O Estado de São Paulo, n. 3985, 15/04/2016. Brasil, p. A2

Instituições brasileiras estão sólidas, diz novo embaixador da Argentina

Por: Daniel Rittner / Murillo Camarotto

Por Daniel Rittner e Murillo Camarotto | De Brasília

 

O economista Carlos Magariños desembarcou no Brasil no dia 23 de março para assumir a Embaixada daArgentina na capital federal. Chegou no meio de uma das mais severas crises já enfrentadas pelo principal parceiro comercial de seu país, mas garante não estar "alarmado" com a situação. Em entrevista ao Valor, a primeira concedida desde sua chegada, o embaixador disse que o governo argentino está preocupado com a instabilidade brasileira, mas consciente de que as instituições estão funcionando.

Independentemente do desfecho que terá o governo da presidente Dilma Rousseff, Magariños ressalta que toda a América do Sul anseia pela retomada do protagonismo brasileiro na região. A seu ver, a disputa política é natural desde que as regras democráticas sejam respeitadas, o que, segundo ele, está acontecendo por aqui. "Não é um assunto da minha particular competência, mas tudo está transcorrendo em respeito às instituições", avaliou o novo embaixador argentino.

Por essa razão, Magariños não acredita que, em caso de queda de Dilma, os países membros do Mercosul ou da Unasul tenham motivos para solicitar a aplicação da cláusula democrática dos dois blocos, como ocorreu com o Paraguai em 2012. Dilma já se referiu à sua eventual destituição como um "golpe à paraguaia", em referência ao impeachment do ex-presidente Fernando Lugo, cujo processo no Legislativo durou cerca de 24 horas. "Hojenão parece haver nenhum elemento que nos permita supor que essa avaliação será necessária", afirmou.

O imóvel onde funciona a embaixada da Argentina em Brasília vivia uma espécie de isolamento durante os anos em que o casal Kirchner governou o país vizinho. O local era visto como um bunker, onde os jornalistas só tinham acesso caso a pauta tratasse da disputa pela posse das Ilhas Malvinas. Qualquer outro assunto era terminantemente proibido. Empresários também encontravam dificuldades e o contato de diplomatas com a sociedade civil, em seminários ou eventos públicos, era pouco habitual.

Em consonância com a guinada que o novo governo argentino já começou a implementar em sua política externa, Magariños garante que abrirá as portas da embaixada. Promete receber repórteres, empresários e organizar seminários, como o que vai comemorar os 25 anos de assinatura do Tratado de Itaipu - pilar jurídico do Mercosul. "O sentido de celebrar as efemérides não é fazer meramente um balanço do passado, mas projetar para o futuro as lições que podem ser aprendidas."

Para o governo Macri, o fortalecimento do Mercosul passa pela maior integração das economias de Brasil e Argentina. "As oportunidades que a Argentina tem de participar das cadeias globais de valor e dos fluxosinternacionais de comércio e investimentos estão muito ligadas aos interesses do Brasil. Pode-se construir complementariedade das economias a partir do diálogo dos setores privados e dos poderes públicos", disseMagariños.

Aos 53 anos, o embaixador construiu seu currículo com passagens pelos setores público, privado e acadêmico, além de organismos multilaterais. Entre outros postos, foi secretário de Indústria no governo argentino (gestãoCarlos Menem), representante comercial em Washington, membro associado da Universidade de Oxford e diretor-geral da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Onudi) de 1997 a 2005.

Para Magariños, a retomada do crescimento no comércio bilateral terá que passar por uma discussão intensa sobre as travas comerciais. Segundo ele, a maturidade macroeconômica de Brasil e Argentina ainda é baixa quando comparada à da União Europeia, por exemplo, o que acaba potencializando as restrições para o avanço dos negócios.

Entre as iniciativas para tentar dar novo fôlego às transações entre os dois países, o embaixador informou que até o fim deste mês será reaberta a comissão bilateral de comércio, que não funciona desde 2011. A missão doorganismo será de detectar abusos, inconsistências e descumprimentos de normas técnicas, além de promover a facilitação do intercâmbio de bens e serviços.

As estimativas mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia argentina apontam uma leve recessão neste ano, com retomada do crescimento em 2017. Esse movimento, no entanto, está bastante ligado à recuperação da economia brasileira. Magariños diz que o governo Macri está confiante nessa recuperação, mas ciente de que precisará de paciência. Segundo ele, a preocupação com o Brasil é "saudável".

"Somos muito respeitosos das instituições brasileiras e do processo político no país. Todos os observadores argentinos evidentemente acompanham esse processo com uma saudável preocupação. Não estamos alarmados, mas obviamente seria hipocrisia dizer que não estamos preocupados", afirmou o embaixador.