democracia da boca para fora. Eu perdi eleições em 1989, 1994, 1998 e, em nenhum momento, vocês me viram ir pra rua protestar contra quem ganhou. Eles acreditaram que iam ganhar. E quando a presidenta Dilma ganha, eles que se dizem social democratas e estudados, estão atrapalhando Dilma de governar — disse, complementando:

— Eu não quero que quem votou no Aécio vote em mim nem quem votou na Dilma vote nele. O que eu quero é que a gente aprenda a conviver de forma civilizada com as nossas diferenças.

Ao chegar ao ato, de cima do carro de som, o ex-presidente, que vestia uma camisa vermelha, gritou com a multidão “Não vai ter golpe”.

— Eles vestem roupa amarela e verde para dizer que são mais brasileiros do que nós. Corte a veia deles para ver se o sangue é verde e amarelo. É vermelho, como o nosso. Eles não são mais brasileiro que nós. Eles são o tipo que vão para Miami comprar roupa e a gente compra na 25 de Março.

No fim do pronunciamento, de quase meia hora, o ex-presidente conclamou a militância a não se envolver em confusão.

— Vocês, ao voltarem para casa, não aceitem provocação. Quem quiser ficar com raiva, que morda o próprio dedo.

Falando como ministro, Lula disse que fez a Dilma um único pedido.

— Eu falei para ela: ‘Dilma, eu não vou pedir muito para você. Eu só quero que você sorria pelo menos dez vezes por dia. Deixa de ficar mal-humorada para governar esse país com a tranquilidade que você precisa. Na terça-feira eu vou levar para ela uma fotografia disso aqui para ela ver que nem tudo em São Paulo é negativo — disse, garantindo que na próxima semana estará “servindo” à presidente.

Até chegar ao palco da Avenida Paulista, as primeiras palavras públicas de Lula sobre a divulgação da conversa entre ele e Dilma grampeada pela Lava-Jato tinham sido por meio de uma carta aberta à nação na noite de quinta-feira. No texto, ele disse ter sido vítima de “atos injustificáveis de violência” ao se referir à gravação telefônica e também fez um gesto ao Judiciário, dizendo acreditar na Justiça. Ontem o ex-presidente não mencionou a divulgação das suas conversas pessoais. Esse papel coube às lideranças que o acompanharam.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, atacou a publicidade de gravações sobre a intimidade da família do ex-presidente pela Lava-Jato:

— Isso é uma violência. Ninguém pode ter suas conversas íntimas publicadas para deboche das pessoas.

 

ATAQUES A SÉRGIO MORO

O presidente da CUT, Vagner Freitas, defendeu que o país se “livre” do juiz Sérgio Moro:

— Esse é um ato pela democracia. Aqui não tem ninguém que quer fazer do ódio sua palavra ou dividir o Brasil em dois. O Brasil está sofrendo um golpe da democracia onde um juiz acha que pode substituir o voto. Quem manda somos nós que temos voto. O Moro não grampeou o Lula e a Dilma, mas a democracia, o estado de direito e o Brasil. Vamos nos livrar do Moro.

A manifestação em São Paulo, que teve 80 mil pessoas segundo a Polícia Militar e 380 mil na estimativa dos organizadores, foi a maior entre todas as realizadas em 55 cidades dos 26 estados e do Distrito Federal em favor do governo. Em todo o país, a PM estimou a presença de 269 mil pessoas, e os organizadores, 1,2 milhão de manifestantes.

No Rio, a Praça XV foi o ponto escolhido pelos manifestantes. O ato, em tom cultural, teve, entre outras, a presença de artistas e intelectuais, como o cantor Geraldo Azevedo e a atriz Letícia Sabatella. O protesto foi marcado por palavras de ordem contra Eduardo Cunha e Sérgio Moro. Houve pedidos pela candidatura de Lula em 2018.

Em Brasília, a concentração ocorreu no Museu da República. Participaram do ato o ex-ministro Gilberto Carvalho e o filho do ex-presidente Jango, João Vicente Goulart, que questionaram a divulgação da gravação entre Dilma e Lula.

— O que quer esse juizinho? Dois, cinco, cem cadáveres para justificar o rompimento da ordem constitucional — provocou João Vicente. ( Silvia Amorim, Mariana Sanches, Sérgio Roxo, Tiago Dantas, Lauro Neto, Fernanda Krakovics, Juliana Castro, Marco Grillo, Jailton de Carvalho e André de Souza).

 

“Ao aceitar ir para o governo eu virei outra vez Lulinha paz e amor. Eu vou lá não para brigar mas para ajudar a presidenta. E não vou lá achando que aqueles que não gostam de nós são menos brasileiros do que a gente”

Luiz Inácio Lula da Silva

Ex-presidente da República