O globo, n. 30293, 15/07/2016. País, p. 5

Depois da derrota, centrão tende à extinção

Deputado Rogério Rosso defende o fim de reuniões exclusivas entre os partidos que compõem o grupo

Por: Eduardo Bresciani e Isabel Braga

 

A avaliação na Câmara ontem era de que a derrota de Rogério Rosso (PSD-DF) na disputa pela Presidência da Casa foi um golpe praticamente fatal no centrão, grupo de partidos médios que se aglutinaram por influência de Eduardo Cunha (PMDBRJ). A larga margem de votos na derrota para Rodrigo Maia (DEM-RJ), que venceu por 285 a 170, a defecção do PR e as cobranças do Planalto por unidade fazem com que o grupo já articule o seu fim. O próprio Rosso defende que os líderes dessas legendas não se reúnam mais de maneira separada.

— Um dos grandes desafios é virar a página e não olhar mais o governo com divisões dentro da base, olhar os partidos de forma homogênea. Se for fazer reunião, faz com todo mundo. Isso é importante, integrar toda a base agora — disse Rosso ao GLOBO.

O líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), defende também um trabalho para desconfigurar o centrão como forma de permitir a unificação de toda a base. Um dos articuladores da candidatura de Rodrigo Maia, ele acredita que uma continuidade dessa fragmentação poderia gerar problemas para o presidente interino Michel Temer.

— Estigmatizaram partidos importantes da vida brasileira, e a forma mais eficaz de resolver é a desconfiguração (do centrão), fazendo os partidos da base conviverem irmanamente — disse o tucano.

O discurso da busca de unidade é entoado também pelo líder do PMDB, Baleia Rossi (SP):

— O clima é de pacificação. A disputa foi respeitosa. A prova de que o governo não interferiu é que o PMDB liberou a bancada. É preciso baixar a poeira.

Um gesto de distensionamento foi feito pelo líder do governo, André Moura (PSC-SE), que fez questão de participar da reunião de Maia com Temer. A indicação de Moura, construída pelo centrão e imposta ao presidente interino, foi o que levou Maia a romper com Cunha e iniciar o trabalho para sucedê-lo. Moura tem agora a difícil missão de curar as feridas de seu grupo e criar pontes com os vencedores para evitar que seu cargo seja colocado em risco.

Há quem acredite que, com a derrota de Rosso, o Planalto ficará menos refém do “toma lá, da cá” que vigorou nos tempos de Cunha. Na visão de uma pessoa próxima a Temer, a eleição de Maia gera mudança no eixo político, fazendo com que PMDB se realinhe ao PSDB e ao DEM (o antigo PFL), remontando à coalizão que imperou durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A avaliação é de que o centrão não terá forças para retaliar o governo, mesmo que proteste pela falta de apoio explícito a Rosso. Logo após a votação, Temer tratou de telefonar para Rosso e o cumprimentou pelo desempenho. Os ministros do núcleo político também entraram em contato para confortá-lo.

— Não vai haver retaliação do centrão. Se tentarem retaliar, não vão aguentar a resposta do Diário Oficial, que é o oxigênio deles — diz esta fonte.

Para evitar sequelas nesta eleição, o governo terá o cuidado de tratar com atenção os cerca de 170 deputados do centrão. A ordem é atender a todos, acelerar as nomeações para cargos e atendimentos das demais demandas e cobrar, em troca, fidelidade ao Planalto. O governo avalia que a batalha pela sucessão de Cunha foi muito acirrada e deixou “corpos pelo caminho”. Os auxiliares mais próximos de Temer acreditam que os traumas da disputa podem ser resolvidos com ações pontuais. E que, em poucos meses, as mágoas estarão resolvidas.

— Temos que fazer a coisa funcionar de forma igualitária. Não tem mais o que barganhar, as nomeações e pedidos já foram todos negociados. Agora, é concluir esses acordos e, quando nomeados e com orçamento, que eles possam agir em prol do governo também — afirma uma fonte do Planalto.

Para um deputado da antiga oposição, o resultado da eleição para a Mesa e a derrota de Cunha na CCJ são sinais de que o centrão, como concebido originalmente, está com os dias contados.

— A curva do centrão é a mesma curva de Cunha — avalia.

 

Palavras de especialistas

 

 

ROBERTO ROMANO

PROFESSOR DE ÉTICA E FILOSOFIA DA UNICAMP

“Depois da saída de Cunha, fica o terreno para medidas que tragam mais credibilidade à Câmara. O centrão, derrotado, é Cunha, a expressão da estrutura anômala da representação brasileira: fisiologismo, intimidação. A eleição de Maia é ainda uma resistência dos partidos tradicionais, apesar da corrosão do PT, da falta de coesão interna do PSDB, da federação de oligarquias regionais que é o PMDB. Maia pode atenuar o fisiologismo do centrão e entrar como elemento diplomático. Os parlamentares também podem, para melhorar a imagem do Congresso, aproveitar a mudança na Câmara para jogar fora projetos como o do abuso de autoridade, mensagem de privilégio, e retomar propostas como o fim do foro privilegiado e a regulamentação do lobby”.

 

PAULO BAÍA

CIENTISTA POLÍTICO DA UFRJ

“A disputa na Câmara ficou dividida entre os antiCunha e os pró-Cunha, o que facilitou a articulação de Rodrigo Maia com aqueles contra o deputado afastado. Rodrigo é bom negociador. É eclipsado pelo pai, mas desempenhou bem a função de líder do DEM. Pode auxiliar numa relação mais harmônica não só dentro da Câmara, mas com Senado, Executivo e Judiciário. Para o governo Temer, é uma lua de mel: Rodrigo apoiou o afastamento de Dilma, mas não é o centrão de Cunha, que poderia pressionar de forma fisiológica. Além de um presidente da Câmara anti-Cunha, outro fator que pode melhorar a imagem do Congresso são os parlamentares assumirem o combate à corrupção, e têm uma chance na votação das dez medidas contra corrupção”.

 

EURICO FIGUEIREDO

CIENTISTA POLÍTICO E DIRETOR DO INSTITUTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DA UFF

“A eleição de Maia é positiva para a estabilização política. Foi eleito com margem significativa de votos alguém que não está comprometido com Cunha, e que é aliado ao governo com certo distanciamento, por não ser do partido de Temer. Isso pode significar conciliação, importante pois a recuperação da imagem da Câmara não é só ética, é também de estabilização, para fazer andar a economia; a crise política prolongada tem efeitos econômicos perversos. Dilma não conseguiu unir contrários, colocou-se como antagonista do PMDB e de Cunha. O que se quer é consenso. E Maia ajuda nisso porque, com ele, Temer conta com um aliado para manter seu próprio cargo. Maia vai presidir processo crucial, votará medidas duras que Temer deverá encaminhar”.

 

EUGENIO GIGLIO

PESQUISADOR DE MARKETING POLÍTICO E PROFESSOR DA ESPM-RIO

“O novo presidente da Câmara terá mandato curto, mas importante, porque é o momento em que Temer precisa de uma tranquilidade no Congresso. Maia veio apaziguar uma das Casas; é um político tradicional, o que traz tranquilidade não só a Temer, mas aos líderes dos partidos. Representa uma derrota para o centrão e o afastamento de um político caricato, Waldir Maranhão, que não inspirava respeito à Casa. Com Cunha, também se falava mais dele que da Câmara; agora, Maia será menos importante que a Casa. Para a recuperação da imagem do Parlamento, não se pode esquecer que há mais de cem deputados investigados. Mas, com a mudança, a Casa pode voltar a ter discussões programáticas, agenda positiva. Pode parar de virar piada”.

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