Fundo de 2015 socorre campanhas de 2016

 

19/08/2016
Raphael Di Cunto

 

Enquanto políticos de todo o país reclamam da falta de recursos para as campanhas municipais -as primeiras sem doações de empresas em duas décadas-, os partidos fizeram uma reserva de R$ 259 milhões no ano passado para investir na eleição de seus candidatos, mostra levantamento do Valor nas prestações de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O dinheiro se soma aos R$ 819 milhões que serão distribuídos neste ano a 34 siglas, após manobra que triplicou o Fundo Partidário nos últimos 24 meses. Foi um período marcado por escassez de doações por causa da operação Lava-Jato -que prendeu presidente e executivos de algumas das maiores empresas do país- e da proibição, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de que pessoas jurídicas contribuam financeiramente.

Nem todo esse montante será usado nas eleições, e os recursos são insuficientes para pagar todas as campanhas do país -a eleição nacional e estadual de 2014 custou R$ 5 bilhões, por exemplo. Mas a reserva terá papel importante nas disputas municipais, avaliam políticos e especialistas. "Quem poupou parte do fundo terá isso como diferencial em relação aos concorrentes", diz Antônio Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Levantamento do Valor mostra que todos os partidos ficaram no azul no ano passado, mas legendas maiores, como PT e PMDB, fizeram uma provisão menor de recursos -e, somado a isso, ainda têm mais candidatos a sustentar que legendas menores. Em média, 33% do dinheiro que saiu dos cofres públicos direto para o caixa dos partidos ficou guardado para ser usado na eleição deste ano.

O PMDB, partido do presidente interino, Michel Temer, poupou apenas 10,8% de sua receita total no ano passado. Terá R$ 10,8 milhões para gastar na campanha, fora o volume de recursos que entrará no caixa este ano. O presidente em exercício da sigla, senador Romero Jucá (RR), foi o responsável por triplicar o fundo ao relatar o Orçamento de 2015, prática repetida em 2016.

O PT é o que mais recebe -95% do fundo é distribuído de acordo com o número de votos para a Câmara dos Deputados. Da receita de R$ 144 milhões, contudo, sobraram apenas R$ 8,8 milhões, cerca de 6%. O tesoureiro petista, Márcio Macedo, justifica que a legenda tem vida partidária muito intensa, com reuniões e congressos que consomem recursos. "Não temos foco apenas nas eleições", afirma.

O PT precisou readequar despesas no ano passado, informa, e não houve condições de fazer poupança significativa. "Acreditamos que nossos candidatos irão resgatar as campanhas baseadas no esforço dos militantes e no corpo-a-corpo com os eleitores."

Os percentuais da poupança variaram de meros 4% -o do Partido da Causa Operária (PCO), que guardou apenas R$ 177 mil dos R$ 4,4 milhões que recebeu em 2015 - até 65%, caso do PRB, dos líderes nas pesquisas no Rio de Janeiro, senador Marcelo Crivella, e em São Paulo, o deputado federal Celso Russomanno. Serão R$ 26 milhões para apoiar seus candidatos, fora o dinheiro do fundo que entrou em 2016.

Proporcionalmente, partidos menores, como PSL, Pros, PRTB, PTN, PMN e PSDC, estiveram entre os maiores poupadores. Embora nominalmente sejam quantias menores na comparação, entre R$ 2 milhões a R$ 4 milhões, é um volume de recursos significativo para apoiar candidaturas das cúpulas partidárias em um cenário de subfinanciamento.

Terceira sigla que mais recebe do fundo, o PSDB também preferiu economizar. Terá R$ 37 milhões para gastar nesta eleição (33% de sua receita). Dois partidos médios da base do presidente interino, Michel Temer, aprofundaram a estratégia: o PP poupou R$ 27 milhões (48%), e o PR, R$ 29 milhões (57%). Foram as duas agremiações que mais cresceram na Câmara na janela de troca de partido. Já o PSD, que perdeu espaço entre as maiores bancadas, separou apenas R$ 11 milhões (21%).

As eleições municipais são vistas como caminho para eleger mais deputados em 2018 -quando mais prefeitos, mais candidatos competitivos e votos o partido tende a conseguir na eleição nacional e, com isso, ampliar sua fatia do fundo.

Na opinião de dirigentes partidários ouvidos pelo Valor, só há três formas de fazer campanhas com mais estrutura nesta eleição e, consequentemente, aumentar as chances de vitória: o candidato ser rico -não há restrições ao autofinanciamento-, o partido investir o fundo para eleger seus principais líderes ou recorrer ao caixa dois, o que é ilegal.

