Correio braziliense, n. 19286, 15/03/2016. Política, p. 2

LULA É A ÚLTIMA CARTADA DO GOVERNO DILMA

CRISE NA REPÚBLICA » Ao assumir a Secretaria de Governo, o ex-presidente ganha foro privilegiado. As denúncias contra ele passam para o Supremo Tribunal Federal. Oposição vê "escárnio" e planeja ação para impedir posse
Por: PAULO DE TARSO LYRA E NAIRA TRINDADE

PAULO DE TARSO LYRA

NAIRA TRINDADE

 

Os 4 milhões de manifestantes que foram às ruas no domingo protestar contra o governo e o PT pesaram na decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deve aceitar se tornar ministro da presidente Dilma Rousseff. Ele telefonou ontem para a presidente e os dois devem se encontrar pessoalmente, entre hoje e amanhã, em Brasília, para a conversa final. Lula deve assumir a Secretaria de Governo, pasta hoje comandada pelo ministro Ricardo Berzoini.

A oposição já prepara uma ação para impedir que o ex-presidente assuma um ministério. “Achamos um escárnio a nomeação de Lula apenas com a finalidade de blindá-lo”, afirmou o líder do DEM na Câmara, Pauderney Avelino (AM)

Ministro, Lula terá a missão de conversar com os movimentos sociais, acalmar a militância petista e articular a aprovação, no Congresso, dos projetos de interesse do governo. A outra opção seria a Casa Civil, mas isso foi rejeitado porque Lula ficaria preso à parte administrativa, sem liberdade para fazer política.

Ao ver a multidão nas ruas, no domingo, pedindo o impeachment da presidente e prisão dele próprio, Lula resolveu minimizar as críticas de que estaria apenas em busca de foro privilegiado para escapar do juiz Sérgio Moro, que conduz a Lava-Jato. O único empecilho é a dúvida se o processo que envolve o ex-presidente relativo ao tríplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia e que corria até ontem na 4ª Vara Criminal de São Paulo, sob a responsabilidade da juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira (leia mais abaixo), causaria algum obstáculo legal à nomeação de Lula para a Esplanada.

A decisão política, contudo, já está tomada. A vinda de Lula é a última esperança da presidente Dilma Rousseff de escapar do processo de impeachment. A esperança é que Lula consiga retomar um diálogo com uma parcela da população que está afastada do PT e do Planalto: as classes C, D, E, mais afetadas pela crise econômica.

A avaliação é de que não há como recuperar a popularidade na classe A, que sempre foi refratária ao PT,  e na classe média, apertada pela escalada inflacionária e assombrada pelo desemprego. Foram esses dois segmentos da população que lotaram as ruas no domingo. Lula, o PT e o Planalto querem dinamizar novamente a economia, com mais crédito para a população e um discurso vigoroso de otimismo para reacender a esperança na população mais carente. “Se Dilma conseguir chegar a 20%, 30% de popularidade, fica mais difícil de se falar em impeachment”, disse um petista.

“A decisão é dele, pessoal. Minha opinião é que ele deveria ir, independentemente dos protestos, mas é uma decisão difícil”, afirmou o presidente nacional do PT, Rui Falcão. Lula, segundo auxiliares próximos, também não estaria mais preocupado com a possibilidade de que o impeachment da presidente Dilma, mesmo com a presença dele no governo, pudesse manchar-lhe a biografia.

“É uma questão de dignidade. Para Lula, seria muito mais fácil e cômodo ficar em São Paulo resolvendo os próprios problemas. Ele quer vir para Brasília para ajudar o governo”, disse um cacique que despacha no Instituto Lula em São Paulo.