Correio braziliense, n. 19310, 08/04/2016. Política, p. 5

PGR recomenda anular nomeação

Mariana Pedroza

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recomendou ao Supremo Tribunal Federal (STF) ontem a anulação da nomeação do ex-presidente Lula para a Casa Civil. No parecer de 50 páginas, Janot assinala que houve “desvio de finalidade” da presidente Dilma Rousseff ao nomear Lula para o cargo e, assim, garantir-lhe foro privilegiado. Num dos trechos do parecer, o procurador deixa claro que a posse do ex-presidente como ministro teve intenção de afetar as investigações na Operação Lava-Jato. Na edição de 29 de março, juristas avaliaram ao Correio que a conduta de Dilma pode configurar crime de responsabilidade ou improbidade administrativa.

O envio do documento ao STF serve para orientar duas ações movidas pelo PSDB e pelo PPS contra a posse do ex-presidente. As ações estão sob relatoria do ministro Gilmar Mendes que, em 18 de março, suspendeu a nomeação de Lula por meio de liminar que deve ser analisada pelo plenário do STF. O parecer já era aguardado por Mendes, que na última terça-feira se manifestou dizendo que estava à espera do documento produzido por Janot para levar o caso ao pleno, para apreciação dos demais ministros.

 

Gravação

No texto, o procurador-geral da República discorre sobre o termo de posse que Lula teria assinado para assumir o cargo. Janot defendeu que a situação é de uma “atuação fortemente inusual”. Segundo o parecer, a presidente da República reconheceu, em nota à imprensa e durante o pronunciamento na posse de Lula, que lhe encaminhou o documento para que fosse assinado e devolvido caso o novo chefe da Casa Civil não pudesse comparecer à cerimônia. “A atitude [é inegavelmente inusual] e reforça o conjunto de indícios de desvio de finalidade, porquanto a posse de agentes públicos deve ocorrer mediante assinatura do respectivo termo, pessoalmente ou por procuração específica”, escreveu Janot.

Sobre a ideia de que a nomeação à Casa Civil também foi feita para garantir foro privilegiado à Lula, o procurador fez referências à gravação divulgada pelo juiz Sérgio Moro de uma conversa entre Dilma e o ex-presidente na véspera da posse. Para Janot, “houve brusca antecipação da posse. Ela fora publicamente marcada para 22 de março de 2016, mas veio a ser antecipada para 17 de março de 2016, imediatamente após levantamento do sigilo das interceptações do nomeado por parte da vara federal e sua subsequente divulgação pela imprensa”.

 

O documento encaminhado ao STF esclarece também que não há dúvidas de que Lula teria condições de emprestar reforço político a Dilma e ao governo, dada sua experiência como ex-presidente da República e a sua “qualidade de habilidoso negociador”. No entanto, o parecer defende que, considerando os 70 anos de idade do ex-presidente, todos os atrasos nas investigações causados pela nomeação à Casa Civil podem beneficiá-lo caso seja acusado penalmente. O Correio fez contato com a defesa de Lula, mas não recebeu resposta até o fechamento desta edição. O Instituto Lula não quis se pronunciar sobre o assunto.

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Sítio em Atibaia é alvo de ladrões

O sítio frequentado pela família do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e investigado na Operação Lava-Jato, em Atibaia, no interior de São Paulo, foi alvo de ladrões na tarde de ontem. De acordo com a Polícia Civil, os criminosos entraram no local a partir de arrombamento e furtaram objetos.

Policiais militares foram ao local por volta das 16h e fizeram buscas pela região. Dois suspeitos teriam sido detidos e, com eles, os policiais encontraram garrafas de vinho importado e charutos, que teriam sido furtados do sítio. Um terceiro suspeito estava sendo procurado.

Por volta das 17h30, uma equipe liderada pelo delegado Elton Costa seguiu para o sítio. Até as 19h, era feita uma perícia na propriedade na tentativa de checar se outros objetos teriam sido levados pelos ladrões.

O sítio foi alvo de uma varredura da Polícia Federal no início de março, durante a 24ª fase da Operação Lava-Jato. A PF e o Ministério Público Federal suspeitam que o ex-presidente Lula seja dono da propriedade. A casa principal teria sido reformada com recursos da empresa Odebrecht, também investigada na Operação.

 

A propriedade foi comprada nos nomes de Fernando Bittar e do empresário Jonas Suassuna. Bittar é filho do sindicalista Jacó Bittar, amigo do ex-presidente desde a época em que atuavam no Sindicato dos Metalúrgicos, e sócio de um dos filhos de Lula. Pertences pessoais de Lula e dona Marisa Letícia foram observados no sítio, segundo relatórios da Polícia Federal relativos à 24ª Fase da Lava-Jato. Quando Lula deixou a presidência, no fim de 2010, parte do acervo retirado do Palácio do Planalto foi levado para o sítio. No local foi feita uma adega.

