Centrão perde, governo ganha
Catarina Alencastro, Eduardo Bresciani, Isabel Braga, Júnia Gama. Leticia Fernandes e Maria Lima
14/07/2016
Rodrigo Maia vence eleição para presidir a Casa em mandato-tampão, derrotando aliado de Cunha
Numa vitória por margem folgada em segundo turno, na qual se juntaram a velha e a nova oposição, Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi eleito no início da madrugada de hoje presidente da Câmara dos Deputados com 285 votos, contra 170 para o segundo colocado, Rogério Rosso (PSD-DF), candidato do centrão e ligado ao expresidente da Casa Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Aos gritos de “Fora, Cunha”, o plenário comemorou a vitória de Maia, que rompeu com Cunha recentemente após ter mantido relação próxima com ele ano passado.
O resultado das urnas resumiu a guinada na reta final da eleição e representou uma grande derrota para o centrão, que ganhou força na gestão de Cunha à frente da Câmara. Maia teve 120 votos no primeiro turno e somou mais 165 no segundo, conquistando um mandato-tampão até fevereiro do próximo ano.
Maia aproveitou o sentimento generalizado contra Cunha para atrair os dois polos, direita e esquerda. A aliança com o PT e os demais partidos do campo da esquerda começou a ser construída dias atrás e quase vingou já no primeiro turno. Os petistas e seus aliados, no entanto, preferiram apoiar o candidato do PMDB, Marcelo Castro (PI), no primeiro turno. Nas 24 horas antes da eleição, o Planalto entrou em cena para esvaziar o nome de Castro. Ex-ministro da presidente afastada, Dilma Rousseff, Castro, que votou contra o impeachment, era visto como um dissidente que simbolizaria uma derrota do governo de Michel Temer.
Ao chegar ao segundo turno sem Castro na disputa, o novo presidente da Câmara fechou o apoio de PT, PDT e até do PCdoB, adotando um discurso de que “não se vota em um partido, mas em uma pessoa”. O discurso de Maia era de que é necessária uma oposição forte para fiscalizar o governo, em um aceno ao PT. Um gesto do deputado bem visto por petistas foi o de, na noite de ontem, após sair na frente no primeiro turno, ele ter começado a romaria pelas lideranças de partidos e gabinetes, em busca de apoios, pelo gabinete do deputado Marco Maia (PT-RS), último petista a presidir a Câmara.
LEALDADE SEM SORRISOS
Após ver sua candidatura fragilizada no início da semana com o crescimento de Rosso e Castro, Maia cresceu ontem logo cedo ao consolidar o apoio dos quatro partidos que faziam oposição ao governo Dilma e hoje apoiam o governo interino de Michel Temer — PSDB, DEM, PSB e PPS. O grupo se uniu por dois motivos: o lançamento por parte do PMDB da candidatura de Castro, somado à relutância do Planalto em fechar um acordo com o PSDB para apoiar uma candidatura tucana em 2017. Esses dois fatores acabaram levando as quatro legendas a selar a união com Maia, em ato na manhã de ontem na liderança do PSDB, último partido a sacramentar o apoio ao deputado. Funcionou. Juntos, os quatro partidos tinham ontem 117 deputados. Maia conseguiu 120 votos no primeiro turno, chegando ao segundo turno na liderança.
Ontem, ao conversar com dirigentes do PMDB, Rodrigo Maia chegou a dizer que poderia ter ganho “sem disputar’’. Ele afirmou que lhe foi oferecido apoio para se eleger agora, em troca de um acordo com o centrão para o próximo biênio. Ele disse que negou a proposta e afirmou querer governar de forma justa, dando a cada legenda "o espaço que ela tem".
A vitória de Maia não foi bem digerida no centrão. Antes mesmo da vitória, o líder do PTB, deputado Jovair Arantes (GO), um dos expoentes do bloco, não escondia a irritação, que compartilhou com o líder do governo, André Moura (PSC-SE), ao acusar o governo de estar operando a favor da candidatura do deputado do DEM.
