O Estado de São Paulo, n. 44765, 10/05/2016. Política, p. A6

'Brincadeira com a democracia', diz Renan

Luísa Martins

Ricardo Brito

Desde que soube que o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA), havia decidido anular a tramitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tomou a questão como algo que não surtiria qualquer efeito sobre o prosseguimento do rito. Mais tarde, já no plenário, o peemedebista disse que a medida era “absolutamente intempestiva” e uma “brincadeira com a democracia”.

O senador ainda estava em Alagoas, onde foi passar um fim de semana de folga, quando recebeu a notícia, que o pegou de surpresa. Por volta das 13h já voava para Brasília. Em sua residência oficial, Renan almoçou com os peemedebistas Romero Jucá (RR) e Eunício Oliveira (CE) e, durante a tarde, recebeu dezenas de visitas, tanto de representantes do governo quanto da oposição.

Apesar de ser “afeito ao diálogo”, conforme relataram os senadores visitantes, Renan não lhes revelou como iria proceder na sessão de ontem. Mas, na verdade, já optara por ignorar Maranhão e dar sequência à tramitação normalmente - uma medida que sinalizou aproximação com o vice-presidente Michel Temer, substituto de Dilma em caso de afastamento.

 

Visitas. Senadores como Humberto Costa (PT-PE), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), José Agripino (DEM-RN), Paulo Rocha (PT-PA), Ronaldo Caiado (DEM-GO), Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), Omar Aziz (PSD-AM) e Raimundo Lira (PMDB-PB) - esse último presidente da comissão especial do impeachment - reuniram-se com Calheiros no início da tarde. Alguns saíram de lá convictos de que o calendário não seria alterado. “Sentimos que ele está firme”, disse Randolfe.

Outros afirmavam que Renan havia deixado o assunto em aberto. “Ele está ouvindo todos os líderes e vai definir lá, após as questões de ordem”, avaliou Paulo Rocha, líder do PT no Senado.

Renan convidou ainda o secretário-geral da Mesa do Senado, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, para discutir os termos da decisão que ele leria em plenário.

 

Plenário. Por volta das 16h, quando saiu de casa, o presidente decidiu manter o ar de mistério, avisando à imprensa, sem sair do carro, que só iria manifestar-se quando chegasse ao Congresso. Porém, já no Senado, desviou dos jornalistas que o aguardavam próximo ao gabinete e pegou um elevador com acesso direto ao plenário, uma estratégia pouco comum para os padrões do presidente.

“Aceitar essa brincadeira com a democracia seria ficar pessoalmente comprometido com o atraso do processo e, ao fim e ao cabo, não cabe ao presidente do Senado Federal dizer se o processo é justo ou injusto, mas ao plenário, ao conjunto dos senadores. Foi essa a decisão do Supremo Tribunal Federal”, disse, posicionado na mesa, antes de ser aclamado com aplausos.

Renan afirmou, ainda, que não lhe caberia interferir no discurso dos parlamentares, conforme justificou Maranhão na decisão tomada mais cedo. “A formalidade da decisão não pode anular ato prévio”, disse, em referência aos 367 deputados da Câmara que, em plenário, admitiram a abertura do processo de impeachment de Dilma.

Indignados, governistas se exaltaram e levaram Renan a suspender a sessão. “Vou suspender por dois minutos, para que vocês possam gritar em paz”, disse o presidente do Senado.

 

Questão de ordem. Em seguida, os petistas José Pimentel (CE), Gleisi Hoffmann (PR) e Lindbergh Farias (RJ) foram à tribuna apresentar questões de ordem. Pimentel pediu que Renan “reconsiderasse” sua decisão de prosseguir com o rito, argumentando que Maranhão decretou a nulidade do processo e que, “por ser nulo, tudo o que foi praticado também é irrecuperável”. “A denúncia está viciada e isso deve ser observado”, completou. Renan indeferiu as questões de ordem e manteve para a quarta-feira, a votação dos senadores quanto à admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

 

“Por ser nulo, tudo o que foi praticado também é irrecuperável. A denúncia está viciada”

 

José Pimentel, senador (PT-CE)