Correio braziliense, n. 19371, 08/06/2016. Política, p. 2

O alvo é o PMDB

Em parecer enviado ao Supremo que sacudiu a cena política em Brasília, o procurador-geral da República pede a prisão da cúpula peemedebista, como Renan, Sarney, Jucá e Eduardo Cunha, por obstrução da investigação contra eles

Por: João Valadares

 

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mirou a cúpula do PMDB. Ele pediu ao ministro Teori Zavascki, relator dos procedimentos relativos à Operação Lava-Jato na Corte, a prisão do Presidente do SenadoRenan Calheiros; do senador Romero Jucá; do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha; e do ex-presidente da República José Sarney. Nos pedidos, encaminhados há mais de uma semana com base, sobretudo, em gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, o procurador-geral utiliza como justificativa a tentativa de obstrução dos trabalhos da Justiça e, no caso de Cunha, do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.

Em relação a José Sarney, 86 anos, Janot pediu prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica, em razão da idade do político. Afastado do mandato parlamentar pelo STF após pedido da Procuradoria-Geral da República justamente para tentar sanar as manobras do peemedebista, Cunha continuou interferindo no andamento do Conselho de Ética para evitar sua cassação. No entendimento de Janot, o afastamento do deputado não se mostrou eficaz.

Nos bastidores do Supremo, circula a informação de que o ministro Teori não vai tomar uma decisão monocrática em relação aos pedidos. O mais provável é de que ele remeta o caso para apreciação pelo plenário. Não há prazo para a decisão. Teori foi bastante criticado por “segurar” o afastamento de Cunha. Ele só decidiu afastá-lo cinco meses após o pedido feito por Janot.

Além das gravações, as informações prestadas por Machado em depoimento de delação premiada foram tomadas como base para os pedidos. Aos procuradores da República, o ex-presidente da Transpetro afirmou ter repassado R$ 70 milhões para a cúpula do PMDB. A informação foi divulgada pelo jornal O Globo. Desse total, R$ 30 milhões teriam ficado com Renan; R$ 20 milhões, para Romero Jucá; e os outros R$ 20 milhões, para José Sarney. De acordo com o delator, o repasse milionário teria sido feito em troca de apoio político para que Sérgio Machado permanecesse à frente da Transpetro. Machado chegou ao topo da estatal em 2003, no início do governo Lula, após ser indicado por Renan Calheiros.

Sobre o político alagoano, a Procuradoria-Geral da República entendeu que ele planejava criar um mecanismo para “melar” o instituto da delação premiada. Sem saber que estava sendo gravado por Sérgio Machado, o presidente do Senado defende uma modificação na legislação. Ele demonstrou interesse em elaborar uma legislação para impedir que alguém que esteja preso possa assinar um termo de delação premiada.

“Primeiro, não pode fazer delação premiada preso. Primeira coisa, porque aí você regulamenta a delação e estabelece isso”, disse Renan. Machado, que sugeriu pacto para “passar uma borracha no Brasil”, diz para Renan que “tá todo mundo sentindo um aperto nos ombros”. Renan completa: “Tudo com medo”. Em seguida, Machado afirma que “não sobra ninguém, Renan”.

No diálogo, Renan sugeriu que poderia “negociar” com os ministros do STF uma “transição” para Dilma Rousseff. O senador disse que seu plano A para a crise política do Brasil é um semiparlamentarismo. O impeachment da petista seria o plano B. Segundo Renan, os ministros não negociavam com Dilma porque estavam “putos” com ela.

 

Ajuda

As conversas gravadas por Sérgio Machado indicam que o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) ofereceu ajuda para evitar que o caso do dirigente, investigado na Operação Lava-Jato, fosse transferido para a 13ª Vara de Curitiba, sob a condução do juiz Sérgio Moro. Nos trechos dos diálogos gravados em março, Sarney mostra preocupação com uma possível delação premiada de Sérgio Machado. Ele deixou claro que concordava com uma ação para impedir que o caso de Sérgio Machado parasse nas mãos de Moro, mas sem intermédio de advogados. “O tempo é a seu favor. Aquele negócio que você disse ontem é muito procedente. Não deixar você voltar para lá (Curitiba)”, disse o peemedebista. “Nós temos é que conseguir isso (o pedido de Machado) sem meter advogado no meio”, afirmou.

