O globo, n. 30.185, 29/03/2016. País, p. 3

Começa o desembarque

PMDB formaliza hoje saída do governo; Henrique Alves entrega cargo, e Kassab libera bancada do PSD

Por: Silvia Amorim/Israel Braga/ Simone Iglesias/ Catarina Alencastro

 

BRASÍLIA- Às vésperas do rompimento do PMDB, marcado para hoje, o governo sofreu ontem dois novos golpes que revelam o agravamento da crise política: o ministro Gilberto Kassab ( Cidades) admitiu publicamente ter liberado a bancada do PSD para votar livremente sobre o impeachment; e o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, entregou no fim da tarde sua carta de demissão, justamente quando o Planalto fazia esforço para manter a fidelidade dos sete ministros peemedebistas em defesa do mandato da presidente Dilma Rousseff.

Apesar dos esforços do Planalto e até de uma conversa do ex- presidente Lula com o vice- presidente Michel Temer, o PMDB formaliza hoje, em reunião do Diretório Nacional, o fim da aliança com o governo. Henrique Alves foi o primeiro ministro do partido a entregar o cargo, e, em carta à presidente Dilma, disse que o diálogo entre a legenda e o governo “se exauriu”.

Com 31 deputados, o PSD também começou a dar os primeiros passos para se afastar do PT e da presidente às voltas com um processo de impeachment. Esse movimento envolveu ações costuradas em Brasília e São Paulo, que ganharam corpo nos últimos dias. Em São Paulo, onde ontem à noite participou de um evento na Assembleia Legislativa, Kassab admitiu que os deputados de sua bancada votarão como quiserem, mas negou a existência de um racha na legenda quando indagado qual seria a voz majoritária no partido, se a favor ou contra o governo.

— Não existe racha. Em partido que libera não existe racha. O PSD é um partido unido em cima de propostas claras para o país. Em algumas circunstâncias, entende que, até pela razão de ser partido novo, precisa da liberação ( da bancada) para que cada um tenha o conforto de votar de acordo com a sua história — disse Kassab.

A decisão foi tomada semana passada, logo depois que o partido permitiu que um de seus parlamentares, Rogério Rosso ( PSD- DF), assumisse a presidência da comissão especial do impeachment na Câmara.

O partido ocupa desde dezembro de 2014 o Ministério das Cidades, um dos mais cobiçados da Esplanada. Mas lideranças do PSD dizem que não há condições políticas para o partido impor uma postura favorável ao governo a seus parlamentares. Nas contas de dirigentes da sigla, ao menos metade da bancada apoia hoje o impeachment de Dilma.

— Os parlamentares estão sofrendo uma pressão muito grande de suas bases. Eles sabem que dependem dessas bases nas eleições, e neste momento fica difícil ir contra o que elas pedem — explicou uma liderança do PSD sobre o movialega mento pró- impeachment.

Diferentemente do PMDB, que marcou para hoje uma reunião para anunciar o afastamento do governo, o PSD não tem reuniões marcadas para isso. O ministro das Cidades, Gilberto Kassab, fundador do PSD, vinha evitando falar publicamente sobre o futuro da sigla. Por isso, o desembarque oficial do governo ainda é considerado algo remoto por lideranças da legenda.

Em São Paulo, uma outra frente do PSD que converge para o descolamento gradual do governo Dilma e do PT deverá ser oficializada nos próximos dias. O PSD terá uma candidatura a prefeito de São Paulo de oposição ao PT. Até pouco tempo atrás, Kassab costuranva uma candidatura neutra na maior cidade do país com o candidato Ricardo Patah. Nos últimos dias, o ministro acertou com o ex- tucano Andrea Matarazzo os detalhes finais da filiação dele ao PSD para sair candidato a prefeito de São Paulo.

— É tudo uma coisa só. São movimentos que indicam a forte tendência de afastamento do PSD do PT — afirmou uma liderança paulista do PSD.

No PMDB, o apoio ao governo está em franca deterioração. Ministro mais próximo de Michel Temer, Henrique Eduardo Alves pediu demissão do cargo de ministro do Turismo no fim da tarde de ontem. Há menos de um ano no comando da pasta, Alves se tornou ministro na “cota pessoal” de Temer em abril de 2015, quando Dilma resolveu agradar ao vice e se indispôs com o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL).

Alves assumiu no lugar de Vinícius Lages, afilhado político de Renan. A troca de ministros, à época, foi vista como gesto equivocado de Dilma, que comprava briga com um dos seus principais fiadores no Congresso. Assim que Lages foi demitido, Renan pôs em votação no Senado projeto que tinha forte resistência do Planalto: a mudança de indexador das dívidas dos estados e municípios com a União, que recalculou para menos os débitos.

Antes de entregar a carta de demissão, Alves conversou com Temer. Pesou na decisão a relação com o vice e os 46 anos de filiação ao PMDB. Entre os peemedebistas próximos a Temer, a permanência de Alves vinha causando mal- estar, pela iminência do desembarque. Ontem, na véspera da reunião do Diretório Nacional, Alves decidiu sair.

Na carta entregue à presidente, o peemedebista “coerência ideológica” e diz que o diálogo “infelizmente, se exauriu”.