"Como no Brasil há uma resistência muito grande de pessoas físicas doarem, o único dinheiro limpo será o do fundo partidário", diz o secretário-geral do DEM, deputado Onyx Lorenzoni (RS). "Começamos a poupar quando vimos que o Supremo tornaria inconstitucionais as contribuições de empresas", explica. O partido reservou R$ 16,6 milhões dos R$ 37 milhões que recebeu no ano passado.

Se a estratégia pode render frutos eleitorais, a destinação do fundo partidário para custear campanhas eleitorais é criticada por cientistas políticos por desviar a finalidade inicial dos recursos: custear a doutrinação política, formação de militantes, discussão de programa e promoção de políticas para segmentos da sociedade, como mulheres.

"Haverá prejuízo ao fortalecimento do partido como elemento conscientizador do seu programa e ideologia", afirma Antônio Queiroz, do Diap. Uma mudança promovida na reforma política aprovada pelo Congresso ano passado -e relatada pelo deputado que hoje preside a Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)-, dá sinais disso: o que não for gasto pela fundação dos partidos (que por lei recebe 25% do fundo) poderá ser usado para outros fins no ano seguinte.

 

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Pros usou o dinheiro público para comprar helicóptero, jato e mansão 

 

19/08/2016
Raphael Di Cunto

 

Exemplo da fortuna que os partidos políticos receberam nos últimos anos, com o avanço do Fundo Partidário, é a estrutura que o Pros vem montando desde sua fundação, em 2013. Após dois anos pagando aluguel por uma sala comercial como sede do partido e andando de aviões de carreira, o presidente do partido, Eurípedes Júnior, resolveu mudar.

De 2015 para cá já comprou helicóptero (R$ 2,4 milhões), uma mansão no Lago Sul, região rica de Brasília, para servir de sede institucional (R$ 4,5 milhões), um automóvel esportivo (Ford Fusion Titanium, por R$ 124 mil) e cinco terrenos em Planaltina (GO), cidade de Eurípedes no entorno do Distrito Federal onde está instalada a sede principal da legenda.

Pelos cinco lotes adjacentes em Planaltina, que totalizam 2,4 mil km², o Pros desembolsou R$ 1,2 milhão. Em dois está a sede da legenda -duas casas menores com os quartos transformados em escritórios, sala para reuniões, piscina e churrasqueira. Nos outros funcionava uma fábrica que o partido reforma para instalar uma gráfica de dar inveja a empresas do ramo e que servirá para imprimir material de campanha para os candidatos.

É lá que fica abrigado o helicóptero -um R66 Turbine 2013- quando o presidente do partido está na cidade, o que ocorre com frequência, contam vizinhos. No local, atrás de um posto de combustível, a sigla constrói um heliporto com sinalização noturna.

Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), esse ponto não está autorizado para pouso nem há pedido de regularização. O uso só seria permitido eventualmente -como em operações da polícia ou bombeiros. De acordo com o Departamento do Controle do Espaço Aéreo (Decea), a operação é irregular. Além de multa, pode resultar em suspensão do veículo e do piloto.

O partido discorda das informações dos órgãos de controle. Em nota, disse respeitar as especificações do Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (RBAC): "O helicóptero pode pousar em locais diversos, desde que receba autorização do proprietário onde irá pousar e não cause danos a pessoas ou objetos. Todos os voos são notificados e informados aos órgãos que regulam a aviação."

Essa não é a única aeronave do Pros. Em dezembro de 2014, antes de o Congresso triplicar as verbas do Fundo Partidário, a legenda já tinha comprado um avião bimotor por R$ 400 mil. A aquisição chegou a ser criticada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, para quem o fundo não é para isso. Pela lei, porém, a compra não é vedada.

Nenhum dos grandes partidos, como PT, PSDB ou PMDB, possui aeronave ou jatinho. Normalmente, os deslocamentos dos líderes mais conhecidos, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), são feitos com fretamento de aviões. Os partidos fundados junto com o Pros, como PSD e Solidariedade, também evitaram gastos com imóveis e aeronaves. Preferiram aluguel de salas e compra de equipamentos de informática, de acordo com dados do TSE.

Com poucas doações de empresas no seu balanço, o Pros recebeu R$ 24 milhões do Fundo Partidário no ano passado, verba composta por recursos do Tesouro Nacional e multas eleitorais. Este ano, de janeiro a julho, obteve R$ 9,5 milhões. Fora as aquisições de bens, o partido gastou pouco. A principal despesa foi para gravar o programa partidário na TV -R$ 2 milhões.

