‘Eu não sabia’ versão Dilma
23/07/2016
Presidente afastada diz que não tinha conhecimento de caixa 2 confessado por seu marqueteiro; para Moro, Lula deu motivos para ser preso Um dia depois de o ex-marqueteiro do PT João Santana admitir em depoimento ao juiz Sérgio Moro ter recebido US$ 4,5 milhões por meio de caixa dois no exterior para saldar uma dívida de campanha de Dilma Rousseff em 2010, a presidente afastada adotou tom cauteloso. Ao ser perguntada ontem, em entrevista à rádio Jornal do Commercio, de Pernambuco, se estava preocupada com a confissão de Santana, a presidente negou ter autorizado ou saber da existência do caixa dois, mas não descartou que ele tenha existido, como fizera em outras oportunidades.
Dupla. Santana e Dilma na campanha pela reeleição, em 2014: “Não autorizei pagamento de caixa 2”, disse petista— Não me preocupa pelo seguinte: porque eu não autorizei pagamento de caixa dois para ninguém. Pelo contrário, na minha campanha eu procurei sempre pagar o valor que eu achava que devia a ele. Se houve pagamento no caixa dois, não foi com meu conhecimento — disse Dilma, repetindo o tom adotado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005, quando o escândalo do mensalão veio à tona.
Desde sua primeira campanha presidencial, Dilma cultivou com Santana e a mulher dele, Mônica Moura, que também negocia delação premiada, uma relação de grande proximidade. Em março, após a prisão do casal, Dilma disse ao jornal espanhol “El País" que não se preocupava com uma eventual delação do marqueteiro, pois ele não teria o que delatar da campanha.
A negação categórica da existência de ilícitos em sua campanha era o padrão até agora. Foi o que ocorreu em maio, quando foi divulgado um áudio no qual o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado dizia que a delação da construtora Odebrecht atingiria Dilma, pois ela teria pedido que a empresa pagasse João Santana:
“Os valores destinados ao pagamento do publicitário, conforme indica a prestação de contas, demonstram por si só a falsidade de qualquer tentativa de que teria havido outro pagamento não contabilizado para a remuneração dos serviços prestados”, respondeu em nota, na época.
EM 2015, ACIDEZ
Ano passado, a presidente afastada havia sido ainda mais dura ao responder à acusação do empreiteiro Ricardo Pessoa, da construtora UTC, que dizia ter feito repasses irregulares para sua campanha. Dilma negou as acusações, prometeu tomar providências se voltasse a ser citada pelo empreiteiro, e lembrou que aprendeu cedo a não gostar de Joaquim Silvério dos Reis, o traidor da Inconfidência Mineira:
— Em Minas, na escola, quando você aprende sobre a Inconfidência Mineira, tem um personagem que a gente não gosta porque as professoras nos ensinam a não gostar dele. Ele se chama Joaquim Silvério dos Reis, o delator. Eu não respeito delator.
João Santana afirmou em depoimento a Sérgio Moro, quinta-feira, ter omitido o caixa dois ao ser preso pela Polícia Federal para não “destruir a presidente”, que enfrentava, na ocasião, o início do processo de impeachment. No depoimento, Santana e Mônica negaram saber se o dinheiro tinha como origem propina de contratos da Petrobras, o que foi admitido apenas pelo operador Zwi Skornicki, que representava o estaleiro Keppel Fels.
— Esse pagamento foi referente a uma dívida de campanha que o PT ficou devendo da campanha de 2010, da primeira campanha da presidente Dilma. Ficou uma dívida de quase R$ 10 milhões de reais, que não foi paga, foi protelada. Cobrei muito, eu fiquei com muitas dívidas. Depois de dois anos de luta conversei com o Vaccari (João Vaccari Neto, tesoureiro do PT), que era quem acertava comigo os pagamentos de campanha, e ele me mandou procurar um empresário que queria colaborar — disse Mônica.
Skornicki, porém, admitiu que o depósito feito a Santana era dinheiro de propina. Ele também prestou depoimento a Moro e confirmou ter pagado propina em todos os contratos firmados pela Keppel com a Petrobras. Skornicki, que fechou acordo de delação, contou que Mônica esteve em seu escritório indicada por Vaccari.
Em tese, a confissão de Santana não afeta diretamente o processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode levar à cassação da chapa Dilma-Temer porque o marqueteiro afirma que os recursos eram referentes à campanha de 2010, enquanto a Corte julgará a suposta prática dos crimes de abuso de poder político e econômico no pleito de 2014. As informações sobre os pagamentos feitos a Santana, porém, já tinham sido encaminhadas em junho pela Lava-Jato à corte, porque Zwi Skornicki afirmou que os recursos teriam relação com a campanha de 2014. Os repasses foram feitos entre setembro de 2013 e novembro de 2014. (Colaborou Eduardo Bresciani).
O globo, n. 30301, 23/07/2016. País, p. 3