—É a operação do governo para o futuro. Foi assim com a Dilma e deu no que deu — disse o líder, em tom de ameaça.
Arantes contou também que antes da eleição, os líderes do centrão se reuniram com Fernando Giacobo (PR-PR) e acertaram que quem fosse para o segundo turno, teria o apoio dos demais. Giacobo, no entanto, fechou apoio a Rodrigo Maia, assim como toda a bancada.
— Fico triste porque ele não cumpriu a palavra. Acordo tem que ser cumprido. Na política isso é péssimo. É uma construção (do governo) negativa para o futuro — reclamou Jovair Arantes.
Em discurso logo antes do resultado, Maia disse que era conhecido, quando chegou à Câmara, como alguém que não sorri, mas que cumpre palavra:
— Quando cheguei aqui diziam: o Rodrigo não sorri. Mas o Rodrigo cumpre palavra, o Rodrigo é leal — disse o agora presidente da Casa.
A LINHA SUCESSÓRIA NA CÂMARA
1989 a 1991
Paes de Andrade
Primeiro presidente após a redemocratização. Com as viagens de José Sarney, assumiu a Presidência da República por onze vezes
1991 a 1993
Ibsen Pinheiro
Foi o presidente da Câmara que comandou o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992
1993 a 1995
Inocêncio de Oliveira
Foi presidente em período de transição, no governo Itamar. Inocêncio ganhou o apelido de “guardanapo” porque ocupou, como deputado, vários cargos da Mesa Diretora
1995 a 1997
Luís Eduardo Magalhães
Filho de Antônio Carlos Magalhães, Luís Eduardo tinha boa relação com o Palácio do Planalto, ocupado à época por Fernando Henrique Cardoso
1997 a 2001 (DOIS MANDATOS)
Michel Temer
Durante dois períodos consecutivos, Michel Temer deu suporte ao governo Fernando Henrique. Era o parlamentar mais influente do Congresso
2001 a 2002
Aécio Neves
Aécio teve sua carreira política alavancada ao assumir a presidência da Câmara no fim do governo Fernando Henrique
2002 a 2003
Efraim de A. Morais
Deputado paraibano ocupou o cargo para um mandato curto após renúncia de Aécio Neves, eleito governador de Minas Gerais
2003 a 2005
João Paulo Cunha
Teve seu pior momento na presidência da Câmara após o estouro do escândalo do mensalão. Apesar de tornar-se público um saque de sua mulher no valor de R$ 50 mil no Banco Rural, ele se recusou a renunciar
2005
Severino Cavalcanti
Eleito pelo baixo clero, foi o protagonista do mensalinho. Segundo denúncia, o parlamentar recebia mensalmente R$ 10 mil de um empresário que explorava os restaurantes da Casa. Renunciou ao mandato
2005 a 2007
Aldo Rebelo
Deputado do PCdoB foi importante peça de sustentação ao governo Lula
2007 a 2009
Arlindo Chinaglia
Petista conseguiu consolidar ainda mais o apoio ao governo Lula na Câmara
2009 a 2010
Michel Temer
Se antes estava ao lado de FH, Temer passou a apoiar o governo Lula
2011 a 2012
Marco Maia
Petista foi eleito pela Câmara com ampla maioria para dar sustentação ao primeiro mandato de Dilma Rousseff
2013 a 2014
Henrique Eduardo Alves
Peemedebista do Rio Grande do Norte também trabalhou em coordenação com o governo, do qual foi inclusive ministro
2015 a 2016
Eduardo Cunha
Desafeto do governo Dilma e alvo da Lava-Jato, Eduardo Cunha renunciou à presidência da Casa. Ele já havia sido afastado pelo STF do exercício do mandato por atrapalhar as investigações. Cunha ainda será julgado por quebra de decoro parlamentar na Câmara
O globo, n. 30292, 14/07/2016. País, p. 3.