O globo, n. 30.166, 10/03/2016. País, p. 4

‘Estão forçando a barra’, disse Lula sobre rumos da operação

Moro afirma que país precisa vencer desafios ‘ sem violência ou ódio’

Por: SIMONE IGLESIAS, CRISTIANE JUNGBLUT JÚNIA GAMA

 

BRASÍLIA- Na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), numa reunião que durou mais de três horas com dezenas de senadores da base aliada, o ex- presidente Lula criticou a atuação do Ministério Público na Operação Lava- Jato, dizendo que sofre “perseguição política”. O expresidente disse, no entanto, que estava pronto para a “guerra”. Ele reafirmou que não era necessário ter sido levado de forma coercitiva para depor e fez um desabafo dizendo que ele e a ex- primeira- dama Marisa Letícia estão “tristes com a situação”. Lula reclamou que queriam colocá- lo dentro da Lava- Jato “de qualquer jeito”.

— Lula falou que não se oporia a depor, mas que fizeram de tudo para colocá- lo na LavaJato. Ele falou um pouco mal do Ministério Público. Está triste, incomodado e disse que dona Marisa não está bem — relatou um dos senadores.

A reunião na residência de Renan havia sido combinada, a princípio, para ocorrer somente entre Lula e a cúpula do PMDB. O intuito era discutir saídas para a crise de governabilidade diante do acirramento da crise política. Mas senadores de diversos partidos, como PMDB, PDT, PCdoB e PT, compareceram ao encontro.

Na saída, Renan ficou lendo com Lula trechos da Constituição. Lula reclamou também que, quando tudo estava bem politicamente, não se questionava nada a respeito de seus atos.

— Agora, tudo tem que ser explicado. Estão querendo me incluir de todo o jeito. Estão forçando a barra — disse o expresidente aos senadores.

Renan, que também é investigado na Lava- Jato, disse que não se tratou diretamente das investigações da operação, que “ninguém pode ser contra as investigações”. Mas outros senadores afirmaram que Lula se defendeu das acusações:

— Ele não tratou das investigações, não seria o caso. Ali ninguém é contra as investigações. Todo mundo entende, no entanto, que é preciso que as investigações avancem, mas no devido processo legal — afirmou o presidente do Senado.

O líder do governo no Senado, Humberto Costa ( PT- PE), disse que Lula negou ser dono do tríplex de Guarujá e do sítio de Atibaia e contou aos senadores que está “indignado” com as denúncias. O ex- presidente afirmou que a todo o momento surgem novos fatos para tentar incriminá- lo.

— Ele manifestou indignação por achar que tudo que está sendo assacado contra ele é um conjunto que não tem consistência — contou Costa.

O juiz Sérgio Moro participou ontem de um jantar- debate em Curitiba, promovido pelo Lide, grupo empresarial liderado por João Doria Júnior, pré- candidato à prefeitura de São Paulo. No encontro, Moro afirmou que o quadro de corrupção sistêmica no país envergonha os brasileiros:

— Esse quadro nos envergonha, envergonha os brasileiros que acabam tendo uma imagem de malandro lá fora.

O Brasil, disse o juiz, não pode empurrar a questão para baixo do tapete:

— Uma coisa é a corrupção isolada. Outra é a corrupção sistêmica. Precisamos saber como chegamos e como sairemos dela.

À véspera de um fim de semana de manifestações contra e a favor do governo, Moro defendeu que o país ande para frente “sem violência ou ódio”. Sem citar possíveis enfrentamentos, Moro afirmou ainda que é preciso vencer os desafios:

— Já superamos crises econômicas terríveis, vencemos duas ditaduras, a do Estado Novo e a ditadura militar, tivemos triunfo contra a hiperinflação nos anos 90. Superamos tudo isso andando juntos. Devemos vencer andando juntos e caminhando para frente, não para trás. Devemos vencer sem violência ou ódio contra ninguém.

 

“Agora, tudo tem que ser explicado. Estão querendo me incluir de todo o jeito. Estão forçando a barra”

Luiz Inácio Lula da Silva

Ex- presidente da República

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

_______________________________________________________________________________________________________

Petista propõe foro privilegiado para ex- presidente

Proposta, que virou lei e foi derrubada pelo STF em 2005, beneficiaria Lula

Por: LETICIA FERNANDES

 

- BRASÍLIA- Preocupado com o que chamou de ilegalidades crescentes cometidas na Operação Lava- Jato, o deputado Wadih Damous ( PT- RJ) disse ao GLOBO ontem que estuda apresentar um projeto de lei restabelecendo foro privilegiado para ex- presidentes. Com Lula no centro da operação e dias após ele ser levado à força pela Polícia Federal para depor, o petista pode escapar de um possível julgamento pelo juiz Sérgio Moro caso seja beneficiado pelo projeto. Há uma preocupação real no PT de que Lula venha a ser preso no âmbito da Lava- Jato.

— Se um ex- presidente será julgado por atos que cometeu enquanto ocupava o cargo, que seja pela Corte Suprema. A Lava- Jato é uma operação ilegal, com um festival de práticas arbitrárias. O ( Sérgio) Moro não é um juiz, é um inquisidor — criticou o deputado, ao defender a ideia.

 

RESTRIÇÕES À DELAÇÃO

Wadih Damous já é autor de projetos de lei que restringem o uso da delação premiada no país. Entre os principais pontos estão o que criminaliza o vazamento de trechos de delações, e a necessidade de homologação das delações apenas no caso de acusados ou indiciados que respondam a processo em liberdade.

Antes da escolha do ex- procurador da Bahia Wellington Lima e Silva para o Ministério da Justiça, Lula defendia o nome de Damous, ex- presidente da Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB) do Rio, para assumir a pasta no lugar de José Eduardo Cardozo, realocado na Advocacia- Geral da União ( AGU). Com a decisão do Supremo Tribunal Federal de impedir que um membro do Ministério Público, caso de Wellington César, tenha cargo no Executivo, o nome de Damous pode voltar a ganhar força. Um dos maiores defensores de Lula na Câmara, o deputado assumiu a vaga na Casa em maio do ano passado, após articulação do ex- presidente, com o argumento de que o partido precisava de quadros jurídicos para sustentar as discussões sobre a Lava- Jato.

O fim do foro privilegiado para ex- presidentes passou a valer em setembro de 2005, após decisão do STF que julgou inconstitucional o dispositivo que criou o benefício. Três anos antes, em um dos últimos atos do então presidente Fernando Henrique Cardoso ( PSDB- SP), uma lei estendeu o foro privilegiado para ex- autoridades. O texto foi aprovado em um acordo com o PT, que à época era oposição. FH temia ser alvo de processo após deixar a Presidência, sobretudo se ficasse nas mãos de juízes de primeira instância, temor agora compartilhado por Lula.

 

AÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A ação direta de inconstitucionalidade da lei foi proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público. Os ministros do STF derrubaram a lei porque, para eles, a Constituição protege o cargo, não a pessoa que o ocupou.

Segundo a Constituição, o presidente da República, senadores, deputados federais e ministros têm o direito de serem processados e julgados pelo STF. O Superior Tribunal de Justiça ( STJ) é o foro para governadores e os tribunais de Justiça, para prefeitos. Essas prerrogativas permaneceram apenas para quem está à frente do cargo.

No caso de improbidade administrativa, crime previsto pelo Código Civil, não há mais foro especial para nenhum brasileiro. A lei foi derrubada por sete votos a três.

Órgãos relacionados: