Valor econômico, v. 17, n. 4001, 10/05/2016. Políticas, p. A6
A decisão do presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), de anular a sessão que aprovou o impeachment da presidente Dilma Rousseff começou a ser costurada na sexta-feira, com uma visita do advogado-geral da União (AGU), ministro José Eduardo Cardozo (PT), à residência do pepista e terminou em um jantar na casa de um dos vice-líderes dogoverno na Câmara, deputado Silvio Costa (PTdoB-PE).
Logo após o Supremo Tribunal Federal (STF) manter Eduardo Cunha (PMDB-RJ) afastado da presidência da Câmara e do mandato, o governo retomou as pontes construídas com Maranhão, negociadas quando o pepista contrariou seu partido e votou contra o impeachment. Uma das sinalizações é de que o pepista teria apoio e legenda do governador Flávio Dino (PCdoB) para concorrer ao Senado em 2018.
Cardozo foi à casa de Maranhão na sexta-feira, em um dos apartamentos funcionais de Brasília, informar sobre o recurso da AGU para anular a sessão da Câmara do dia 17. Expôs o que considera nulidades do processo e disse que o parlamentar, por seu currículo e origem humilde, precisava estar do lado certo da história. O parlamentar "ficou de avaliar", segundo governistas.
No mesmo dia Maranhão se encontrou com o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e depois seguiu para o Estado. Parte do "centrão" ligado ao pemedebista defendia que o grupo apoiasse o interino para evitar que ele pulasse para o lado do governo, mas não havia consenso no bloco - até ontem, quando o consenso era estudar formas de tirá-lo do comando da Casa.
Maranhão voltou à Brasília num jatinho da FAB na noite de domingo acompanhado de Dino, seu aliado e um dos principais articuladores de Dilma contra o impeachment, e seguiram direto para a casa de Silvio Costa, que já tinha combinado de jantar com o presidente interino. Ligaram para Cardozo, que chegava de São Paulo e foi ao encontro dos três.
O interino passou a noite em claro em um hotel de Brasília e, pela manhã, ligou na secretaria-geral da Câmara para avisar que o ex-deputado Márcio Junqueira (Pros-RR) levaria a decisão e iria junto ao Senado protocolá-la. Junqueira, que deixou o DEM para se aproximar do governo no primeiro mandato de Dilma, diz que é "assessor informal" de Maranhão e só acompanhou a entrega.
Nenhum dos técnicos da Mesa Diretora foi consultado ou participou da elaboração do parecer, segundo o primeiro secretário da Casa, deputado Beto Mansur (PRB-SP). Em nota, Cunha disse que a assessoria já tinha preparado relatório contrário ao recurso, que seria assinado no dia de seu afastamento pelo STF, e chamou a decisão de "absurda, irresponsável e antirregimental".
Silvio Costa, que não comenta sobre o jantar, rebateu à imprensa que não há participação do governo no relatório. "Ele não depende da Mesa Diretora para elaborar o parecer. Um parlamentar não tem o direito de consultar sua assessoria jurídica?", questionou o vice-líder.
No fim da tarde, governistas já lembravam que a AGU é responsável pela defesa jurídica da Câmara, discurso que servia para justificar o parecer e o recurso que a Casa estuda ingressar contra a decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de não devolver o processo para a Câmara.
O interino evitou seu apartamento durante todo o dia e ficou em um hotel até a hora de seu breve pronunciamento na Câmara, às 18h. Em dois minutos, limitou-se a comunicar a decisão, destacar seu currículo como professor e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e dizer que estava amparado na Constituição e no regimento. E rebateu Calheiros, dizendo que não está brincando com a democracia. "Decidi para que possamos corrigir em tempo vícios que serão insanáveis no futuro. Temos o dever de salvar a democracia pelo debate", disse.
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Presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA) se tornou alvo de partidos que, antes, analisavam eventual apoio à permanência dele no cargo. Defensores do impeachment da presidente Dilma Rousseff, que são ampla maioria da Casa, traçam estratégias para destitui-lo do comando. Até representação para cassar o mandato foi apresentada. Em outra frente, avançou ontem o processo para expulsar Maranhão da sigla.
