Correio braziliense, n. 19357, 25/05/2016. Política, p. 2

"Eu sei o que fazer em um governo"

Paulo de Tarso Lyra

Naira Trindade

Julia Chaib

Um dia depois de exonerar o ministro do Planejamento, Romero Jucá, o presidente em exercício, Michel Temer, fez um duro discurso antes do anúncio das primeiras medidas de ajuste fiscal de sua gestão. A intenção foi desconstruir a imagem de “frágil e coitadinho” do novo governo. Ele lembrou que a experiência acumulada por ter sido, por duas vezes, secretário de Segurança de São Paulo o cacifa a enfrentar dificuldades.

“Eu vi aqui: ‘Bom, mas o Temer está muito frágil, coitadinho, não sabe governar’, conversa! Eu fui secretário da Segurança Pública duas vezes em São Paulo, e tratava com bandidos. Então eu sei o que fazer em um governo, e saberei como conduzir”, enfatizou o presidente interino, visivelmente irritado.

Temer admitiu rever os erros no mesmo dia em que empossou o ministro da Cultura, Marcelo Calero — para a pasta que foi extinta e recriada. “Quando eu perceber que houve um equívoco na fala, um equívoco na condução do governo, eu reverei essa posição. Não tem essa coisa de não errei, não aceito errar, posso ter errado e procurarei não errar. Mas se o fizer, consertá-lo-ei”, assegurou, convicto.

Na primeira intervenção pública desde o discurso de posse, em 12 de maio, Temer diminuiu a serenidade da estreia, optando por passar uma imagem de administrador severo. Ele rebateu a tese de que, segundo ele “tentam criar, de que muda de posição com facilidade”.  E voltou a dizer: “Não há sem embargos de quererem apontar-me como alguém que muda de posição.  Ao contrário, nós temos que perceber que isso é fruto do diálogo, esse será o governo do diálogo. É isso que espero dos senhores”, cobrou dos presentes, a maior parte deles líderes dos partidos aliados.

Após o discurso de Temer, o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, ressaltou não haver “ilações” sobre a citação do presidente de ter trabalhado com bandidos. “Ele (Temer) já enfrentou problemas e tem estofo para aguentar qualquer tipo de pressão com diálogo e firmeza, sem violência. Ele está absolutamente preparado para enfrentar as pressões que o cargo impõe”, disse Geddel.

O discurso duro de Temer foi bem recebido pelos aliados e por analistas de mercado. “Temer precisava dizer o que disse. Foi um discurso para fora mas, também, para dentro do governo”, disse uma das principais lideranças da nova gestão no Congresso. “Ele precisava fazer isto”, completou outro parlamentar. Para interlocutores do mercado,  o governo Temer passava uma imagem de tibieza, algo arriscado neste momento de crise vivido pelo país. “Existem muitas coisas que precisam ser feitas neste momento de instabilidade, e os agentes econômicos começavam a duvidar da capacidade de Temer de fazê-las”, completou um analista financeiro.

 

Jucá

Uma das razões para Temer deixar claro que não está tão frágil como pensam aliados e, especialmente, adversários, foi a saída de Jucá do cargo de ministro. “É óbvio que o governo perdeu com isso. Temer agora está jogando baralho sem o coringa nas mãos”, disse um peemedebista experiente. “Jucá é um ótimo articulador, é querido na Casa e ainda tem capacidade de formulação econômica. Um nome destes não está disponível no mercado”, disse outro parlamentar experiente.

“Se Jucá continuasse no ministério, seria melhor para o governo e para nós, pois a resolução dos problemas seria imediata. Mas ele volta para o Senado, onde tem experiência suficiente para articular as medidas de interesse do governo”, elogiou o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA). “Ele tem uma capacidade de articulação natural”, completou o peemedebista.

O retorno de Jucá para o Congresso divide a opinião dos governistas em pelo menos um ponto. Deveria ele retomar o cargo de líder do governo no Senado, que exerceu durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff? Há quem defenda que sim.

Outros temem o desgaste natural da situação, já que a saída dele do cargo de ministro deveu-se ao vazamento de uma conversa gravada com o ex-diretor presidente da Transpetro Sérgio Machado, na qual os dois combinariam estratégias para interromper a Operação Lava-Jato. “Jucá não precisa de uma função para exercer a articulação política. De mais a mais, se ele conseguir provar, de fato, após a consulta feita ao Ministério Público sobre a gravação, ele está apto a voltar ao ministério e não ficará no Congresso”, disse um senador do PMDB.

 

Idas e vindas

»  Temer queria cortar os ministérios. Foi pressionado pela base e deu entrevistas dizendo que não conseguiria cortar mais do que três pastas. Foi criticado pela opinião pública e acabou cortando 10

»  O governo provisório foi criticado por não ter mulheres no primeiro escalão. Jogou a culpa nas indicações partidárias, mas até as áreas técnicas foram preenchidas com homens. Acabou nomeando Maria Sílvia para o BNDES e Flávia Piovesan para os Direitos Humanos

»  Por uma questão de economia, Temer fundiu a Cultura com a Educação. Tentou nomear uma mulher — cinco recusaram — e escolheu Marcelo Calero. No último sábado, resolveu recriar o Ministério da Cultura

»  O ministro da Justiça, Alexandre Moraes, discordou do critério de lista tríplice para escolha do procurador-geral da República. Foi desautorizado por Temer e recuou.

»  O ministro da Saúde, Ricardo Barros, defendeu mudanças no SUS, alegando que não havia recursos para assegurar a universalidade. Também teve de voltar atrás.

 

»  O ministro das Cidades, Bruno Araújo, anunciou o cancelamento da terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida. Depois, disse que, apesar dos recursos não estarem assegurados, o programa seria mantido.