Na avaliação do Pros, os bens são tratados como patrimônio adquirido com transparência e para uso da legenda. A aeronave permitiu levar a sigla para o interior do país, onde nem sempre há voos de carreira. "Quando o partido recebeu deferimento, em 24/09/2013, nasceu com representação em 800 municípios. Hoje já possui representação em 3,5 mil cidades, reflexo do investimento em estrutura e formação política", diz em nota.

Exemplo do investimento, defende a sigla, é a construção da gráfica que proporcionará material de campanha para os candidatos ligados ao partido a custos menores, algo importante com o fim das doações de empresas.

"Acreditamos que a economia gerada com o custo do material gráfico tendo como base produção própria já será capaz de pagar o investimento para essas instalações", afirma o texto enviado pelo partido.

 

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Senadores discutem forma de limitar acesso a recurso

 

19/08/2016
Raphael Di Cunto
 
 
Com o Fundo Partidário como um dos principais ativos para a campanha municipal que começou na terça-feira, cresce no Congresso Nacional a defesa de uma reforma eleitoral para reduzir o número de partido que terá acesso aos recursos milionários. Em 2016, são R$ 819 milhões distribuídos entre 34 legendas.

O debate ressurgiu com proposta de emenda à Constituição (PEC) dos senadores tucanos Ricardo Ferraço (ES) e Aécio Neves (MG) para estabelecer uma cláusula de barreira. A matéria é relatada pelo líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), também do PSDB.

Pela proposta, as legendas que não alcançarem no mínimo 2% dos votos válidos em 2018 perderiam o direito ao fundo e ao tempo de propaganda na TV e rádio.

Se esse percentual fosse aplicado aos votos para a Câmara dos Deputados na eleição de 2014, o número de partidos com direito a esses benefícios cairia de 32 para 17 -cálculo que não inclui as três legendas fundadas ano passado. Dos partidos mais tradicionais, apenas o PSOL ficaria abaixo da linha de corte, pois teve 1,8% dos votos. PCdoB, PPS, PV e Pros correriam mais risco, registrando 2,0% dos sufrágios.

Quem fosse eleito por agremiação que não recebeu votos suficientes poderia trocar de sigla sem perder o mandato. A partir de 2022, a barreira subiria para 3% -só 11 legendas tiveram mais votos que isso há dois anos.

"A ideia é organizar o sistema partidário, mas é lógico que a falta de recursos é um estímulo. É bem melhor dividir o bolo por cinco do que por 34 ou 40, já que tem outros partidos na fila de fundação", afirma Ferraço.

Na avaliação de tucanos, a discussão deste ponto da reforma política separadamente dos demais facilitará a aprovação. "Ou você, ao tentar construir consenso em torno de vários temas, acaba criando atritos sobre outros", diz o líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbasahy (BA).

Junto com a cláusula de barreira cresce o debate para acabar com as coligações proporcionais, em que os votos de vários partidos com ideologias diferentes se somam para eleger deputados que, depois, terão atuação distinta no Legislativo. Por exemplo: quem votou no PT em Minas Gerais ajudou a eleger deputados do PMDB, que apoiaram o impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff.

Partidos nanicos se aproveitam dessa brecha para concentrar a campanha em candidatos mais competitivos e, com os votos da coligação, eleger seus representantes para a Câmara.

Isso, aliado à onda de criação de novas siglas, fez saltar de 22 para 28 o número de partidos com representação na Câmara na atual legislatura -quantidade se alterou com o troca-troca de deputados e a criação de três partidos. Hoje são 27.

As iniciativas para acabar com as coligações enfrentam resistência do bloco de partidos pequenos e médios que se beneficiam do sistema. Ao aprovar a reforma eleitoral no ano pasado, a Câmara tentou avançar sobre o tema, mas esbarrou em acordos entre os partidos. O máximo que foi feito foi dar mais vagas aos partidos que concorrem sozinhos do que aos coligados, diminuindo assim a atratividade dessas alianças.

Para o líder do DEM, Pauderney Avelino (AM), a resistência ao fim das coligações pode ser vencida em parte das bancadas com o instituto da federação de partidos. Nesse modelo, agremiações com ideologias parecidas que decidem atuar juntas nacionalmente precisam manter a aliança no Congresso Nacional durante toda a legislatura.

 

Valor econômico, v. 17, n. 4073, 19/08//2016. Especial, p. A12