Correio braziliense, n. 19367, 04/06/2016. Política, p. 3

Aliados tentam salvar Cunha

Partidos pedem que o Supremo analise a legalidade de artigos usados para suspender o mandato do presidente afastado da Câmara

Por: Eduardo Militão

 

Três partidos aliados do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) para poderem julgar o afastamento do parlamentar. Eles querem, com efeitos retroativos, que os ministros analisem se um parlamentar seja suspenso sem que o Congresso dê a palavra final sobre a decisão judicial — exatamente como ocorreu com o peemedebista em 5 de maio. A ação direta de inconstitucionalidade foi aberta em 16 de maio pelo PP, PSC e Solidariedade questionando artigos do Código de Processo Penal usados pelos ministros para suspender Cunha do mandato. O relator, Edson Fachin, pediu informações à Presidência da República, ao Senado e à Câmara. Ontem, o STF abriu a Ação Penal nº 982, em que Cunha é acusado de embolsar US$ 5 milhões em propinas — ele nega a acusação.

Os partidos querem que a Câmara e o Senado sejam ouvidos em 24 horas sobre uma decisão da Justiça que determinar o afastamento, total ou parcial, de um parlamentar, assim como já ocorre nos casos de ordem de prisão. Isso permitiria ao Congresso anular a determinação do STF de suspender o mandato de Cunha.

Em despacho, Fachin disse que o caso é importante, “tendo em vista a relevância da matéria debatida nos presentes autos e sua importância para a ordem social e segurança jurídica”. Ele destacou que a ordem de afastamento de Cunha está valendo e pode ser revista com a análise da ação do PP, PSC e SD. Na ação cautelar 4.070, “se entendeu e decidiu, por unanimidade, a possibilidade de aplicação de medida cautelar de afastamento do presidente da Câmara”. “É relevante a matéria e traz em si especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, sobretudo porque ainda está em vigor a decisão de afastamento dantes determinada.”

Intimidação
Na noite de 4 de maio, o ministro Teori Zavascki concedeu decisão liminar para suspender o mandato de Eduardo Cunha por entender que ele interferia nas investigações que sofre em decorrência da Operação Lava-Jato no Judiciário e no Conselho de Ética da Câmara. A decisão foi confirmada pelo plenário do STF no dia seguinte. Foram apontadas 11 situações que comprovariam o uso do cargo pelo deputado para “constranger, intimidar parlamentares, réus, colaboradores, advogados e agentes públicos com o objetivo de embaraçar e retardar investigações”.

Com a iminência do afastamento da presidente Dilma Rousseff por causa do processo de impeachment, o que se concretizaria em 12 de maio, Cunha estava prestes a se tornar o segundo na linha sucessória da República quando Teori tomou a decisão. O fato de uma alta autoridade se tornar réu desperta “legítimas hesitações” na sociedade, segundo ele. “Para se qualificar ao exercício da substituição, porém, parece elementar que deverá o presidente da Câmara dos Deputados cumprir com requisitos mínimos para o exercício da Presidência da República”, avaliou Teori.

Alvo de inquéritos na Operação Lava-Jato, Cunha pode virar réu em outra ação. O Ministério Público, que o investiga em outros inquéritos, denunciou o deputado por manter contas na Suíça sem declarar o dinheiro às autoridades brasileiras. No Congresso, é acusado de quebrar o decoro por mentir aos colegas ao negar ter recursos fora do país.


US$ 5 milhões
Valor em propinas que Eduardo Cunha é suspeito de receber. Supremo abriu ação penal ontem para investigar a denúncia

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Descrença na Lava-Jato

 

O ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, Torquato Jardim, disse em entrevista concedida em 18 de maio, em Teresina, no Piauí, que não acredita que as investigações e condenações da Operação Lava-Jato tragam mudanças concretas ao país. Nas declarações, publicadas na quinta-feira pelo jornal O Diário do Povo do Piauí, cujo áudio foi obtido pela Agência Estado nesta sexta-feira, Torquato também diz que os partidos políticos brasileiros são “balcão de negócios” e que o Centrão, formado por 225 deputados de 13 partidos foi montado “em nome da corrupção e da safadeza”.


“O que mudou com o impeachment de Collor? O que mudou no Brasil depois da CPI do Orçamento, quando os sete anões foram cassados? O que mudou com o mensalão? O que vai mudar com a Lava Jato?”, questionou o ministro. “Enquanto o mensalão estava sendo condenado, a Lava-Jato estava sendo operada. Eles aconteceram ao mesmo tempo.”

Ao ser questionado sobre as ações de combate à corrupção e o que ele imaginava que deveria ser feito para aumentar a eficácia dessas ações, Torquato respondeu com ironia e bom humor: “Se eu soubesse o que fazer, eu ganhava o Prêmio Nobel. Ganhava o Oscar da Política.” As declarações foram dadas por Torquato durante o 6º Congresso de Ciência Política e Direito Eleitoral do Piauí, evento do qual foi palestrante, realizado no período entre 18 a 20 de maio em Teresina. À época, ele ainda não comandava o ministério da Transparência.

Torquato, que é advogado e foi ministro do TSE, tomou posse na pasta da Transparência na quinta-feira, em substituição a Fabiano Silveira, que deixou o cargo após a divulgação de áudios de conversas nas quais ele discutia estratégias de defesa de investigados da Lava-Jato. As gravações foram feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que fez acordo de delação premiada com o Ministério Público já homologado pelo Supremo Tribunal Federal. O ministro disse ontem que deu as declarações num congresso de ciência política e direito eleitoral. “Dessa perspectiva crítica da história, não resulta impedimento algum de engajamento com o projeto de governo do presidente Michel Temer.”