Correio braziliense, n. 19322, 20/04/2016. Política, p. 3

Um governo, dois presidentes

Paulo de Tarso Lyra

Até a votação do processo de admissibilidade em meados de maio, o país — em crise econômica profunda — vive a esquizofrenia de conviver com um governo constituído, que só tem atenção para escapar do impeachment, juntar os cacos de uma base aliada fragmentada e exígua, e um grupo em ascensão, articulando apoios, garimpando nomes para ministérios e rascunhando ideias, mas que não pode se mover explicitamente porque não têm a caneta nas mãos.

No Planalto, ninguém sabe ao certo como serão as três ou quatro próximas semanas. Antes da votação de domingo, a presidente Dilma e seus auxiliares diretos projetavam para a segunda passada uma série de anúncios de “refundação” do governo, com medidas efetivas na área econômica, e a possibilidade de uma renúncia coletiva de ministros para dar liberdade à presidente para que ela formasse um novo gabinete.

A votação da Câmara foi uma pancada muito forte. Durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto no fim da noite de segunda, Dilma admitiu que precisará fazer um rearranjo no governo caso consiga — hipótese cada vez mais remota — reverter a situação no Senado. “Enfrentei o 1º, o 2º, o 3º e agora vou para o 4º turno. Além das medidas que nós já anunciamos, nós lançaremos outras medidas. Mas não posso antecipar”, disse ela.

Enquanto uma aturdida Dilma luta pela sobrevivência política — no próprio Planalto existem relatos de servidores esvaziando gavetas e de fotos da presidente sendo retiradas de gabinetes no Congresso —, em São Paulo, o vice-presidente Michel Temer enfurna-se em seu escritório político para desenhar os sinais do futuro governo. “Ele tem esse dilema. Não pode anunciar propostas ou nomes porque não tem poder, Mas não poderá se dar ao luxo de, caso o Senado confirme o afastamento em meados de maio, pedir mais um tempo para dar uma resposta à sociedade”, admitiu um integrante do grupo mais próximo de Temer.

A resposta mais imediata, sem dúvida, terá de ser dada na economia. Temer conversará hoje com o ex-ministro Delfim Netto, um dos gurus econômicos da legenda. Outros economistas estão ligados mais diretamente ao debate coordenado pelo presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Wellington Moreira Franco.

Temer já se reuniu pelo menos duas vezes com Armínio Fraga, ex-presidente Banco Central no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. “É uma sinalização para o mercado. Mas é claro que não dá para traçar linhas gerais neste momento porque existem variáveis, como câmbio e inflação, que deverão oscilar ainda mais nesse período”, afirmou outro interlocutor do vice-presidente.

 

Sucessão no Senado

O vice-presidente também terá o cuidado de buscar uma pacificação no próprio PMDB. No Senado, apesar de a evidente exposição do senador Romero Jucá (RR), presidente interino da legenda, o equilíbrio de forças na Casa deverá ser mantido. Quando Jucá foi indicado para ser vice na direção peemedebista, foi reforçado o acordo prévio que aponta o atual líder do PMDB na Casa, Eunício Oliveira (CE), como sucessor natural do atual Presidente do SenadoRenan Calheiros (PMDB-AL), em 2017.

Já na Câmara, há um grupo considerável de parlamentares que pressiona pela destituição do atual líder da bancada, Leonardo Picciani (RJ), que se manteve fiel ao Planalto e votou contra o impeachment. “Vou conversar pessoalmente como ele na próxima semana. Neste momento, é muito importante a unidade do PMDB”, disse Picciani ao Correio. Aliados de Temer dizem que o deputado permanecerá no posto.

Para o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, além de medidas econômicas, cortes de comissionados e enxugamento de ministérios, um possível governo Temer buscará reatar a ponte com o funcionalismo. “Existem uma série de projetos de reajuste abaixo da inflação que vão ser fundamentais para que o PMDB ganhe o apoio da máquina pública”, cobrou Toninho.

 

Frases

“Existem uma série de projetos de reajuste abaixo da inflação que vão ser fundamentais para que o PMDB ganhe o apoio da máquina pública”

Antonio Augusto de Queiroz, analista político

 

“Vou conversar pessoalmente como ele (Temer) na próxima semana. Neste momento, é muito importante a unidade do PMDB”

 

Leonardo Picciani, líder do PMDB na Câmara

_______________________________________________________________________________________________________

 

PT tenta juntar os cacos em São Paulo

 

Apesar da possibilidade de eventos ao longo dos próximos dias, o PT, os movimentos sociais e as centrais sindicais vão concentrar os protestos contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 1º de maio, Dia do Trabalhador. Se há um ano a presidente Dilma, acuada pelas panelas, limitou-se a fazer um pronunciamento nas redes sociais, evitando a convocação de cadeia de rádio e televisão, a ordem agora é que ninguém se esconda. “A expectativa para barrar o golpe não será no carpete do Congresso, mas no asfalto das ruas”, disse o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos.

A mobilização foi discutida ontem durante a reunião do Diretório Nacional do PT, em São Paulo. Por uma questão de agenda, o encontro não contou com a participação dos senadores petistas, que permaneceram em Brasília para debater a formação da comissão do impeachment. Mas teve a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que fez uma análise crítica e contundente do comportamento de partidos e de deputados que votaram contra o governo no último domingo.

O petista teria ficado especialmente irritado com o comportamento do PMDB do Rio de Janeiro. É o caso do deputado Washington Reis, por exemplo. Mas Lula, o PT e a presidente Dilma também se desapontaram com a atitude do deputado Tiririca (PR-SP), que se reuniu com Lula no hotel, e, horas depois, votou pelo afastamento; com o deputado José Priante (PMDB-PR), que esteve várias vezes no Planalto e não apoiou o governo; e com o deputado Mauro Lopes, que defendeu o afastamento apesar de ser ministro licenciado da Secretaria Nacional de Aviação Civil.

Para Boulos, a votação de domingo na Câmara sobre o processo de impeachment foi, na verdade, uma eleição indireta para presidente da República. “O plenário estava dividido entre quem queria Dilma e quem queria Temer”, afirmou. “A várzea a qual o país assistiu no domingo, lamentavelmente, com um pouquinho mais de requinte e de perfume, deve se repetir no Senado. O nível político é o mesmo”, acrescentou Boulos, que disse considerar ilegítimo um eventual governo Temer.

 

Vingança

O deputado estadual Raul Pont (RS) defendeu retaliações já a curto prazo, como a suspensão de alianças com os partidos “traidores” nas eleições municipais de outubro. No Rio, por exemplo, o PT já retirou o apoio à candidatura do peemedebista Pedro Paulo, nome do atual prefeito Eduardo Paes. Os petistas ficarão ao lado de Jandira Feghali (PCdoB) ou lançarão o nome de Wadih Damous (PT).

O presidente nacional do PT, Rui Falcão, apesar de agarrar-se a um fio de esperança de que o processo de impeachment possa ser revertido no Senado, não vê legitimidade em um possível governo Temer. “Não haverá trégua nem estabilidade a um governo que carece de voto popular”, disse. “Se essa hipótese vir a se confirmar, vamos combater esse programa de retrocesso, de cancelamento de direitos sociais e de privatizações”, acrescentou. (PTL)

 

Frase

“O plenário (da Câmara) estava dividido entre quem queria Dilma e quem queria Temer”

 

Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST