Valor econômico, v. 17, n. 4051, 20/07/2016. Política, p. A6

FAZENDA NEGOCIA VOTAÇÃO DE PROJETO DO PSDB QUE SECURITIZA DÍVIDA PÚBLICA

Por: Fábio Pupo e Thiago Resende

Por Fábio Pupo e Thiago Resende | De Brasília

 

Antes resistente à ideia de securitizar a dívida pública, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda) passou a trabalhar em conjunto com parlamentares em busca de um texto consensual sobre o tema - o que deve abrir caminho para a medida, considerada prioritária pelo governo para arrecadar recursos. O projeto pretende oferecer ao mercado R$ 80 bilhões em créditos a receber.

O projeto de lei em debate é o apresentado pelo então senador José Serra (PSDB-SP), atual ministro de Relações Exteriores. Ele mesmo levantou o tema da securitização em reunião entre o presidente interino Michel Temer e o núcleo econômico para discutir medidas a serem lançadas.

A diretora da dívida ativa na PGFN, Anelize Lenzi Ruas de Almeida, afirmou em entrevista ao Valor que a negociação levou a uma redação final considerada "aceitável" pela instituição. "Construímos um plano B", diz ela. Entre as regras inseridas após reuniões entre parlamentares e governo (incluindo Fazenda, PGFN, Planejamento e a área política), está a necessidade o ministro da Fazenda autorizar as operações - o que dá mais segurança aos servidores da pasta. Inicialmente, o projeto de Serra não previa a regra, mas foi incluído pelo relator - o colega de partido Paulo Bauer (SC).

Pelo texto do projeto, o governo pretende securitizar R$ 80 bilhões que correspondem basicamente à fatia da dívida renegociada nos últimos anos e que passou a ser paga de forma parcelada pelos contribuintes. Considerado o mais valioso frente ao mercado, esse tipo de débito tem alta chance de recuperação já que os devedores assumiram a existência dela ao repactuar o pagamento.

Para entrar em vigor, a securitização ainda tem que percorrer alguns trâmites. Segundo a diretora, a medida não pode ser adotada por atos exclusivos do Executivo porque depende de aval do Congresso. Depois ainda é necessária uma regulamentação.

Apesar de não haver uma estimativa exata de arrecadação pela PGFN, Bauer informou ao Valor que uma previsão inicial aponta para 50% de deságio na securitização dos débitos - ou seja, poderia ser arrecadada metade dos R$ 80 bilhões. No caso dos Estados, o potencial dessas operações seria de R$ 60 bilhões, sendo que a perspectiva preliminar de receita seria, então, de R$ 30 bilhões. Mas isso depende das condições do mercado e interesse dos investidores em cada parcela das dívidas.

Com o surgimento de um consenso entre PGFN e parlamentares, o órgão agora corre contra o tempo para limitar o deságio sobre os papéis. A ideia é aplicar um método contábil sobre a qualidade do crédito em estoque, o chamado "grau de recuperabilidade" da dívida, que evite uma avaliação própria do mercado com descontos substanciais sobre o valor de face. "Quando você não tem consciência sobre o estoque, acaba mais pressionado", diz Anelize.

Atualmente, já há uma técnica contábil para créditos considerados como "perda provável", mas que poderia ser modificada, na visão da PGFN. A metodologia leva em conta as dívidas sem decisão judicial favorável, sem garantia e sem parcelamento pactuado. Do estoque total de R$ 1,58 trilhão da dívida ativa da União, uma fatia de 85% (ou R$ 1,35 trilhão) é admitida como "perda", de acordo com o calculado pelo Tesouro Nacional no Balanço Geral da União. Para Anelize, isso poderia levar o mercado a oferecer ao governo um desconto "brutal". "Esse é meu maior medo", afirma.

Parlamentares têm pressionado o governo a encampar a medida de securitização. Apesar de ser um assunto recorrente desde 2000, o assunto ganhou força no ano passado. Contrário à proposta de recriação da CPMF, o Centrão da Câmara - bloco formado por PR, PP, PSD, PRB e PTB - defendia, com ajuda de alguns petistas, um pacote para substituir a ideia de elevar imposto. Não andou, porém, esse projeto de deputados até então aliados à presidente afastada Dilma Rousseff.

Rechaçada pela PGFN, o texto da Câmara foi deixado de lado. As negociações, então, passaram a envolver a proposta de Serra. Mesmo fora do Senado, o PSDB esteve à frente da construção da versão final do projeto. Tucanos, Bauer e José Anibal (SP) participaram das reuniões com a área econômica do governo.

Serra argumentava que a medida foi adotada, com sucesso, pelo governo de São Paulo. "No Senado, há uma tendência de se aprovar a proposta. Até mesmo senadores do PT tem mostrado apoio", relatou Bauer.

Na Câmara, a ideia era securitizar até R$ 500 bilhões, o que, segundo o deputado Vicente Cândido (PT-SP), um dos autores do projeto, renderia até R$ 100 bilhões aos cofres públicos. Na proposta dos tucanos, há previsão de realizar operações apenas com as dívidas que vem sendo pagas de maneira parcelada, ou seja, há um fluxo de recursos. (Colaboraram Andrea Jubé e Fabio Graner)