Valor econômico, v. 17 , n. 4062, 04/08/2016. Especial, p. A12

'Tapajós é dispensável', diz Sarney Filho

Ministro do Meio Ambiente avalia que energia da usina pode ser suprida por fontes renováveis

Por: Murillo Camarotto e Daniel Rittner

 

De volta ao comando do Ministério do Meio Ambiente (MMA) após quase 15 anos, o deputado federal licenciado José Sarney Filho (PV-MA) é um dos principais opositores à construção da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Pará. Em entrevista ao Valor, ele disse que a obra é "inteiramente dispensável" e que pode ser compensada com energia gerada por ventos, queima de biomassa e até pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).

Na avaliação do ministro, as fontes renováveis já têm condição de suprir a demanda de energia prometida pela usina de Tapajós, um empreendimento de 8 mil megawatts. Segundo Sarney Filho, além dos problemas judiciais, relacionados à interferência em terras indígenas, a usina tem um grande contencioso ambiental, pois teria deixado de entregar uma série de documentos exigidos para o pedido de licenciamento junto ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).

À frente da proposta de reforma nas regras de licenciamento, o ministro afirmou que os chamados órgãos intervenientes, como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan), por exemplo, não terão mais influência sobre a emissão das licenças. Hoje, o aval desses institutos integra os processos ambientais, o que muitas vezes atrasa a liberação das licenças.

"Esses órgãos poderão e deverão ser ouvidos quando for necessário. Mas o Ibama não estará mais sujeito a pareceres de licenciamento desses órgãos que não têm nada a ver com a questão ambiental. Nós vamos retirar essa possibilidade. Muitas vezes, o empreendimento está ambientalmente apto a ser licenciado e, por outras questões alheias à ambiental, ele acaba não sendo licenciado", explicou Sarney Filho.

A situação ilustrada pelo ministro aconteceu, por exemplo, no licenciamento de uma linha de transmissão de energia entre Manaus e Boa Vista. O projeto, que visa integrar o Estado de Roraima ao Sistema Interligado Nacional, não tinha problemas ambientais, mas questionamentos da Funai atrasaram a licença.

O mesmo aconteceu na rodovia BR-242, em Minas Gerais, em um trecho concedido à iniciativa privada em 2013. A licença ambiental atrasou por conta das exigências do Iphan para as obras de escavação. O órgão queria ter certeza de que não havia resquícios arqueológicos no subsolo.

Questionado se a mudança nas regras não poderia acarretar em perda de poder dos órgãos intervenientes, o ministro avalia que não. Pelo contrário, Sarney Filho avalia que as instituições ganharão força, pois continuarão tendo a palavra final no destino de projetos que afetem terras indígenas, comunidades quilombolas e sítios arqueológicos.

"É expressamente garantida a manifestação desses órgãos, mas tem apenas o caráter consultivo e não mais impeditivo, de modificar uma decisão", afirmou o ministro. "É bom deixar claro que isso não tira a competência deles. O projeto vai clarificar bastante as competências, por isso dá mais autonomia aos órgão. É lógico que uma estrada não vai passar por terra indígena sem a aprovação da Funai", completou.

Os órgãos intevenientes, segundo o ministro, estão participando das discussões do projeto de lei que vai atualizar as regras de licenciamento. Entre as mudanças previstas está a definição de um prazo limite para a emissão das licenças ambientais. O tamanho desses prazos ainda está sendo definido, mas o ministro adiantou que o governo irá cobrar formalmente os responsáveis pelas licenças que não forem dadas no período combinado.

Outra novidade que faz parte do projeto de lei é a possibilidade de licenciamento integral de empreendimentos. São os casos, por exemplo, das PCHs. Segundo explicou o ministro, ao invés de licença contemplar somente a usina, ela seria emitida para toda a bacia hidrográfica envolvida.

A ideia também serve para as rodovias, cujas licenças são dadas por trecho, estratégia que muitas vezes dificulta o avanço das obras de duplicação. Sarney Filho explicou que a intenção é que seja possível licenciar toda a estrada de uma só vez. Para as grandes rodovias, que atravessam várias regiões, a saída seria emitir uma licença para cada categoria de bioma atingido.

O projeto de lei está sendo discutido semanalmente por ministros de várias áreas, incluindo a Casa Civil. A expectativa, no entanto, é que a matéria avance somente após a votação do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, pelo Senado.

As discussões têm esbarrado nos interesses de setores específicos da economia, que defendem que o licenciamento ambiental passe a funcionar por segmento, e não por localização, impacto ou porte. "Não tem sentido você ter o mesmo nível de exigência para um posto de gasolina e para uma refinaria; ou para um empreendimento em São Paulo e na Amazônia. Pelo novo projeto, isso vai acabar", disse o ministro.

