O globo, n. 30.186, 30/03/2016. País, p. 9

Moro pede desculpa por polêmica sobre grampo

Em documento enviado ao STF, juiz diz que não teve intenção de causar 'constrangimentos desnecessários'

Por: André de Souza/ Renata Mariz

 

- BRASÍLIA E SÃO PAULO- Em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal, o juiz federal Sérgio Moro pediu desculpas três vezes pela polêmica que provocou ao divulgar diálogos do ex- presidente Lula gravados pela Polícia Federal. Por outro lado, aproveitou para dizer também que vários dos telefonemas interceptados mostram tentativas de Lula de obstruir as investigações contra ele no âmbito da Operação LavaJato. Para Moro, existe uma “fundada suspeita de ocultação de patrimônio em nome de pessoas interpostas”.

O texto de Moro é uma resposta ao pedido de informações feito pelo ministro do STF Teori Zavascki. O ministro determinou que toda a investigação contra Lula que corre na Justiça Federal do Paraná, sob os cuidados de Moro, seja remetida ao STF. A decisão definitiva será tomada pelo plenário do tribunal. Nas gravações, há vários diálogos de Lula com autoridades que têm prerrogativa de foro, ou seja, que só podem ser julgadas pelo STF. Uma delas é com a presidente Dilma Rousseff. Mas Moro diz entender que a investigação contra Lula, cuja posse como ministro está suspensa, é competência da primeira instância.

“De todo modo e, como adiantado, vendo retrospectivamente a questão, especialmente após a controvérsia gerada e inclusive depois da referida decisão de V. Ex ª ( Teori Zavascki), compreendo que o entendimento então adotado por este julgador possa ser considerado incorreto ou, mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi, porém, a intenção deste julgador, ao proferir a aludida decisão de 16/ 03, provocar tais efeitos, e por eles, solicito novamente respeitosas escusas a este egrégio Supremo Tribunal Federal”, diz Moro em um dos trechos em que pede desculpas.

Moro também negou ter atuado com viés político ou ter feito qualquer vinculação com o impeachment de Dilma quando divulgou os vídeos. “O levantamento do sigilo não teve por objetivo gerar fato político- partidário, polêmicas ou conflitos, algo estranho à função jurisdicional, mas, atendendo ao requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva que podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça”, diz o juiz.

A divulgação dos áudios, em especial o que sugere que Dilma nomeou Lula ministro da Casa Civil para que ele pudesse escapar de eventual prisão, esquentou a crise. A conversa se tornou pública no dia em que se confirmou a nomeação de Lula, o que lhe daria foro privilegiado, tirando o caso das mãos de Moro. No telefonema, Dilma diz: “Seguinte, eu tô mandando o Messias junto com papel pra gente ter ele, e só usar em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?”. O governo sustenta que Dilma enviou o documento porque Lula não sabia se estaria presente na posse.

Moro diz que Lula pode ter tentado obstruir a Justiça, recorrendo a autoridades ou usando terceiros para isso. Entre as pessoas que poderiam ajudar estavam Dilma, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, o ministro Jaques Wagner, e parlamentares. Moro destaca, porém, que não há provas de que eles tenham ajudado Lula.

Ao falar do diálogo em que Dilma trata do termo de posse de Lula, Moro diz que a própria presidente negou o caráter ilícito da conversa. Assim, diz o juiz, não há razão para que o caso fique sob os cuidados do STF, responsável por julgar eventuais crimes da presidente.

 

“CORRUPÇÃO É SUPRAPARTIDÁRIA”

Sobre a indicação de Lula para a Casa Civil, Moro escreve: “Usualmente, assumir ou não posto de ministro de Estado é questão irrelevante do ponto de vista jurídico- criminal. No contexto, porém, já referido, de obstrução, intimidação e de influência indevida na Justiça, a aceitação ou não pelo ex- presidente do cargo ganhou relevância jurídica, pelo menos para ele. Daí a manutenção nos autos de diálogos interceptados nos quais o tema é discutido.”

