O Estado de São Paulo, n. 44701, 07/03/2016. Política, p. A9

Caso de mulher de Cunha pode ir para Moro

Julia Affonso

Fausto Macedo

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, requereu ao Supremo Tribunal Federal que a investigação envolvendo a mulher e a filha do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) seja deslocada para as mãos do juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato. O procurador pediu o desmembramento dos autos que estão sob a guarda do ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo. Janot avalia que só deve permanecer na Corte a parte da investigação que envolve o parlamentar, por ele ter foro privilegiado.

Janot sustenta que Cláudia Cordeiro Cruz e Danielle Dytz da Cunha Doctorovich, mulher e filha do presidente da Câmara, estão envolvidas em parte dos crimes a ele atribuídos. O peemedebista foi denunciado na sexta-feira por corrupção, lavagem de dinheiro e falsidade eleitoral.

Segundo a Procuradoria-Geral da República, elas se favoreceram de valores de uma propina superior a US$ 5 milhões que Cunha teria recebido “por viabilizar a aquisição de um campo de petróleo em Benin, na África, pela Petrobras”.

“A reunião de imputados sem foro por prerrogativa de função não traria qualquer benefício à prestação jurisdicional, ao contrário, atrasá-la-ia sem ganhos”, destacou o procurador na petição a Teori. “Em relação a Cláudia Cordeiro Cruz e Danielle Dytz da Cunha Doctorovich, a necessidade de união não se verifica necessária. Não haveria razão para denunciá-las aqui (no Supremo) e separar os autos em relação aos demais agentes envolvidos nos fatos.”

O procurador-geral relata que “restou claro” que Cláudia Cordeiro Cruz é titular sozinha da conta Kopec - uma das contas na Suíça pela qual foi transmitido dinheiro ilícito, segundo a investigação da Lava Jato.

 

Viagens e grifes. Dessa mesma conta aparece como beneficiária do cartão de crédito Danielle, filha do deputado. O rastreamento do cartão de crédito mostra gastos sequenciais de grandes valores em restaurantes, hospedagens e viagens ao exterior.

“A conduta das investigadas adquire grau de autonomia apto a justificar a cisão processual”, escreveu Janot, ao requerer a remessa de cópia integral dos autos para a 13.ª Vara Federal de Curitiba, aos cuidados de Sérgio Moro, “com o intuito de apurar a conduta de todos os demais agentes envolvidos nos fatos que não possuam foro por prerrogativa de função”.

Na denúncia contra Cunha, o procurador assinala que Cláudia Cruz , “nada obstante tenha declarado ser dona de casa nos documentos bancários suíços gastou US$ 7,7 mil na loja da Chanel (grife de luxo) em Paris em 9 de janeiro de 2014”.

O rastreamento do cartão de crédito dos Cunha mostra, ainda, que a mulher do deputado réu gastou em 11 de janeiro de 2014 US$ 2,64 mil na Christian Dior, mais US$ 4,18 mil na loja Charvet Place Vendôme e ainda US$ 2,94 mil na loja de roupas Balenciaga.

No dia 2 de março de 2014, agora em Roma, a mulher do presidente da Câmara gastou US$ 4,49 mil na Prada e seis dias depois, já em Lisboa, outros US$ 3,53 mil na Louis Vuitton.

“A filha de Eduardo Cunha também efetuou diversos gastos, inclusive em lojas de grife”, apontou Janot. “Todos estes valores foram pagos com parte do dinheiro de propina recebido por Eduardo Cunha.” Cunha nega ter recebido propinas no esquema de corrupção instalado na Petrobras.

 

CUNHA E A OPERAÇÃO

Denúncia

Navios-sonda

Eduardo Cunha é acusado pela Procuradoria-Geral da República de ter recebido propina de US$ 5 milhões para viabilizar a construção de dois navios-sonda da Petrobrás, de 2006 a 2012. O procurador Rodrigo Janot pediu a condenação do presidente da Câmara pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O STF acatou a denúncia, por unanimidade, na semana passada.

 

Denúncia 2

Contas secretas

O deputado é acusado de se beneficiar de um contrato de US$ 34,5 milhões fechado pela Petrobrás, em 2011, no Benin, na África. O negócio pode ter servido para irrigar quatro contas na Suíça que tinham como beneficiários Cunha e sua mulher. A investigação no Supremo tem como base documentos enviados pelo MP da Suíça ao Brasil. O STF ainda não se pronunciou sobre o caso.

 

Pedido de inquérito

Porto

Ele é suspeito de ter pedido propina no valor de R$ 52 milhões para intermediar a liberação de verbas do FI-FGTS e ter recebido os valores em contas na Suíça e Israel.

 

Janot enviou ao STF pedido do inquérito com base em delação de executivos da Carioca Engenharia, do Consórcio Porto Novo, responsável pela revitalização da zona portuária do Rio. O Supremo ainda não se pronunciou sobre o pedido.

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‘O afastamento vai se dar por renúncia ou via Conselho de Ética’

Antonio Imbassahy (PSDB-BA), líder do partido na Câmara

 

 

Há mobilização suficiente na Câmara para conseguir o afastamento ou a renúncia de Eduardo Cunha, considerando que o STF aceitou, por unanimidade, a denúncia contra ele?

O afastamento de Cunha vai se dar por meio da renúncia, que ele afirma que não fará, ou do processo do Conselho de Ética, que não pode sofrer mais nenhum tipo de retardo, de manobras que caracterizem postergar o processo.

 

Outros deputados também são réus em processos no Supremo, mas desempenham suas atividades parlamentares normalmente. Por que a situação de Cunha seria diferente?

A questão do deputado Eduardo Cunha é que ele exerce a função de presidente da Câmara e se coloca na linha sucessória da Presidência da República numa situação de impedimento da presidente. São dois fatores significativos. Só a questão de ele representar o Poder Legislativo seria suficiente para, na condição de réu, se afastar.

 

O PSDB demorou para “desembarcar” de Cunha?

Durante 2015, o PSDB esteve muito atento ao impeachment da presidente. Mas vieram as revelações de que o presidente Eduardo Cunha tinha contas não declaradas no exterior. Naquele momento, o PSDB se afastou, não negligenciou com a ética. Desembarcou exatamente quando apareceram as contas, e Cunha não teve condições de explicá-las.