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Lula depõe em Brasília

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou depoimento na manhã de ontem à Procuradoria-Geral da República, em Brasília, em inquérito relacionado à Operação Lava-Jato. Não há informações, no entanto, sobre em qual processo o petista foi ouvido. O ex-presidente é investigado por suspeita de receber pagamentos de empreiteiras acusadas de envolvimento em esquema de corrupção na Petrobras. Lula estava acompanhado do advogado Sigmaringa Seixas, ex-deputado pelo PT do Distrito Federal, e deixou Brasília após prestar o depoimento, de cerca de duas horas.

 

Em 4 de março, Lula havia sido forçado a prestar depoimento à Polícia Federal em São Paulo, por meio de um mandado expedido durante a Operação Aletheia, 24ª fase da Lava Jato. O mandado provocou reações favoráveis e contrárias à condução coercitiva.

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Renan e Jucá serão investigados no STF

A ministra Cármen Lúcia decidiu manter no Supremo Tribunal Federal (STF) trecho de inquérito da Operação Zelotes que cita os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR). A decisão é motivada por indícios de que os congressistas negociaram pagamentos de R$ 45 milhões com lobistas, em troca de aprovar emenda parlamentar de interesse de montadoras de veículos.

A Zelotes apura um suposto esquema de “compra” de medidas provisórias que prorrogaram incentivos fiscais à indústria automotiva. Grandes empresas desse setor, entre elas a MMC Automotores (que fabrica modelos da Mitsubishi no Brasil), teriam contratado lobistas para viabilizar a edição, pelo governo, e a aprovação, pelo Congresso, das normas (MP 471/2009, MP 512/2010 e MP 627/2013). A perda de arrecadação provocada por elas será de R$ 13 bilhões até 2020.

O consultor João Batista Gruginski, um dos alvos da Zelotes, registrou em diário apreendido pela Polícia Federal que participou de uma reunião com os lobistas José Ricardo Silva e Alexandre Paes dos Santos, o APS, na qual este último teria mencionado a suposta negociação de propina com os senadores. Além de Renan e Jucá, APS teria mencionado Gim Argello (PTB-DF), cujo mandato se encerrou em 2014. O suborno de R$ 45 milhões seria dividido entre os três.

“APS vira-se diretamente para mim: sabe aquela emenda que você preparou? Estão negociando por quarenta e cinco (Gim Argello, Renan e Romero Jucá, relator), quinze para cada. A mesma emenda. Exatamente”, escreveu o consultor na página referente a 16 de abril de 2010.

Questionado sobre o registro no diário, APS — que está preso e responde a uma ação penal sobre a “compra” das MPs — negou ter feito os pagamentos. Ele disse que, ao mencionar propina a congressistas, se referiu a “boatos” que ouvira na época. “Foi o boato que eu ouvi em São Paulo e fiz a anotação. Estavam dizendo em São Paulo que teria que se pagar R$ 15 milhões para cada um dos parlamentares”, declarou.

A emenda seria incluída na MP 471, editada em 2009 e aprovada em 2010, mas o texto passou no Congresso sem nenhuma emenda. Num documento recentemente enviado à Justiça Federal, o Ministério Público Federal destaca a importância dos senadores na aprovação da norma.

Devido à menção aos congressistas, que têm foro privilegiado, o inquérito foi remetido para análise do Supremo. O mesmo caso apura suposto envolvimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do filho dele, Luís Cláudio Lula da Silva, no suposto esquema.

Luís Cláudio recebeu R$ 2,5 milhões de um dos lobistas investigados na Zelotes. Os investigadores suspeitam que os pagamentos possam ser uma “compensação” pela edição das MPs e a compra, pelo governo, dos caças suecos Gripen. O filho de Lula alega que os recursos estão relacionados a serviços prestados em sua área de atuação, o marketing esportivo.

Cármen Lúcia decidiu manter no Supremo somente a parte do inquérito que cita os dois senadores. O caso corre em segredo de Justiça. O restante da investigação, incluindo a que trata de Lula e Luís Cláudio, continuará tramitando perante a 10ª Vara da Justiça Federal, em Brasília.

Jucá negou, por meio de sua assessoria, recebimento de propina para favorecer montadoras. Ele ressaltou que a acusação já foi desqualificada pelo próprio autor — no caso, APS.

 

A assessoria de Renan informou que não seria possível contatar o senador para falar a respeito. O advogado dele, Eugênio Pacelli, disse desconhecer o caso.