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Temer vê desgaste político e avisa a ministros que usina será repensada

Por: Daniel Rittner
 

O presidente interino Michel Temer vê a megausina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Pará, como um desgaste político que deve ser evitado. Em conversas recentes com auxiliares, ele manifestou contrariedade com o impacto socioambiental do empreendimento e avaliou que o debate em torno da obra poderia ter um custo-benefício desvantajoso para o governo. Por isso, demonstrou intenção clara de repensá-lo.

Temer fez esses comentários em reunião do núcleo de infraestrutura, no Palácio do Planalto, e disse que pretende tomar uma decisão em breve. Diante da provável negativa à licença da hidrelétrica, o máximo que poderia fazer é estimular a retomada dos estudos de impacto socioambiental a partir da estaca zero.

A visão do governo interino difere da prioridade dada pela presidente afastada Dilma Rousseff e sua equipe ao projeto amazônico. Dilma deu liberdade ao Ibama e aos órgãos envolvidos no licenciamento - como a Funai - para se pronunciar, mas era uma firme defensora da usina. Tanto que o Plano de Investimento em Energia Elétrica (PIEE), um recauchutado programa de obras no setor lançado em agosto do ano passado sem grandes novidades, tinha justamente o Tapajós como maior destaque. A previsão era fazer o leilão até 2018.

Para assessores diretos de Temer, a construção de mais um empreendimento faraônico na Amazônia geraria desgaste excessivo para o governo, que ainda carece de pontes com os movimentos sociais. Além disso, o sistema interligado nacional trabalha atualmente com folga de capacidade e não se prevê nenhum tipo de restrição até meados da próxima década. Do ponto de vista do planejamento energético, há tempo de sobra para pensar em outras alternativas à perda de 8.040 megawatts (MW), potência estimada do Tapajós.

O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, avalia que a hidrelétrica é "dispensável" em um contexto de sobreoferta de energia no sistema e crescimento exponencial de fontes renováveis, como usinas eólicas e solares.

Já o novo comando do Ministério de Minas e Energia (MME) tem uma leitura cautelosa do significado de Tapajós para o planejamento energético. Enquanto a presidente afastada via esse tipo de megaprojeto como uma injeção de energia barata no sistema, as novas autoridades do setor argumentam que o valor do megawatt-hora de usinas como Jirau e Belo Monte só ficava em patamar razoável devido à fartura de "motivos artificiais" na equação.

A lista é extensa: financiamento subsidiado do BNDES, incentivos nas tarifas de uso das linhas de transmissão responsáveis pelo escoamento da eletricidade, desconsideração das perdas técnicas provocadas pela distância dos centros consumidores, concordância da Eletrobras e dos fundos de pensão estatais com taxas de retorno deprimidas.

"Não somos intrinsecamente contrários ao Tapajós", diz uma autoridade da área energética. "A questão é saber se o projeto continua parando de pé sem todos os subsídios embutidos na tarifa de Belo Monte. Talvez faça mais sentido apostar, por exemplo, em térmicas movidas a gás natural perto dos centros de consumo."

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Se Ibama negar licença ambiental, projeto da hidrelétrica dificilmente vai ressurgir

Por: Daniela Chiaretti
 
 

O projeto da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, a maior aposta energética do governo federal para os próximos dez anos, está por um fio. Sobre a mesa da presidente do Ibama, Suely Araújo, está o destino do licenciamento ambiental mais controverso dos últimos anos, depois, é claro, da usina de Belo Monte.

Três documentos recentes produzidos no próprio governo orientam a advogada e urbanista a negar a licença prévia ao empreendimento. Outro, crucial, encaminhado pela Fundação Nacional do Índio, a Funai, em fevereiro, apontava a inviabilidade do projeto.

É o ápice de um processo que vem caminhando há meses nos corredores do Planalto, com vários pareceres técnicos pedindo que a usina não seja construída.

Se a licença for negada, como é possível que aconteça, São Luiz do Tapajós, no Pará, dificilmente irá ressurgir. O Ibama é a instância máxima do licenciamento ambiental no Brasil. E não há R$ 30 bilhões sobrando no caixa do governo e nem no das construtoras para outra aventura amazônica.

Além disso, há índios no caminho de São Luiz, a aldeia de Sawré Muybu, a 20 quilômetros de onde ficaria a barragem e onde vivem 260 munduruku. A Constituição veda a remoção de índios de suas terras a não ser em casos raros. Hidrelétricas não estão incluídas.

Se São Luiz não sair da prancheta terá sido uma conquista dos 10 mil índios munduruku que vivem na calha do rio Tapajós, a maioria contrária ao empreendimento. E uma tremenda vitória do movimento ambientalista, notadamente do Greenpeace, que tem feito uma grande campanha internacional para impedir a construção das usinas do Tapajós.

