Correio braziliense, n. 19333, 01/05/2016. Política, p. 4

Por equilíbrio, Temer desapontará aliados
CRISE NA REPÚBLICA »Crise econômica dificultará gestão pós-impeachment. Para especialistas, manutenção da carga tributária, retomada de investimentos e garantia de direitos são incompatíveis
Por: PAULO DE TARSO LYRA
PAULO DE TARSO LYRA

 

Escaldado com as acusações do PT e dos movimentos sociais de ser um golpista e de que terá de alterar a legislação trabalhista, impor medidas duras de ajuste e desagradar o funcionalismo público federal, o vice-presidente Michel Temer já avisou que não participará, hoje, das comemorações do 1º de maio promovidas pela Força Sindical, em São Paulo. “Ele avisou que não aparecerá em eventos públicos enquanto o Senado não concluir a votação do impeachment. Mas também prometeu que não mexerá nos direitos e garantias dos trabalhadores”, declarou o presidente do Solidariedade e da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP).

A promessa de Temer aos sindicalistas, durante reunião na última terça-feira, no Palácio do Jaburu, é uma das várias incógnitas quanto à atuação do vice-presidente ao assumir o mandato. O Senado deverá votar no dia 11 de maio o afastamento da presidente. Se isso acontecer, Temer assumirá um país que, em março, apresentou um déficit primário de R$ 10,64 bilhões, tem uma taxa de desemprego de 10,9% no primeiro trimestre e uma previsão de retração, segundo os cálculos mais otimistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), de 3,8% ao fim de 2016.

Pior.Sai um governo impopular e entrará uma gestão que também é vista com desconfiança pelos brasileiros. Em tese, Temer não poderá cortar programas sociais, tirar direitos trabalhistas, aumentar impostos, mexer com o funcionalismo, mas terá, por outro lado, que aumentar os investimentos para a economia voltar a decolar. “Por não ser tão popular e não pretender disputar a reeleição, Temer poderá tomar decisões amargas, mas necessárias para o reequilíbrio das contas públicas”, diz o professor de finanças do Ibmec-DF e sócio da Valorum Consultoria Empresarial, Marcos Sarmento Melo.

O grande desafio, neste primeiro momento, é retomar a confiança do setor produtivo. Melo afirma que existem várias empresas, especialmente as de pequeno e médio porte, que até teriam fôlego financeiro para investir ou abrir uma nova frente de negócios, mas que temem o futuro da economia. “Elas têm uma capacidade de geração de emprego importante”, afirmou o professor do Ibmec. Ele não imagina que o novo governo venha a ter um segundo de trégua ou lua de mel com os brasileiros. “Temer terá pouco tempo para mostrar a que veio”, aposta ele.

O cientista político e coordenador de graduação e pós-graduação em relações internacionais do Ibmec-RJ, José Luiz Niemeyer, acha inevitável que o novo governo retome as discussões em torno da recriação da CPMF. Isso poderá gerar uma briga com a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), que criou o impostômetro e materializou a luta contra o aumento da carga tributária em um pato inflável gigantesco, amarelo, que percorreu o país nas manifestações favoráveis ao impeachment. “A retomada dos investimentos internacionais poderá depreciar o câmbio, mas, por outro lado, será importante para combater a inflação e forçar a queda na taxa de juros”, completou Niemeyer.

O diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho do Diap, acha que o primeiro passo a ser dado por Temer será cortar gastos e despesas, antes de arriscar-se a aumentar impostos. Ele não acha que uma suspensão imediata no ritmo de investimentos seja uma frustração de expectativas, pois é sabido que o país não tem dinheiro em caixa. “Podemos nos preparar para reformas da Previdência e Trabalhista”, aposta.

Assessores do vice-presidente descartam a aprovação de aumentos para o funcionalismo, sobretudo aqueles que provocam efeitos cascatas em estados e municípios. “Não podemos desequilibrar ainda mais as contas públicas”, alertou um interlocutor de Temer.

 

Frase

“Por não ser tão popular e não pretender disputar a reeleição, Temer poderá tomar decisões amargas, mas necessárias para o reequilíbrio das contas públicas”

Marcos Sarmento Melo, professor de finanças do Ibmec-DF