O Estado de São Paulo, n. 44795, 09/06/2016. Economia, p. B13

Desvinculação de receitas é aprovada

Projeto que prorroga a DRU até 2023 foi aprovado em segundo turno na Câmara por 340 votos; proposta segue agora para o Senado

Por: Bernardo Caram/ Igor Gadelha

 

Em mais uma demonstração de força da base aliada do presidente em exercício Michel Temer, a Câmara dos Deputados aprovou ontem, em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prorroga a Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2023. A matéria foi aprovada por 340 votos a 90 e houve uma abstenção. O texto segue agora para o Senado, onde poderá ser analisada diretamente em plenário.

Mesmo tendo passado com folga, já que eram necessários 308 votos favoráveis para a aprovação, houve tumulto no início da discussão da matéria, quando o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA), tentou – pela primeira vez desde que assumiu o posto – comandar a sessão de votação.

Líderes do PPS, DEM, PSDB e PSB, que não aceitam a presidência interina de Maranhão, exigiram que ele deixasse o comando dos trabalhos para que a DRU fosse analisada. O deputado não aguentou a pressão e deixou o plenário antes de a votação começar. “Vou só ali no meu gabinete, mas volto”, disse.

E não voltou.

A DRU é um mecanismo que dá mais liberdade ao governo no uso das receitas obtidas por meio de tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. Na prática, permite à União aplicar os recursos vinculados a áreas como educação, saúde e previdência social em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário, desde que respeitando os gastos mínimos constitucionais exigidos para cada área.

A proposta aprovada prorroga a DRU até 31 de dezembro de 2023, estabelecendo que a autorização para remanejar o Orçamento da União será retroativa a 1º de janeiro deste ano. Argumentando inconstitucionalidade, parlamentares tentaram retirar a possibilidade de a desvinculação retroagir, mas não conseguiram aprovar emenda nesse sentido. A última autorização para a DRU venceu em 31 de dezembro de 2015.

O texto da PEC também prevê que a parcela do Orçamento que o Executivo poderá remanejar seja elevada de 20%, como foi até o ano passado, para 30%.

Além disso, prevê a criação de uma espécie de DRU para Estados e municípios – chamadas de DRE e DRM, respectivamente – nos mesmos termos da DRU, mas prevendo explicitamente que o remanejamento não pode afetar recursos destinados à Saúde e à Educação.

 

Aposentados. A PEC aprovada foi criticada pelo deputado Luiz Carlos Caetano (PT-BA). “Vai prejudicar os aposentados, vai prejudicar a educação e a saúde pública, que já está na UTI”, disse. O relator da PEC, deputado Laudívio Carvalho (SD-MG), rebateu. “A saúde está preservada em nosso relatório, a educação também. São pontos que estão na Constituição, assim como a Previdência Social”, disse. “O governo afastado queria (a aprovação da DRU) no ano passado e não teve competência”, completou.

Para ser promulgada, a PEC deverá ser aprovada no Senado também em dois turnos, por pelo menos 49 dos 81 senadores.

Órgãos relacionados:

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Produtores de energia se livram de taxa de térmicas

Justiça isenta 250 geradores de arcar com taxa cobrada por uso das usinas; conta ficará só para os consumidores

Por: Anne Warth

 

Depois de uma disputa judicial que já durava três anos, cerca de 250 produtores de energia elétrica conseguiram se livrar do pagamento de uma taxa cobrada para financiar o uso das termoelétricas.

O Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1) deu razão a associações de geradores que questionavam a obrigação de pagar por essas usinas. Para a Justiça, apenas os consumidores finais devem pagar essa conta, que atingiu R$ 16,5 bilhões de 2013 até fevereiro deste ano, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A origem do problema está numa resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão que assessora a Presidência da República. Logo depois que o governo editou a Medida Provisória 579/2012, que reduziu a conta de luz em 20%, o País passou por uma estiagem que consumia os reservatórios das hidrelétricas.

Para manter a segurança do abastecimento, o governo decidiu acionar todo o parque de termoelétricas, embora o sistema usado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) não indicasse essa necessidade.

Nesse cenário, as térmicas funcionam “fora da ordem de mérito”, o que gera uma taxa chamada de Encargos de Serviço do Sistema (ESS), cobrada na conta de luz.

Como as termoelétricas a diesel e óleo combustível custam muito caro, haveria um aumento quase que imediato nas tarifas.

Na tentativa de evitar que a redução das contas fosse comprometida, o governo editou a resolução que rateava a despesa entre todos os agentes do setor elétrico, inclusive geradores, comercializadores e as próprias térmicas.

A decisão despertou a fúria das empresas, que compararam a resolução a um jantar em que a conta é dividida com o garçom, o maître e o gerente do restaurante. Nos cálculos do advogado Guilherme Silveira Coelho, do escritório de advocacia Sergio Bermudes, mais de 200 ações questionaram a resolução na Justiça. Todos obtiveram liminares que livraram os agentes do encargo, e a despesa continuou a ser paga integralmente pelos consumidores.

Na terça-feira, a Sétima Turma do TRF-1 decidiu, por três votos azero, dar ganho de causa à Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine) e à Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel),excluindo definitivamente cerca de 250 companhias da cobrança.

Entre as empresas beneficiadas estão Tractebel, CPFL, Cesp, Cemig, Copele AES, além de pequenas centrais hidrelétricas, eólicas e usinas a biomassa.A ação das entidades foi a primeira a obter liminar em 2013.

O governo ainda pode recorrer a instâncias superiores, mas a chance de reverter a decisão é pequena.Para Coelho, a discussão envolvia a segurança jurídica dos investimentos. “O julgamento de mérito de tema tão sensível, agora em segunda instância, dá maior confiança aos investimentos em infraestrutura, ainda mais no momento econômico pelo qual o País passa”, disse.

O ex-diretor da Aneel, Edvaldo Alves de Santana, afirmou que a resolução foi um exemplo do excesso de intervenções do governo no setor elétrico. “A Aneel nem sequer foi consultada sobre o assunto, e depois dessa resolução foi uma intervenção atrás da outra”, afirmou

 

Taxa questionada

R$ 16,5 bi é o valor acumulado entre 2013 e fevereiro deste ano, referente a uma taxa cobrada para financiar o uso das termoelétricas, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)