São Luiz teria capacidade instalada de 8.040 MW. Os ambientalistas insistem que há outras formas de o Brasil conseguir energia, sem ter que estragar uma região muito preservada da Amazônia.

O país poderia investir seriamente em energias renováveis. Deslanchar a produção de energia solar. Estimular a geração descentralizada. Ou, pelo menos, debater o potencial destas fontes contemporâneas com mais profundidade.

O projeto da hidrelétrica tem também uma série de problemas ambientais, como lista o parecer da diretora de licenciamento Rose Mirian Hofmann que está público no site do Ibama - desde o assoreamento dos rios que alimentam o Tapajós à perda de espécies de peixes que só existem naquela bacia.

O órgão ambiental pediu complementação dos estudos ao empreendedor, que anda calado há dois anos. A Eletrobras, responsável pelo projeto, tem planos de construir várias usinas no Tapajós.

O rio é sagrado para os munduruku que protagonizaram várias idas a Brasília pedir ao governo "que não construa a barragem". Há muitos índios também na região de Belo Monte, mas ali a batalha foi perdida. Não no primeiro momento. No início dos anos 1980, o líder caiapó Raoni fez uma cruzada internacional contra a construção de Caparaô, no Xingu, tendo o roqueiro Sting como grande aliado. A hidrelétrica não foi construída.

Mas Caparaô reapareceu 20 anos depois, nos governos Lula e Dilma, com novo lugar, roupagem e nome -Belo Monte. O não cumprimento das condicionantes na região de Altamira e o enorme impacto social da obra demonstram que a hidrelétrica do Xingu teve efeitos colaterais impressionantes. O Tapajós, que já vem sofrendo contaminação de mercúrio com os inúmeros garimpos ilegais ao longo de sua margem, pode estar sendo poupado. Ao menos por ora.

O projeto de licenciamento ambiental que o governo interino de Michel Temer prepara pode colocar ordem nestes confrontos. Trata-se de uma legislação para regular o licenciamento em todos os projetos do país, de usinas a rodovias. No caso de hidrelétricas, uma antiga reivindicação de pesquisadores e ambientalistas é que se faça uma avaliação ambiental integrada dos empreendimentos. Ao fazer os inventários do potencial elétrico dos rios, o setor de energia vislumbra megawatts e o sistema atual licencia obra por obra, fatiando o rio. Só que ali tem água, gente, peixe, planta, bicho, beleza.

A análise tem que avaliar o efeito conjunto de todos os projetos e não usina a usina. Impacto socioambiental se soma. Só assim o país pode decidir qual rio deve servir para produção de energia e qual deve continuar a correr livre.

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Jirau liga duas turbinas e chegará à capacidade máxima em dezembro

Por: Daniel Rittner

A usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira (RO), colocou mais duas turbinas em operação no início desta semana. Com isso, o megaprojeto já tem 45 de suas 50 máquinas funcionando. A capacidade instalada, que já chega a 3.375 megawatts, alcançará 3.750 MW até o fim do ano, com a inauguração do restante das unidades geradoras previstas.

"Daqui em diante, devemos sincronizar pelo menos uma máquina por mês até dezembro", afirma Victor Paranhos, presidente da Energia Sustentável do Brasil (ESBR), concessionária responsável pela construção e operação. De acordo com ele, a hidrelétrica está adiantada em relação ao cronograma contratual.

Apesar dos avanços e de uma vitória nos tribunais, Jirau ainda não se livrou completamente de pagar uma conta bilionária pelo atraso na entrada em operação de suas primeiras turbinas. A concessionária alega problemas como greves e revoltas trabalhistas e pede uma "excludente de responsabilidade" para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A agência tem adotado postura de não acatar os argumentos. A ESBR só não se complicou financeiramente graças a decisões judiciais favoráveis a ela.

O rio Madeira deve registrar a pior vazão da história na próxima semana. Estimativas oficiais indicam que a vazão média deve ficar em apenas 3.146 metros cúbicos por segundo no dia 10 de agosto. Estava acima de 4 mil m³/s no início deste mês e vem caindo diariamente desde então.

Entre março e abril, pico da período de chuvas, alcança normalmente mais de 40 mil m³/s. A estiagem reduz a produção de eletricidade de Jirau e Santo Antônio, mas não compromete a receita das concessionárias. Esse sobe-e-desce está previsto nas regras do setor e nos contratos.

O governo de Rondônia demonstra preocupação com o tráfego de balsas no distrito de Abunã. O Estado já pediu à ESBR para elevar a cota (altura do reservatório) de Jirau para não interromper a navegação. Todo o abastecimento de combustível no Acre é feito por meio das balsas.