Título: Um empurrão na TV digital
Autor: Braga, Gustavo Henrique
Fonte: Correio Braziliense, 15/10/2011, Economia, p. 17

Lento avanço da interatividade da tevê leva o governo a forçar fabricantes a adotarem software aberto para beneficiar usuário

Gustavo Henrique Braga

Imagine que, ao chegar em casa depois de um longo e exaustivo dia de trabalho, tudo o que se queira é relaxar um pouco em frente à tevê. Mas, ao assistir ao comercial do seu banco, seu coração dispara assim que você se lembra que o depósito para cobrir um cheque não foi feito. A primeira reação seria correr para o computador e fazer a transação. Mas a modernidade do mundo digital já não exige nem mesmo que o telespectador abandone o sofá para colocar a vida em dia. Os que têm um aparelho digital cconectado à internet podem contornar esse tipo de problema com uma simples operação bancária feita a partir do controle remoto da tevê. Basta que a instituição financeira ofereça o aplicativo para a transação.

Mas, infelizmente, no Brasil essa não é a realidade da maioria, nem dos usuários nem de empresas prestadoras de serviços. Insatisfeito com a velocidade do avanço do uso da interatividade na televisão brasileira, o governo trabalha para dar um empurrãozinho nas empresas que exploram esse mercado. A proposta é tornar a inclusão do Ginga — um tipo de software que permite ao telespectador interagir com a programação — pré-requisito para os fabricantes que quiserem manter benefícios fiscais em tevês com tamanho acima de 32 polegadas. A nova estratégia se justifica. Cinco anos após o início da tevê digital no Brasil, a cadeia produtiva ainda se mostra bastante hesitante em apostar no segmento.

O principal entrave, no entendimento do setor privado, está na reduzida opção de tevês com o Ginga disponíveis no mercado. Fabricantes de eletroeletrônicos argumentam que a escala de domicílios cobertos pelo sinal digital, cerca de 45% do território brasileiro, inviabiliza investimentos robustos no setor. E, num efeito bumerangue, a baixa quantidade de telespectadores com acesso às tevês interativas desestimula empresas de aplicativos e produtores de conteúdo a oferecerem esse tipo de programação. Contudo, em 2016, as transmissões analógicas terão que ser obrigatoriamente desligadas no Brasil.

Transição Maximiliano Martinhão, secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, avalia que o momento atual é o da transição entre uma primeira fase, em que o novo sistema de transmissão começou a ser oferecido, para uma etapa de criação de uma escala economicamente atrativa para a exploração das possibilidades de negócios atreladas à tevê digital. No entender dele, esse cenário configura o momento ideal para a inclusão do Ginga como pré-requisito aos benefícios do Processo Produtivo Básico (PPB), o mecanismo de incentivo governamental. “O maior estímulo à interatividade é a própria experiência do usuário”, diz Martinhão.

O Ginga é um sistema aberto e gratuito. Ele pode rodar aplicações feitas por qualquer empresa ou ser transmitido por qualquer emissora. Mas enquanto o uso dessa plataforma patina no país, alguns fabricantes investem pesado em aparelhos com sistemas próprios de interatividade — são as chamadas tevês conectadas. A diferença entre os dois modelos é que, no segundo, o telespectador ficará restrito a aplicativos compatíveis com a marca do televisor.

Daniel Almeida, gerente de produtos da LG, considera que a vantagem da tevê conectada está na escala maior de potenciais compradores. “Conforme as conexões à internet tornam-se cada vez mais rápidas e disseminadas pelo país, há mais aceitação do público pelas televisões, já que nem todos têm acesso à recepção digital”, sustenta. Apesar de não contar com o Ginga, a plataforma da LG já atraiu o interesse de grandes empresas nacionais. Recentemente, a fabricante anunciou uma parceria com o Banco do Brasil que permite correntistas da instituição fazerem transações pela tevê.

Consultas médicas Com a inclusão do Ginga no programa de benefício fiscal conhecido como Processo Produtivo Básico (PPB), o governo quer que, no ano que vem, 75% dos televisores já saiam das fábricas com o middleware de interatividade instalado. Em 2013, pelas projeções oficiais, esse percentual alcançaria 100% dos aparelhos. A plataforma interativa permite, por exemplo, que os telespectadores usufruam, além de som e imagens em alta definição, do uso de aplicativos para as mais variadas funções, tais como marcação de consultas médicas ou acesso a todo tipo de produto — o uso será bastante similar ao dos smartphones.