Em gravações, também realizadas por Sérgio Machado, Jucá sugere um pacto para barrar a Lava-Jato. Sem citar nomes, ele diz que tinha conversado sobre a necessidade de brecar a operação com ministros do Supremo Tribunal Federal. Ele fala que um governo Michel Temer deveria construir um pacto nacional com o STF. “Tem que mudar o governo para estancar essa sangria”. A revelação do conteúdo da gravação derrubou o senador do Ministério do Planejamento.

 

R$ 70 milhões

Valor que teria sido repassado pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado para a cúpula do PMDB

_______________________________________________________________________________________________________

Políticos se dizem "perplexos e indignados"

 

Os quatro políticos da cúpula do PMDB publicaram notas oficiais para rebater o pedido de prisão feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Todos classificaram de “absurda” a tentativa de prendê-los. O ex-presidente da República José Sarney inicia o comunicado alegando que está “perplexo, indignado e revoltado”.

Ele afirma que nunca tentou obstruir o trabalho da Justiça. “Dediquei 60 anos da minha vida pública ao país e à defesa do estado de direito. Julguei que tivesse o respeito de autoridades do porte do procurador-geral da República. Jamais agi para obstruir a Justiça. Sempre a prestigiei e fortaleci. Prestei serviços ao país, o maior deles, conduzir a transição para a democracia e a elaboração da Constituição da República”, afirmou.

O Presidente do SenadoRenan Calheiros, por meio de nota em nome da instituição, disse que não praticou nenhum crime e que já prestou todos os esclarecimentos. “O presidente reafirma que não praticou nenhum ato concreto que pudesse ser interpretado como suposta tentativa de obstrução à Justiça, já que nunca agiu, nem agiria, para evitar a aplicação da lei. O senador relembra que já prestou os esclarecimentos que lhe foram demandados e continua com a postura colaborativa para quaisquer novas informações”, atesta a nota. Ele complementa que o pedido de Janot é “desarrazoado, desproporcional e abusivo”. À tarde, ao chegar ao Senado, Renan falou com jornalistas. “O Senado é solução e não parte da crise”, disse. No plenário, o senador voltou a falar sobre o assunto. “Meu silêncio será uma manifestação retumbante.”

 

“Estranheza”

Também em nota, o senador Romero Jucá salientou que sempre trabalhou para fortalecer a Operação Lava-Jato. “Considero absurdo o pedido, tendo em vista que tenho manifestado reiteradas vezes pelos órgãos de imprensa e em ações do cotidiano no sentido de fortalecer a investigação da Operação Lava-Jato, assim como tenho cobrado celeridade da PGR, MPU e da Justiça”. Ele alega que “em nenhum momento agi ou atuei no sentido de propor legislação ou qualquer tipo de ação que pudesse ser interpretado como tentativa de confundir as investigações. Defendo que investigados presos possam se utilizar do mecanismo da delação premiada. Defendo a prisão com julgamento em segunda instância em caso que a justiça entenda que seja necessária”.

Jucá salientou que pediu afastamento do Ministério do Planejamento para que pudesse se defender. Em plenário, o senador afirmou que espera receber o conteúdo das acusações. Renan fez um aparte para dizer que não pode ter preocupação com os excessos cometidos contra eles.

Eduardo Cunha comunicou que não tomou conhecimento sobre o pedido e, por isso, não poderia contestar as motivações. “Mas vejo com estranheza esse absurdo pedido, e divulgado no momento da votação no Conselho de Ética, visando constranger parlamentares que defendem a minha absolvição e buscando influenciar no seu resultado.” Já o ex-ministro do STF e ex-procurador Sepúlveda Pertence, citado por Sarney, defendeu o ex-presidente. “Com relação ao Sarney, eu estou custando a acreditar que aquilo que teria sido gravado possa ser base para pedido de prisão preventiva”, disse ele ao Correio. “Estou é espantado. Está parecendo que a entidade Lava-Jato virou uma divindade, da qual não se pode falar nada, não se pode criticar esse ou aquele fato que vira base para prisão preventiva.” (JV)