O Estado de São Paulo, n. 44810, 24/06/2016. Política, p. A4

Procurador vê corrupção no 'coração' de gestões do PT

 

Desdobramento da Lava Jato, a Operação Custo Brasil, deflagrada ontem, revelou um grande esquema de corrupção no centro do Executivo federal, atingindo ex-ministros dos governos Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. A ação da Polícia Federal alcançou também mais um ex-tesoureiro do PT, cuja sede, em São Paulo, foi cercada e alvo de buscas e apreensão. O ex-ministro do Planejamento e Comunicações Paulo Bernardo foi preso em Brasília. O ex-titular da Previdência e Aviação Civil Carlos Gabas, próximo de Dilma, foi alvo de mandado de condução judicial.

Segundo a investigação, o esquema teria desviado mais de R$ 100 milhões entre 2010 e 2015, por meio do contrato com a empresa de tecnologia Consist Software. A empresa gerenciava o sistema de concessão de empréstimos consignados a servidores públicos. Para o procurador Andrey Borges de Mendonça, a operação mostrou que “a corrupção não é um privilégio da Petrobrás”, está “espraiada como um câncer” e “o coração do governo estava atingido por esse mal”.

Marido da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), Bernardo teria recebido R$ 7 milhões em propinas no período. Ele foi preso pelos agentes federais no início da manhã, no apartamento funcional da senadora. A ação provocou reação no Senado. O presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), alvo Operação da Lava Jato, vai entrar com reclamação no Supremo Tribunal Federal contra a Operação Custo Brasil. Ele e o primeiro-vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), já pediram uma consulta sobre o assunto à Advocacia- Geral da Casa para embasar o documento.

A ação da PF rendeu críticas até mesmo de adversários políticos do petista e da mulher dele. Para Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), um juiz de primeiro grau não tem autorização para ordenar busca e apreensão no apartamento da senadora, poder restrito ao Supremo.

Os ex-ministros negam ter cometido irregularidades. A direção do PT afirmou que a operação teve por objetivo desviar o foco do governo Michel Temer e criminalizar o partido.

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Crédito consignado bancou propina para Bernardo, afirma força-tarefa

Investigação diz que 70% do contrato da Consist era destinado a corrupção e ex-ministro tinha porcentual no desvio

Por: Fausto Macedo / Julia Affonso / Ricardo Brandt / Mateus Coutinho

 

A Polícia Federal afirma que o ex-ministro Paulo Bernardo, que ocupou as pastas do Planejamento e Comunicações nas gestões petistas, era destinatário de até 9,6% do valor de 70% do contrato da Consist Software Limitada que era destinado à corrupção. Pelo acerto, conforme as investigações, a empresa ficava com apenas 30% dos recebimentos do acordo com entidades que eram contratadas pelo Ministério do Planejamento.

Segundo a força-tarefa da Operação Custo Brasil, milhares de servidores que usaram crédito consignado de 2010 a 2015, em contratos ligados ao Planejamento, “bancaram propina” ao grupo do ex-ministro, que comandou a pasta até 2011.

Conforme a apuração, há indícios de que o Planejamento direcionou a contratação da empresa.

Os funcionários que tomaram empréstimo no período deveriam ter pago no máximo R$ 0,30, mensalmente, por um serviço de gerenciamento e controle feito pela empresa Consist, mas acabaram arcando com R$ 1,25 - valor quatro vezes maior ao que deveria ser descontado em folha. “De real em real, somou-se 140 milhões. 70% é a propina, 100 milhões”, disse superintendente adjunto da Receita, Fábio Ejchel.

Em sua decisão e expediu a ordem de prisão de Bernardo e outros suspeitos, o juiz federal Paulo Bueno de Azevedo, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, afirmou que após a saída de Bernardo do Ministério do Planejamento, “o valor da propina devida foi revisto para 4,8% e, entre 2014 e 2015, novamente revisto para 2,9%”. “Mas sempre pago com habitualidade e de forma continuada”.

O argumento para a prisão provisória foi de risco à instrução criminal e à aplicação da lei penal. “Paulo Bernardo é um agente político influente. Existe o risco à instrução criminal não só por conta da condição política de Paulo Bernardo. O risco concreto existe devido aos indícios da relação espúria com Guilherme Gonçalves (outro alvo da operação) e o fundo Consist”, destacou o juiz.

 

Ex-tesoureiros. Dos R$ 100 milhões que teriam sido desviados, uma parte, em valores ainda não apurados, foi parar na conta do PT, segundo a investigação. “Tinha um porcentual destinado ao PT pelo sr. Vaccari”, afirmou o procurador Andrey Borges de Mendonça, se referindo a João Vaccari Neto, que cumpre prisão provisória na Lava Jato.