Sobre a polêmica envolvendo a interceptação de telefones de advogados, Moro disse que autorizou o grampo apenas do celular de Roberto Teixeira, amigo e defensor de Lula. E que mandou retirar uma conversa de Lula com outro advogado, que não era investigado.

Ontem, em simpósio em SP, Moro afirmou que a corrupção não é o único problema do país, mas é suprapartidária. Para o juiz, a corrupção sistêmica é grande desafio às instituições, pois, se não for combatida, tende a ficar ainda pior:

— A corrupção não é o único problema do Brasil, mas é suprapartidária. ( Colaborou Cleide Carvalho).

 

“O levantamento do sigilo não teve por objetivo gerar fato político- partidário, polêmicas ou conflitos”
Sérgio Moro
Juiz responsável pela Lava- Jato

_______________________________________________________________________________________________________

Entidades reúnem 2 milhões de assinaturas para medidas contra corrupção

Atores participam de ato de entrega dos documentos no Congresso Nacional

Por: Jailton de Carvalho

 

- BRASÍLIA- Representantes de mais de 60 entidades civis entregaram ontem ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), documentos com 2.028.263 assinaturas de apoio ao pacote de dez medidas de combate à corrupção elaborado pelo Ministério Público Federal, especialmente por procuradores da força- tarefa da Operação Lava- Jato, de Curitiba. Antes de o pacote ser encaminhado ao Congresso, uma solenidade na Procuradoria- Geral da República reuniu os representantes de entidades civis e integrantes do MPF, entre eles o procurador da República Deltan Dallagnol, que atua na Lava- Jato.

As assinaturas darão base à conversão das propostas em projetos de lei de iniciativa popular. A iniciativa do MPF tem o apoio de vários setores da sociedade. Os atores Cássia Kiss Magro, Luana Piovani e Thiago Lacerda foram ontem a Brasília participar da solenidade. Em reunião com Eduardo Cunha, os líderes do movimento cobraram a aprovação rápida e integral dos textos preparados pelos procuradores.

— Esperamos que as medidas sejam aprovadas sem alterações e com celeridade. Isso está claro para todos nós. Não podemos dar espaço para impunidade — disse Marcos Paulo Ferreira, um dos coordenadores do grupo Mude - Chega de Corrupção.

Segundo ele, Cunha recebeu as propostas e disse que daria os encaminhamentos necessários. Para Ferreira e outros manifestantes, não há qualquer constrangimento em entregar a Cunha um pacote de medidas de combate à corrupção, embora o presidente da Câmara seja alvo de quatro inquéritos em um processo por corrupção no Supremo Tribunal Federal ( STF) abertos a partir das investigações da Lava- Jato.

— Hoje a sociedade se reorganiza, toma as rédeas de sua história e passa a atuar contra o mal contra o qual nos insurgimos há muito tempo. Hoje plantamos a semente de esperança, de um outro país com o qual sonhamos há tanto tempo, um país mais justo, com menos corrupção, menos impunidade — disse Dallagnol.

O pacote, enviado ao Congresso ano passado, prevê a classificação de corrupção como crime hediondo, tipifica o caixa dois como crime e determina até o fechamento de partidos envolvidos em corrupção de forma sistemática.

Na solenidade, quando teve a presença anunciada no palco, Dallagnol foi tratado como herói. A plateia passou a gritar: “Deltan, Deltan, Deltan”. Um homem na plateia gritou: “Patriota”. Ao defender as medidas de combate à corrupção, Dallagnol pediu ao público para repetir a frase: “Não vamos desistir do nosso país”. A plateia respondeu em coro.

Dallagnol conversou longamente com os artistas. Thiago Lacerda pediu para ser convidado para outros atos similares. O ator disse que estava difícil confiar em algum homem público no país, mas agora, com a ofensiva da Lava- Jato e os projetos de combate à corrupção, a situação mudou. Cássia Kiss afirmou que agora está sendo plantada a semente de um novo país.

Órgãos relacionados:

  • Câmara dos Deputados
  • Congresso Nacional