Odebrecht formaliza a ‘delação das delações’

01/06/2016

Ricardo Brandt

Julia Affonso

Fausto Macedo

Mateus Coutinho

 

Após sucessivas e tensas rodadas de negociação, a cúpula da empreiteira Odebrecht, a maior do País, assinou acordo de confidencialidade com a força-tarefa da Operação Lava Jato. É o primeiro passo para uma eventual delação premiada que envolva, entre outros, o empresário Marcelo Odebrecht, presidente do grupo.

Por causa de seu potencial explosivo, o acordo da Odebrecht com a força-tarefa ficou conhecido nos bastidores dos Poderes como “a delação das delações premiadas”. Investigadores acreditam que Marcelo Odebrecht poderá revelar informações, inicialmente, sobre financiamento de campanhas eleitorais no Brasil e no exterior. “Pega todo mundo, não escapa nada”, diz um investigador.

Os repasses teriam favorecido quase todos os partidos, especialmente os maiores, e campanhas presidenciais. Teriam ocorrido repasses oficiais, declarados à Justiça, e por caixa 2.

Um capítulo que interessa aos investigadores é relativo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eles querem saber sobre o sítio de Atibaia (SP) cuja propriedade a força-tarefa atribui ao petista - o que é negado com veemência por sua defesa.

Os investigadores também esperam informações de Odebrecht sobre a campanha de Dilma Rousseff à Presidência, em 2014. Querem saber se houve algum encontro entre a então candidata à reeleição pelo PT e o empresário, que ainda não havia sido apanhado pela Lava Jato.

Com a colaboração do empreiteiro investigadores esperam fechar um episódio importante da Lava Jato, que prendeu João Santana, marqueteiro de Dilma e Lula, acusado de receber propinas da Odebrecht na Suíça. Ele nega a acusação.

 

Leniência. O acerto também abre caminho para um acordo de leniência da empreiteira, que passa por dificuldade financeira. Com esses acordos, se efetivamente forem fechados, serão estabelecidas condições como o valor de multa que a empreiteira arcará e as sanções penais aplicadas a Marcelo Odebrecht e a outros executivos.

Mesmo já condenado a 19 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, Odebrecht poderá ter a pena “perdoada” ou significativamente reduzida.

A eventual concessão de benefícios ao maior empreiteiro do País será decidida pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, se houver homologação da delação. Isso não tem prazo para ocorrer. Mas a expectativa, a partir do acordo de confidencialidade, é de que as negociações deslanchem.

 

Políticos. A delação de Odebrecht será submetida ao crivo da Corte, e não ao juiz federal Sérgio Moro, porque a previsão é que ele revele nomes de políticos com foro privilegiado, como deputados e senadores.

Na prática, como ocorreu com outras pessoas jurídicas que seguiram a mesma trilha, a Odebrecht agora se obriga a apresentar o que tem para revelar sobre fatos e obras em torno das quais teria funcionado o esquema na Petrobrás.

O acordo representa, também, um “armistício”, a garantia de que a empreiteira não será mais alvo de novas operações. Desde que o presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, foi preso, em 19 de junho de 2015, a empresa tem sido alvo de constantes missões da PF e da Procuradoria da República.

A partir do acordo de confidencialidade ela deverá informar detalhes preliminares sobre operações ilegais, que podem incluir outras construtoras e nomes de agentes públicos contemplados com propinas sobre contratos fraudados.

Nesta etapa, a empresa não entrega provas, o que só deverá fazer depois de eventualmente fechada a delação - só aí são repassados, por exemplo, cópias de e-mails, números de contas, identificação de instituições financeiras, nomes de operadores e testemunhas.

É a fase dos Anexos. Cada Anexo traz o resumo de um fato. Nesse período poderão ocorrer “conversas informais” entre procuradores e executivos.

Procurado pelo Estado, o criminalista Téo Dias, do núcleo de defesa da Odebrecht, não se manifestou sob alegação de que impedimento legal não o autoriza a comentar a negociação.

 

Acordo

Foro

A delação de Odebrecht será submetida ao STF porque a previsão é de que ele revele nomes de políticos com foro privilegiado, como deputados e senadores.

 

Esquema

Odebrecht pode fornecer detalhes sobre operações ilegais, que podem incluir outras construtoras e agentes públicos contemplados com propinas.

 

Campanhas

O empresário pode revelar ainda informações sobre financiamento de campanhas eleitorais – teriam ocorrido repasses oficiais, declarados, e por caixa 2.

 

Lula

Odebrecht pode fazer revelações sobre o sítio de Atibaia (SP) e em relação à suspeita de tráfico de influência praticado por Lula em favor da empreiteira.

_______________________________________________________________________________________________________________________________

Operação busca encerrar fase que mira na Petrobrás

01/06/2016

 

Com a eventual delação da Odebrecht, os investigadores da Operação Lava também miram em tráfico de influência supostamente praticado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor da empreiteira, especialmente no exterior. Os advogados do ex-presidente Lula negam toda as acusações de que o petista teria agido para favorecer a empresa.

A força-tarefa quer virar a página da Petrobrás porque considera praticamente esgotada essa parte da apuração. Os investigadores supõem que o empresário Marcelo Odebrecht poderá oferecer muitas informações sobre campanhas eleitorais também em outros países da América Latina e ir muito além da Petrobrás.

 

Prisão. Marcelo Odebrecht nunca sentou à mesa com a força- tarefa da Lava Jato. O empresário está preso no Complexo Médico-Penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba.

Ao condenar o empresário e outros executivos da empresa, em março deste ano, o juiz federal Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato na 1.ª instância da Justiça, manteve a prisão cautelar do empreiteiro, “considerando a gravidade em concreto dos crimes em questão e que os condenados estavam envolvidos na prática habitual, sistemática e profissional de crimes”.

O avanço do processo de delação premiada não se refletirá nas ações penais contra Odebrecht e os outros executivos da companhia. Os processos seguem seu rumo natural, até porque existe a possibilidade de, ao fim das negociações, a Procuradoria da República ou a própria empreiteira não aceitarem todos os termos do acordo. / F.M., R.B., M.C. e J.A.

 

O Estado de São Paulo, n. 44787, 01/06/2016. Política, p. A4