Título: Trânsito em julgado
Autor: Corrêa, Maurício
Fonte: Correio Braziliense, 09/10/2011, Opinião, p. 21

Há um mal-estar geral a pairar sobre a cabeça dos juízes brasileiros. A causa está nos limites de competências reconhecidas ao Conselho Nacional de Justiça pela Resolução nº 135, de 15 de julho passado, nas hipóteses de sanções disciplinares de juízes. A norma trata consequentemente da uniformização de regras de procedimentos disciplinares acerca do rito e das penalidades a que estarão sujeitos os magistrados do país se acaso infringirem os preceitos do ato normativo.

Recorde-se a esse respeito que o CNJ não contou à época das discussões do projeto de sua instituição com o apoio dos juízes brasileiros. Ainda mais no formato hoje vigente, conforme manifestações públicas expressas na oportunidade pelos órgãos representativos dos magistrados brasileiros. Também não contou com a aprovação dos tribunais superiores do país, muito menos do Supremo Tribunal Federal.

Quando o projeto da minirreforma do Poder Judiciário retomou andamento no Senado Federal, nos primeiros meses de 2004, tive oportunidade, como presidente do Supremo Tribunal Federal, de expressar o pensamento oficial da corte. Em 18 de fevereiro daquele ano, em audiência pública a que compareci na Comissão de Constituição e Justiça, abordei os pontos do projeto sobre os quais havia divergência entre a posição que defendíamos e o texto em debate.

Salvo critérios particularizados de alguns temas da emenda, não havia divergência entre a opinião oficial que institucionalmente defendia e a essência do projeto em discussão, a não ser no que se refere ao modelo que se pretendia adotar para o funcionamento do Conselho Nacional de Justiça. Como o ponto nodal dos debates circunscrevia-se à relação nominal dos titulares de composição do órgão, o entendimento que formulava era contrário à presença nele de pessoas estranhas à magistratura. Tanto que, em reunião administrativa do STF realizada em 5 de fevereiro de 2004, por maioria de votos, decidiu-se que o órgão deveria "ser formado apenas por magistrados, podendo oficiar junto a esse órgão, sem direito a voto, membros do Ministério Público e integrantes da OAB", segundo registra a ata da reunião.

Os votos contrários dos membros do Supremo foram pela participação no conselho de representantes do MP, da OAB, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com divergência de um voto da minoria que foi favorável à integração das duas primeiras entidades, entretanto com exclusão de representantes de cada uma das Casas do Congresso Nacional. Com minha aposentadoria do tribunal, outra vez provocada a corte sobre a matéria em sessão administrativa já sob nova presidência, a maioria voltou atrás e pronunciou-se favorável à proposta então vencida.

Boa parte dos debates travados a respeito do controle externo ¿ diga-se CNJ ¿ na fase final de discussão no Senado girou em torno dos nomes das entidades que deveriam compor a sua formação. Como a maioria dos senadores estava comprometida com uma versão que incluísse representantes do MP, da OAB, da Câmara Federal e do Senado, além de juízes, sabia-se que seria esse o modelo a ser aprovado. Os argumentos contrários de uma composição heterogênea estranha à magistratura já haviam sido vencidos e não havia mais foro adequado para audiência de juízos discordantes. Estava embutido na ideia do controle externo o pressuposto das atribuições do órgão, relacionado às finalidades de sua constituição.

Este artigo não tem o escopo de externar considerações sobre a procedência ou improcedência jurídica da arguição de inconstitucionalidade da Resolução nº 135, do CNJ, e em vias de votação no STF. Passou o momento em que defendi posições institucionais do Judiciário com o encaminhamento até, pela natureza administrativa do tema, de argumentos políticos. Sem os contornos da situação, meu pensamento se prende hoje ao que observo do lado de cá na condição de povo e de advogado. E esse tem sido o de que, convertida a proposta de emenda em norma da Constituição, só mesmo a existência de inconstitucionalidade declarada pelo STF da resolução regulamentadora é que poderia pôr em risco a efetiva aplicação da disciplina do controle externo.

São graves as responsabilidades da Suprema Corte perante o país no julgamento da ação. O poder competente do Estado, o Congresso Nacional, votou e aprovou a proposta que criou o CNJ. É verdade que a ação se dirige contra a eficácia imediata de normas disciplinares do rito e das penalidades a que estão sujeitos os juízes, mantendo-se hígidas as disposições da Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Não se pode negar que existe um saldo positivo pela instauração de algumas dezenas de processos disciplinares contra juízes. Se há excessos, é o caso apenas de contê-los.

É de supor que, ao decidir a questão constitucional dos dispositivos da Resolução nº 135, do CNJ, a corte não possa também exercer algum juízo de conveniência política, como já tem feito em julgamentos passados. É desalentador saber que juízes culpados por atos ilícitos no desempenho de função jurisdicional não sejam punidos pelos órgãos correcionais dos tribunais. A par da possível existência de violações constitucionais, não se pode deixar de ter presente o saldo positivo das ações moralizadoras prestadas pelo CNJ.