Odebrecht abrigava sistema de ‘central da propina’ na Suíça

Ricardo Brandt, Mateus Coutinho, Fausto Macedo, Julia Affonso e Jamil Chade
23/06/2016

 

 

Técnico do ‘Setor de Operações Estruturadas’ da empreiteira diz que servidor com dados de movimentações financeiras foi bloqueado

Camilo Gornati, um dos responsáveis pelo sistema de informática do Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht - apontado pelas investigações da Lava Jato como o “departamento da propina” da empreiteira -, afirmou ontem que a companhia mantinha seu servidor de intranet na Suíça. Em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, Gornati disse que o sistema foi bloqueado pelo Ministério Público daquele país.

Os arquivos integram acordo de cooperação internacional com a Lava Jato e guardam a memória de toda troca de mensagens da movimentação financeira da empreiteira, via setor de Operações Estruturadas.

“O que me falaram é que era mais seguro deixar na Suíça”, afirmou Gornati, ouvido na ação penal contra o ex-marqueteiro do PT João Santana, o presidente afastado da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e outros executivos do grupo. Santana teria recebido ao menos US$ 16,6 milhões da empreiteira, por meio de contas offshores.

A memória virtual do sistema Drousys - nome da intranet usada no departamento - levará a força-tarefa da Procuradoria no Brasil a investigar suspeita de corrupção em outros contratos do Grupo Odebrecht, ainda fora da mesa de negociação com a empresa por acordos de delação premiada e leniência, em tratativa oficial desde o início do mês.

Com o compartilhamento de provas desse material, a Lava Jato acessará, por meio da memória virtual desses servidores, os registros de mensagens com valores e negócios tratados pelo Departamento da Operações Estruturadas. Com isso, será possível rastrear os recursos que entraram no caixa e investigar possíveis pagamentos de propinas em contratos de outros setores, além da Petrobrás.

‘Evidências’. Em cerca de um ano de acesso aos documentos e transações da Odebrecht, os investigadores suíços dizem ter obtido “fortes evidências” de pagamentos em pelo menos três aspectos diferentes.

O primeiro se refere ao que eles chamam de “rede de empresas” criadas para movimentar pagamentos suspeitos. O uso de empresas de fachada estabelecidas fora do Brasil garantia, segundo as primeiras avaliações, um “escudo” para tentar dissimular os autores dos pagamentos e quem os recebia, além do uso de vários bancos suíços.

A segunda constatação dos suíços é de, por meio desse sistema, recursos ilegais eram enviados a contas que beneficiariam políticos brasileiros e ex-diretores da Petrobrás. Em terceiro, as investigações apontaram que os recursos alimentavam campanhas eleitorais no Brasil.

Gornati, que atuou como prestador de serviços de informática na empreiteira, disse que os servidores mantidos pela Odebrecht na Suíça foram bloqueados por autoridades locais no mês passado. Neles estão, por exemplo, a memória de movimentação de US$ 2,6 bilhões da empreiteira nas contas dos bancos AOL e Meinl, em Antígua - paraíso fiscal do Caribe onde operadores ligados à empresa adquiriram 50% da instituição financeira.

Os executivos do banco fizeram delação e começaram a informar os nomes das offshores controladas pela empreiteira.

Sigilo. O fato de a Suíça não fazer parte da União Europeia e ter leis próprias de privacidade de dados faz com que o país seja o local preferido para se manter um servidor em que são depositados dados eletrônicos sigilosos. Empresas instaladas literalmente em bunkers oferecem o serviço de garantir total proteção a essa informações.

É o caso do Swiss Fort Knox, construído dentro de uma montanha dos Alpes. A empresa comprou um antigo bunker do Exército suíço para montar sua estrutura na região de Berna. Quem usa a instalação na montanha é a Siag, um tipo de private banking de ativos digitais - segundo a empresa, nem a inteligência americana é capaz de romper o sistema de proteção de dados usado pela companhia.

A Odebrecht não comentou as declarações de Gornati.

João Santana

A força-tarefa em Curitiba enviou ontem ao TSE documentos sobre movimentações suspeitas do ex-marqueteiro do PT João Santana para a ação de impugnação da chapa Dilma/Temer, eleita em 2014.