Pelo menos 12 partidos articularam uma sessão extraordinária da Câmara para analisar hoje um recurso do ato do presidente interino de anular a votação de 17 de abril, em que, com voto de 367 deputados, a Câmara autorizou a abertura de processo de impeachment. Está em estudo se o plenário poderia declarar vaga a presidência da Casa, que é de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afastado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Isso convocaria nova eleição para o cargo.
Até deputados alinhados à presidente Dilma criticaram Maranhão e acusam o governo de buscar "desesperadamente a anulação de um ato legítimo". É o caso de Leonardo Picciani (RJ), líder do PMDB, e de Aloísio Mendes (MA), líder do PTN, que opinaram pelo arquivamento da denúncia e, ontem, assinaram, uma nota contrária à decisão de Maranhão, que teve apoio ainda do PTB, DEM, PP, PPS, SD, PRB, PSB, PSD, PSC e PHS.
"O plenário é soberano. Ele vai enfrentar uma dificuldade tamanha de presidir. Não tem condições políticas para isso", avaliou o líder do PSD, Rogério Rosso, que esteve à frente da comissão especial do impeachment na Câmara. Maranhão irritou também o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), que foi o relator.
Ao ficar ciente da decisão do presidente interino, Jovair convocou uma reunião para se estudar uma forma de tirar Maranhão do mais alto cargo da Casa. O "centrão" - PP, PSD, PR e PTB - ainda enxergava uma possibilidade de apoiar o pepista - na esperança de conquistar mais poder até em eventual governo Michel Temer.
O cenário mudou com a decisão do presidente interino. Mesmo deputados do PP, agora, defendem nova eleição para presidente da Câmara. Jerônimo Goergen (RS) e Júlio Lopes (RJ), dois dos principais articuladores do impeachment, conseguiram ontem que o processo de expulsão de Maranhão fosse aberto na comissão de ética da sigla. Técnicos da Casa ainda analisam se Maranhão perderia a vice-presidência.
Afastado da Câmara, Cunha, segundo um aliado, "largou" Maranhão a sua própria sorte. Antes, o pemedebista avaliava que um presidente fraco na Casa favoreceria sua influência política e, portanto, a melhor saída seria apoiar o deputado do PP.
Com assinatura do ex-ministro das Cidades e presidente do PSD, Gilberto Kassab, e do DEM, foi apresentado ontem uma representação no Conselho de Ética que acusa Maranhão de "abuso de autoridade". Não poderia anular uma decisão do plenário da Casa em ato unilateral, alegam.
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Por Maria Cristina Fernandes | De São Paulo
O presidente em exercício da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), não conseguiu emplacar o pedido de anulação do impeachment, mas propiciou uma janela de oportunidades para um punhado de personagens tirar uma casquinha do episódio.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), alvo de uma dúzia de denúncias no Supremo, fundamentou sua decisão de não devolver o processo de impeachment no respeito à decisão da Corte em avalizar o rito. Tivesse tomado decisão diferente, o senador se tornaria objeto de pressões políticas e sociais que poderiam torná-lo ainda mais exposto no STF.
O advogado-geral da União, José Eduardo Martins Cardozo, demonstrou, mais uma vez, uma atitude aguerrida da qual o PT descria. Candidata-se, assim, a disputar com lideranças como o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, o espólio do partido que pode ver sua liderança máxima impossibilitada de concorrer em 2018.
O vice-líder do governo, Sílvio Costa (PTdoB-PE), segue na linha de defensor mais radical do PT do que os próprios petistas. Ligado ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro (PTB), que perderá a proeminência, no Estado, para a tríade PSDB, DEM e PMDB, Costa cultiva o nicho de defensor da herança lulista no Estado. A raia talvez não baste para fazer do filho, que leva seu nome, um candidato competitivo à Prefeitura do Recife, mas pode lhe garantir a renovação do mandatoparlamentar.
Maranhão já estava com os dias contados na Mesa da Câmara. Sem reputação a defender, tentou uma prorrogação que lhe possibilitasse marcar pontos com com seu antecessor e com a política local do governador Flávio Dino (PCdoB).
A partir do episódio, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), passará a ser lembrado com mais nostalgia por seu partido. Sempre citado pela ameaça da delação-bomba, Cunha optou pela 'agenda positiva'. Subiu nos ombros de Maranhão para mostrar ao PMDB que seu abandono, além de revelações comprometedoras, pode trazer fortes emoções ao eventual governo Temer.