O Estado de São Paulo, n. 44726, 01/04/2016. Política, p. A4

STF MANTÉM INVESTIGAÇÕES SOBRE LULA NA CORTE E QUESTIONA GRAMPO DE DILMA

Crise. Supremo referenda liminar do ministro Teori Zavascki e critica as medidas tomadas pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância da Justiça, no episódio das escutas telefônicas com conversa entre a presidente e seu antecessor
Por: Gustavo Aguiar /Beatriz Bulla

 

Gustavo Aguiar

Beatriz Bulla / BRASÍLIA

 

Com críticas à atuação do juiz Sérgio Moro, o Supremo Tribunal Federal confirmou ontem, por oito votos a dois, a liminar do ministro Teori Zavascki que ordenou, semana passada, a remessa à Corte das interceptações telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e as investigações ligadas ao petista. A decisão de Moro de dar publicidade aos áudios de Lula obtidos nas investigações foi alvo de censura por integrantes do STF. Teori, relator da Lava Jato no tribunal, disse que será difícil confirmar a validade dos grampos em que Lula conversa com a presidente Dilma Rousseff. “Não há justificativa plausível para uma divulgação como a que ocorreu nesse processo, divulgação que, a meu ver, colocou mais lenha em uma fogueira cuja chama já estava muito alta em prejuízo da nacionalidade, da paz social, da segurança jurídica”, disse o ministro Marco Aurélio Mello. Após a decisão de Teori que determinou que a Justiça Federal em Curitiba enviasse o material sobre Lula à Corte, Moro enviou um ofício ao STF no qual pediu “escusas” pelas polêmicas e constrangimentos gerados com a divulgação dos áudios. Em plenário, Teori voltou a afirmar, com respaldo dos colegas, que os efeitos da decisão de dar publicidade aos grampos já foram causados. A atitude de levar a liminar para referendo do plenário foi tomada internamente no STF para dar força à decisão de Teori. Desde semana passada, quando decidiu o caso, ele vem recebendo críticas e ameaças. A Corte ainda decidirá, nas próximas semanas, se é válida a posse do ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil.

 

Inválido. O material obtido com a interceptação telefônica de Lula já chegou ao Supremo e será enviado à Procuradoria-Geral da República, a quem cabe pedir aberturas de investigação. Teori indicou problemas na captação da conversa entre o ex-presidente e a presidente Dilma Rousseff. “Uma das mais importantes conversas tornadas públicas foi gravada depois de ter sido suspensa a ordem de interceptação. De modo que será muito difícil convalidar a validade desta prova.” No áudio, Dilma avisa a Lula que vai antecipar o envio de um termo de posse como ministro para que o ex-presidente o use em caso de necessidade. Segundo Moro, o diálogo indica tentativa de obstruir as investigações contra o petista. O ministro lembrou ainda que outras operações já foram anuladas no STF e no Superior Tribunal de Justiça por irregularidades na condução das investigações. O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, citou que há casos em que juízes e policiais autorizam escutas ilegais sob a justificativa de há “encontro fortuito” de pessoas com foro privilegiado, sem menções à Lava Jato.

 

Desmembramento. Ontem, a Corte assegurou que cabe ao Supremo, e não a instâncias inferiores, decidir sobre o desmembramento de investigações que envolvam autoridades com foro privilegiado. Ou seja: por enquanto, por incluírem conversas com Dilma e ministros de Estado, os autos sobre Lula que estavam em Curitiba ficarão em sigilo no STF até que a própria Corte defina o que deve ser investigado e onde. Antes disso, no entanto, há perspectiva de que os ministros analisem a validade da posse de Lula como ministro da Casa Civil e se o ex-presidente tem direito ao chamado foro privilegiado. “Quem tem de decidir isso (desmembramento) é o Supremo. Não se pode tirar do Supremo essa competência”, afirmou Teori, que foi acompanhado pela maioria. Os ministros Luiz Fux e Marco Aurélio Mello discordaram parcialmente. Os dois defenderam a manutenção em Curitiba da parte das investigações contra Lula que não cita autoridades com foro privilegiado. Os dois concordaram, no entanto, que o juiz não poderia ter divulgado os áudios. Fux ainda defendeu Moro e sustentou que Dilma não estava sendo investigada. Em defesa de Dilma, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, disse que, apesar da atuação “abnegada” de Moro, a decisão do juiz de manter os grampos viola a Constituição. Para ele, o juiz devia encaminhar ao STF todos os autos assim que constatou a presença da presidente nos telefonemas.

 

Ilegalidades

 

“Não será a primeira vez. Por força de cometimento de ilegalidades no curso das investigações, o Judiciário já anulou outros procedimentos.”

Teori Zavascki

MINISTRO DO STF

 

“É evidente que, se houvesse algum procedimento, essa interceptação em relação à presidente da República teria de ser nulificada, porque não foi obtida com autorização do Supremo Tribunal Federal.”

Luiz Fux

MINISTRO DO STF

 

PARA ENTENDER

O que está em debate

 

O que foi decidido

A maioria do Supremo confirmou a liminar de Teori Zavascki na qual o ministro determinou que, por enquanto, todo o material das interceptações telefônicas e conexas aos casos de Lula devem ficar na Corte, retirando, assim, as investigações sobre o petista das mãos do juiz Sérgio Moro.

 

Desmembramento

Só o Supremo, pela decisão de Teori, pode fazer o desmembramento para deliberar quais casos em que há suposto envolvimento de autoridades com foro privilegiado – como a presidente Dilma Rousseff – são tocados pela Justiça de 1ª instância e quais devem ficar na Corte.

 

O que falta decidir

A Corte ainda tem 3 definições a fazer. Primeiro, se é válida a posse de Lula na Casa Civil. Se confirmar Lula como ministro, ele passa a ter foro privilegiado. Nesse caso, o Supremo terá uma segunda tarefa: decidir se afasta ou não o foro, como pediu o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

 

O argumento de Janot

Para Janot, que se manifestou pela validade da posse do petista, as investigações do ex-presidente devem ficar com Moro para evitar que a indicação ao ministério tenha servido para escolher a justiça perante a qual Lula seria processado. No STF, disse Janot, Lula ganha tempo, pois o andamento de ações é mais lento.

 

Os grampos telefônicos

Ainda que a Corte confirme a posse de Lula e determine que as investigações fiquem com Moro, há a terceira decisão: quais trechos dos grampos telefônicos devem ser investigados e por quem. Isso porque há conversas com autoridades com foro privilegiado – como Dilma e o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa.

 

Sérgio Moro

O material das conversas interceptadas, segundo anunciou Teori no julgamento de ontem, já está nas mãos do Supremo, que espera a manifestação de Rodrigo Janot sobre o caso. Até lá – e até a definição sobre a posse de Lula no ministério – o juiz Sérgio Moro continua impedido de conduzir os processos do ex-presidente.