O Estado de São Paulo, n. 44762, 07/05/2016. Política, p. A4

Impeachment avança; Temer define base de apoio

A Comissão Especial do Senado aprovou ontem a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, último estágio antes da votação do afastamento temporário dela pelo plenário da Casa. A oposição venceu por larga margem: 15 votos a 5, em mais uma indicação de que o governo deve ser derrotado em todas as etapas na próxima quarta-feira. A cinco dias da votação em plenário e com dificuldades para montar seu primeiro escalão, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) concentrou as investidas para a formação do núcleo central de sua base de apoio no Legislativo nas quatro maiores bancadas com que pretende trabalhar, especialmente na Câmara dos Deputados: PP e PR, do chamado centrão, e PSDB e PMDB. Ele, porém, quer o compromisso de que os indicados para os cargos na Esplanada representem a totalidade dos grupos políticos das legendas.

 

Ontem, Temer confirmou Mauricio Quintella Lessa (PR-AL) nos Transportes e convidou o senador tucano Tasso Jereissati (CE), próximo do presidente do PSDB, Aécio Neves, para um cargo no futuro Ministério. Na prática, a estratégia do vice significa dizer que o indicados pelos partidos que ganharam ministérios devem garantir para o futuro governo a totalidade dos votos de seus parlamentar na Câmara dos Deputados e no Senado. Com o afastamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara, Temer avalia que precisa formar uma base sólida para enfrentar os primeiros dias de governo. Em visita a Cabrobó (PE), a presidente Dilma Rousseff afirmou que seus adversários querem afastá-la do cargo “porque querem esconder tudo embaixo do tapete”, numa referência à Operação Lava Jato, que tem o PMDB como alvos.

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Comissão aprova parecer de senador tucano por 15 votos a 5

Isabela Bonfim

Luísa Martins

Eduardo Rodrigues

 

A Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou ontem, 06, o parecer do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) pela admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O placar, já esperado, marcou 15 votos a favor e 5 contrários, além da abstenção do presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), que só votaria em caso de empate. O Planalto agora vê cada vez mais próximo o fim do mandato de Dilma sem muitas estratégias de reação.

A admissão do processo de impeachment de Dilma vai agora ao plenário do Senado, em votação prevista para quarta-feira. Caso aprovada, a presidente será afastada por 180 dias e o vice Michel Temer assume o Executivo, podendo montar seu próprio governo, indicando novos ministros e outros cargos. A comissão continua o seu trabalho, desta vez analisando o mérito do processo - ou seja, se a presidente é culpada ou inocente. A previsão é que o julgamento de Dilma ocorra em meados de setembro.

Diferentemente de outras sessões do colegiado, a votação foi rápida. Além de ter sido a mais curta das nove sessões do colegiado, com pouco mais de 2 horas, os senadores evitaram o embate direto. Não havia, tampouco, muito espaço para o debate. Com rito claramente definido, os líderes tiveram cinco minutos cada para orientar o voto aos colegas de bancada e, em seguida, a votação foi feita eletronicamente.

 

Campainha. No início, houve um princípio de discussão quando o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB) atribuiu ao petista Lindbergh Farias (RJ) acusações caluniosas contra o presidente da sigla, Aécio Neves (MG), em redes sociais.

Entre gritos de tucanos e petistas, o presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), suspendeu a sessão e pediu que a equipe técnica trocasse a campainha da sala, “que não estava à altura desse momento histórico do Brasil”, referindo-se literalmente ao volume do sino, insuficiente para abafar a gritaria.

Após a interrupção, os líderes encaminharam seus votos e deixaram clara a desvantagem dos aliados de Dilma.

 

 

‘Conjunto da obra’. Os discursos não se voltaram para a questão técnica do processo de impeachment. No relatório, Anastasia defendeu a delimitação das acusações, considerando indícios de crime apenas duas questões: a edição de seis decretos de crédito suplementares em desrespeito à meta fiscal e operações de crédito realizadas entre o Tesouro e o Banco do Brasil, relativos a pagamento do Plano Safra. Na tarde de ontem, os senadores preferiram se concentrar no que chamaram muitas vezes de “conjunto da obra”, um argumento global, seja contra ou a favor, em que reúnem diferentes atos da presidente que não estão sob análise no processo.

Com base na decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), que afastou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), do cargo de deputado federal e, consequentemente, da presidência da Casa, as senadoras Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Fátima Bezerra (PT-RN) requisitaram a suspensão do processo de impeachment no Senado, até que a própria Câmara responda aos recursos feitos por deputados da base do governo pedindo a anulação da votação daquela Casa que autorizou o processo de impeachment, em 17 de abril.

O presidente da comissão no Senado interpretou que não caberia a ele ou ao presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), tomar tal decisão. Por isso, Lira encaminhou o pedido das senadoras petistas ao plenário da Casa.

 

De toda forma, caberá a Renan colocar o recurso em votação, o que pode ocorrer até mesmo na segunda-feira. O recurso funcionaria como uma antecipação da votação do impeachment e dificilmente deve ser aceito pelos demais senadores.

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Último tango de uma nota só

Dora Kramer

 

Na comissão que ontem aprovou o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, um dos petistas mais críticos ao modo dela de governar, o senador Lindberg Farias, foi dos mais aguerridos defensores da desgastada tese do “golpe”.

O senador repetiu argumentos e recorreu aos instrumentos da falácia cometida na campanha de 2014 e desmentida logo após a reeleição, lançando acusações ao léu: Michel Temer na Presidência "entregaria" a Petrobras à sanha do capital estrangeiro, daria fim aos programas de benefícios sociais, entre outras inverdades ditas por Dilma na campanha e que tanto prejuízo renderam quando a realidade a desmentiu.

Na época, Lindberg era crítico da presidente. Ele era adepto da ideia, apoiada por inúmeros petistas, de que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva seria o melhor candidato. A defesa feita por ele obedeceu ao ritmo de último tango em cadência de uma nota só.

Nenhum problema, desde que a lógica e a realidade não sejam agredidas. Lamentavelmente, existe a agressão. Houve distorção quando se discutia inutilmente a condição de "vice" de Eduardo Cunha quando o artigo 86 lhe negava claramente essa prerrogativa.

Soam precipitadas e um tanto equivocadas análises desse cenário, segundo o qual Temer teria a ganhar, mas também a perder, com a decisão do Supremo Tribunal Federal de afastar Cunha das funções de deputado e, consequentemente, da presidência da Câmara.

Por essa ótica, Temer ganhou do STF a liberdade de não precisar se posicionar sobre a condição de Cunha e de livrá-lo de companhia constrangedora, mas perdeu um imprescindível operador dos trâmites legislativos para levar a bom termo as votações das propostas que precisará aprovar. Nesse aspecto residem duas questões. A primeira, precipitação decorrente da suposição de que Cunha mantém o poder de influência sem o cargo de presidente e o exercício do mandato. A segunda, o equívoco de acreditar que Temer e grupo mais próximo não têm experiência, influência e habilidade políticas para negociar a aprovação de medidas no Parlamento.

 

Um dado essencial: Cunha presidiu a Câmara por meio período. Temer foi presidente da Casa por três períodos completos. Realidade e pragmatismo darão conta de estabelecer o prazo de validade do poder de Cunha.