O Estado de São Paulo, n. 44751, 26/04/2016. Política, p. A9

PROCURADORIA REJEITA MP DE LENIÊNCIA

Parecer de Ela Wiecko afirma que medida provisória vai contra esforços colocados em prática nos últimos anos para combater a corrupção
Por: Isadora Peron / Gustavo Aguiar

 

Isadora Peron

Gustavo Aguiar

 

A Procuradoria-Geral da República (PGR) classificou como inconstitucional a medida provisória apresentada em dezembro do ano passado pelo governo para acelerar os acordos de leniência entre o poder público e empresas envolvidas em escândalos de corrupção, como a Lava Jato.

Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal, a vice procuradora- geral Ela Wiecko recomenda que a Corte aceite a medida cautelar proposta pelo PPS em fevereiro e suspenda a validade da Medida Provisória 703, que alterou a Lei Anticorrupção para acelerar os acordos de leniência. A MP ainda tramita no Congresso.

Editada em 18 de dezembro pela presidente Dilma Rousseff, a medida provisória tem o objetivo de permitir que empresas investigadas por corrupção em operações da Polícia Federal, como a Lava Jato, voltem a prestar serviços para o poder público. Na avaliação do governo, os acordos de leniência poderiam ser a solução para evitar quebradeiras e impedir o aumento da crise, principalmente no setor da construção civil. A nova regra também permite que o acordo de leniência seja firmado por várias empresas, e não só pela primeira que manifestar interesse em colaborar com as investigações.

No texto, a procuradora afirma que a medida provisória vai contra os esforços colocados em prática nos últimos anos para combater a corrupção e que "considerações de ordem macroeconômica" não podem ser usadas como pretexto para atenuar as punições a empresas que cometerem ilícitos.

"A competência excessivamente ampla para celebração dos acordos, com reflexos potenciais sobre ações de improbidade e todos os benefícios do art. 16, § 2, da lei alterada pela Medida Provisória, debilita fortemente o princípio da responsabilidade, deturpa a finalidade do instituto da leniência e fere a eficiência da administração pública na prevenção e repressão de atos ilícitos", afirma o texto.

A medida provisória apresenta inovações, como a possibilidade de o Ministério Público e Tribunal de Contas da União (TCU) serem excluídos da análise dos acordos de leniência firmados entre empresas e órgãos públicos, caso estes possuam instâncias de controle – como a Controladoria Geral da União (CGU), por exemplo, subordinada ao governo federal. Essa proposição foi considerada “absurda” pela procuradora.

“Mais absurdo ainda, do ponto de vista constitucional, seria admitira hipótese de acordo de leniência firmado com órgão administrativo poder prejudicar a pretensão punitiva formulada na esfera criminal, ainda mais sem que tenha havido participação e concordância do órgão competente do Ministério Público”, diz o parecer.

Na ação direta de inconstitucionalidade contra a medida provisória, o PPS alega que a Constituição proíbe que MPs alterem o rito de processos judiciais ou administrativos. O partido afirma ainda que a MP,“ editada na ‘calada da noite’, não tem como prosperar em razão dos vícios insanáveis de inconstitucionalidade”. No Supremo, o caso está sob a relatoria da ministra Rosa Weber.

 

Justificativa. À época, a presidente Dilma alegou ter medo da “espetacularização” das ações da Polícia Federal. “Não podemos achar que destruir empresas seja uma ação adequada para combater a corrupção”, argumentou ela. O presidente da CUT, Vagner Freitas, chegou a dizer, na cerimônia de assinatura da MP, que os acordos são importantes porque o País precisa “virar a página”.