O ex-tesoureiro do PT ainda teria indicado três empresas de fachada para receber parte dos recursos desviados. “Essas empresas nem se quer existiam fisicamente”, afirmou o delegado da PF Rodrigo Costa. Foi expedido também mandado de prisão preventiva contra Paulo Ferreira, ex-tesoureiro do PT, antecessor de Vaccari na função.

A operação foi desencadeada com base na delação do ex-vereador do PT Alexandre Romano, o Chambinho, alvo da 18.ª fase da Lava Jato, a Pixuleco 2, em 2015. Os procuradores afirmaram, porém, que não apenas a delação de Chambinho deu suporte à investigação. “Ela (a delação) é o ponto de partida, mas esta operação é muito mais que a mera colaboração premiada.” O procurador demonstrou perplexidade e indignação ante os valores desviados. “A gente não pode admitir que isso passe a ser o custo Brasil, que seja natural esse custo Brasil, algo natural na nossa sociedade.” O ex-ministro Carlos Gabas foi alvo de condução judicial.

Ele não depôs, mas sua residência sofreu buscas.

A PF levou para depor o jornalista Leonardo Attuch, editor do site Brasil 247.

Attuch disse que foi convidado a prestar depoimento de forma voluntária. “Não procede a informação de que tenha sido levado coercitivamente para prestar depoimento na sede da PF ou em qualquer outro lugar.” Também foi cumprida ordem de prisão contra Valter Correia, secretário de gestão da Prefeitura de São Paulo. A PF havia cumprido até a conclusão desta edição oito dos 11 mandados de prisão. / FAUSTO MACEDO, JULIA AFFONSO, RICARDO BRANDT e MATEUS COUTINHO

 

‘CUSTO BRASIL’

● Desdobramento da Lava Jato, operação da PF que levou à prisão, ontem, do ex-ministro Paulo Bernardo apura irregularidades em contratos do Ministério do Planejamento

 

Mandados cumpridos

65

11 mandados de prisão preventiva

40 de busca e apreensão

14 de condução coercitiva

 

Locais

Pernambuco

Distrito Federal

São Paulo

Paraná

Rio Grande do Sul

 

Crimes apurados

● Tráfico de influência

● Corrupção ativa

● Corrupção passiva

● Lavagem de dinheiro

● Organização criminosa

 

Alvos de pedidos de prisão

Paulo Bernardo - EX-MINISTRO DO PLANEJAMENTO

Bernardo e sua mulher, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), já foram denunciados na Lava Jato por corrupção e lavagem

Paulo Ferreira - EX-TESOUREIRO DO PT

Valter Correia - EX-FUNCIONÁRIO DO PLANEJAMENTO

Guilherme Gonçalves -  ADVOGADO DE CAMPANHA DE GLEISI HOFFMANN

Daisson Portanova -  ADVOGADO LIGADO A PAULO BERNARDO

 

Outros

● Washington Viana

● Sérgio Guedes de Souza

● Nelson Luis Oliveira de Freitas

● Emanuel Santos Nascimento

● Joaquim Maranhão da Câmara

● Dércio Guedes de Souza

 

Buscas

Carlos Gabas - EX-MINISTRO DA PREVIDÊNCIA

Foi alvo de mandado de condução judicial. Gabas não depôs, mas sua residência sofreu buscas ontem

 

O esquema, segundo a PF

A ação apura propina de contratos de prestação de serviços de informática, na ordem de R$ 100 milhões, entre 2010 e 2015, a agentes ligados ao Planejamento

 

Ministério do Planejamento

R$ 7 milhões

foi o valor recebido em propina por Bernardo, segundo a PF, por meio do esquema de contratação da Consist por entidades conveniadas com o Planejamento

ASSINOU ACORDO EM 2010

 

Sindicato Nacional das Entidades Abertas de Previdência Complementar (Sinapp) e Associação Brasileira de Bancos (ABBC)

 

CONTRATARAM

Consist Software

para desenvolver um software de gestão para cálculo de crédito consignado a mais de 2 milhões de servidores públicos federais

 

COBRAVA

Valor cobrado por mês de cada servidor pelo serviço (o custo era de R$ 0,30)

R$ 1,25

30% -  R$ 0,40 ficava com a empresa

70% - R$ 0,90 ia para propina

 

70% é a porcentagem do contrato destinada à propina, segundo a PF. Em troca da sua contratação, a Consist recebia uma cota por empréstimo consignado fechado

 

O delator Alexandre Romano, ex-vereador do PT, citou os nomes dos ex-tesoureiros do partido Paulo Ferreira e João Vaccari Neto entre os envolvidos no esquema

 

FONTES: POLÍCIA FEDERAL E FORÇA-TAREFA DA LAVA JATO

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