“Todos sabem que sempre prezei o diálogo permanente. Diálogo este que, lamento admitir, se exauriu. Assim, presidenta Dilma, é a decisão que tomo. Estou certo de que sendo a senhora alguém que preza acima de tudo a coerência ideológica e a lealdade ao seu próprio partido, entenderá a minha decisão”, justifica a demissão.

Henrique Alves afirma, ainda, que a decisão ocorre porque seu partido resolveu seguir outro caminho e que deve ficar do lado de Temer, “companheiro de tantas lutas”: “O momento nacional coloca agora o PMDB, meu partido há 46 anos, diante do desafio maior de escolher o seu caminho sob a presidência do meu companheiro de tantas lutas, Michel Temer”.

A reação do deputado Paulo Teixeira ( PT- SP), ao saber da demissão de Alves do Ministério do Turismo, deu o tom de como o governo atuará para reagrupar a base após o desembarque do PMDB:

— Esse ministério do Henrique Alves vai ser ótimo para redistribuir para quem quer ficar com o governo — afirmou ontem o deputado. ( Colaborou Júnia Gama)

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OAB entrega novo pedido de afastamento de Dilma em meio a tumulto

Briga entre advogados pró- impeachment e defensores do governo tomou a Câmara

Por: Evandro Éboli / Israel Braga/ Manoel Ventura

 

BRASÍLIA- A entrega pela Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB) de novo pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, ontem, na Câmara, transformou o Salão Verde — principal espaço de acesso do público à Casa — e também o lado de fora em palcos de discussões, batebocas e troca de socos e pontapés entre manifestantes dos dois lados. Dentro da Câmara, foi uma guerra de palavras de ordem. Do lado de fora, os grupos chegaram a brigar fisicamente. Um conjunto de advogados ligados à OAB compunha a claque pró- impeachment. Do lado pró- governo, estavam muitos servidores e funcionários da Câmara e de gabinetes de parlamentares do PT, do PSOL e do PCdoB. A confusão teve início quando o grupo pró- governo tentou impedir o acesso dos integrantes da OAB ao setor de protocolo da Câmara.

— A nossa bandeira jamais será vermelha — gritavam os anti- Dilma, e também provocam os servidores ligados aos partidos de esquerda: — Vão ter que trabalhar! — Lula ladrão! Os pró- Dilma devolviam com gritos de guerra: — A verdade é dura, a OAB apoiou a ditadura! — Fora golpistas! Fora coxinhas! Seguranças da Câmara chegaram a se posicionar entre os dois grupos. O presidente da OAB, Claudio Lamachia, precisou usar um elevador privativo de deputados para acessar o setor de protocolo, fugindo da confusão. Ao deixar a Câmara, preferiu não seguir de carro e foi levantado nos braços de seus colegas da OAB. Lamachia também segurou uma bandeira brasileira, e quando deixou os ombros dos amigos, disse próximo ao ouvido de um integrante do grupo, em conversa presenciada pelo GLOBO:

— Esses filhos da puta acham que vão me intimidar — afirmou. Depois, mais calmo, disse: — Esperamos serenidade, que as pessoas tenham calma, que esse ódio diminua.

Do lado de fora, houve troca de socos e de pontapés. O estudante da UnB Rodrigo Mateus Almeida, que estava junto com um grupo de universitários, se envolveu numa briga com um grupo de pessoas ligadas à OAB, que o acusaram de dar uma voadora em um deles. Rodrigo foi encurralado e, depois de o jogarem ao chão, levou socos e pontapés.

— Eles me agrediram primeiro. Apenas reagi — disse Rodrigo Almeida.

Os manifestantes da OAB disseram que foi o estudante quem começou a confusão.

— Foi você quem começou tudo, deixe de ser mentiroso — disse André Assis, ligado à OAB.

Na petição entregue ontem, a OAB faz duros ataques à atuação da presidente Dilma e a acusa de usar o cargo de forma permissiva e de praticar atos para se manter no poder. A OAB não se restringiu às acusações de supostas irregularidades cometidas por Dilma nas pedaladas fiscais e incluiu trechos da delação de Delcídio Amaral, classificando ainda de “açodada” a nomeação do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil. O documento também cita as gravações dos diálogos de conversa entre Dilma e Lula e a acusa de tentar assegurar fôro ao petista.

“O açodamento da Excelentíssima Senhora Presidente da República na nomeação do senhor Luiz Inácio Lula da Silva (...) destinado a acomodar seu aliado no posto de Ministro de Estado (...) Daí surge o questionamento: qual o interesse público relevante e inadiável a justificar uma edição extraordinária do Diário Oficial da União que teve como único propósito formalizar a nomeação de um ministro de estado? (...) A instituição Presidência da República foi utilizada para a satisfação de interesses outros que não aquele de matiz pública (...)”, diz o documento da OAB.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), foi irônico ao comentar o pedido de impeachment apresentado pela OAB. Antigo desafeto da instituição, Cunha afirmou que a OAB estava “atrasada”, que o novo pedido vai entrar na fila e que não poderá ser aditado ao que está em tramitação.

— São momentos diferentes, circunstâncias diferentes e pessoas diferentes. Agora a Ordem veio um pouquinho atrasada, o pedido de impeachment já está tratando aqui há muito tempo — disse Cunha. (* Estagiário sob a supervisão de Paulo Celso Pereira)

 

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